Leia seus lábios

Vulva, vagina, lábios, clitóris, uretra... Da saúde ao prazer, entenda a importância de conhecer sua anatomia

Elisa Soupin colaboração para Universa

Capô de fusca, pata de camelo, perseguida, pepeca, xereca, xoxota, bocet*. São muitos os nomes, mas a efusão de apelidos contrasta com a falta de informação e o extremo desconhecimento sobre a vulva e a vagina. Muito se fala, pouco se sabe. Uma pesquisa feita no Reino Unido em 2019, mostrou que, diante de uma gravura, 45% das mulheres não souberam localizar corretamente onde estava a vagina. No caso dos homens, 59% deles não sabiam.

Conhecer a anatomia de sua genitália é importante por muitas razões: ajuda a perceber quando algo não está bem, a entender como cuidar, higienizar e não fazer besteira e amplia (e muito) a capacidade de ter prazer. Ao longo desta reportagem, a sexóloga Paula Napolitano, do perfil Sexplicando; a estudante de fisioterapia pélvica, com foco em saúde da mulher, Babi Ribeiro, do perfil Fique Amiga; e a ginecologista e obstetra Maria Stela Sgavioli Megna esclarecem dúvidas sobre anatomia, limpeza, e orgasmo em um mergulho lábios adentro.

O que é o quê quando você tira a calcinha

Vamos começar do começo com uma explicação detalhada para que você entenda sua anatomia de uma vez por todas.

- O Monte de vênus é a região arredondada e elevada, naturalmente coberta de pelos, que cobre o osso púbico. Essa região é envolvida por tecido adiposo e tem glândulas sebáceas que eliminam uma secreção que aumenta a atração sexual por conter feromônios.

- Vulva e vagina não são a mesma coisa. A parte visível, onde se encontram os pequenos e grandes lábios, a uretra e a glande do clitóris é a vulva. O corpo cavernoso, interno, que pode ser penetrado, é a vagina.

- Mais para fora, ficam os grandes lábios; mais para dentro, os pequenos lábios.

- A uretra serve para fazer xixi. E perto dela estão as glândulas de Skene, responsáveis pela lubrificação.

- Próximas à entrada do canal vaginal ficam as glândulas de Bartholin, que também têm a função de lubrificar a vulva e a vagina e de preparar o terreno para o sexo acontecer.

- A entrada da vagina se localiza na parte inferior da vulva. Esse é o canal por onde entram o pênis, os dedos, os brinquedos eróticos, por onde sai a menstruação e por onde nascem os bebês em partos normais.

- O clitóris faz parte da vulva e merece um destaque todo especial. Veja por quê, a seguir.

Erika Lourenço/UOL

Com você, o clitóris

- Aquela pontinha do clitóris que você vê por fora é realmente isso: só uma pontinha, que é chamada de glande e é extremamente sensível.

- Bem maior do que sua parte visível, o clitóris pode ter de 7 a 13 centímetros. Todo o restante fica para dentro, com prolongamentos para a direita e a esquerda.

- O clitóris é composto pelo mesmo tecido que forma o pênis e tem cerca de 8 mil terminações nervosas, o dobro do que o pênis tem. Trata-se de um órgão com uma função exclusiva: dar prazer.

- Já o ponto G, que está localizado dentro do canal vaginal, é, na realidade, a região onde ocorre o estímulo clitoriano. "Ele possui muitas terminações nervosas e está em grande contato com a parte interna do clitóris. Só em 2008 foi comprovado que a região existe de fato. É importante observar, porém, que não são todas as mulheres que têm o ponto G. Isso porque há aquelas em que o clitóris não é tão acessível pela parte interna, pois há mais pele e, por isso, menos possibilidade de contato", explica Maria Stela.

Bastante machista, o conceito de vulva bonitinha vem de um ideal de vulva da mulher europeia, que não é real nem lá, já que as mulheres do Leste Europeu são as que mais fazem intervenções estéticas na vulva. A indústria vendeu que os grandes lábios devem ser gordinhos, cobrir os pequenos lábios, que devem ser menores e manter o clitóris escondidinho

Maria Stela Sgavioli Megna , ginecologista e obstetra

Arte/UOL Arte/UOL

A vulva em que habito

- Nenhuma vulva é igual à outra. E os padrões de beleza que bombardeiam as mulheres também chegam até ela, sobretudo pela pornografia, trazendo a ideia de que a vulva deve ser de uma certa forma. E não deve. "Há uma variedade imensa de vulvas, de cores, tamanhos, texturas, gostos, cheiros, diferentes quantidades de pelos e por aí vai", afirma a sexóloga Paula Napolitano. E cada uma dessas variações é ok. Assim como existem pessoas altas, baixas, magras, gordas, pretas e brancas, existem vulvas maiores, menores, com mais pele, menos pele, escuras, claras, carnudas ou mais magras.

- Um lado da vulva não precisa ser igual ao outro. "Assim como nossas mamas, pés e mãos são diferentes, dificilmente sua vulva será simétrica, e isso é completamente normal", garante a ginecologista Maria Stela.

- Os pelos não estão ali por acaso. Eles funcionam como proteção natural. "Não que seja muito perigoso tirar todos eles, mas não se pode negar que se remove uma barreira, que a gente fica mais sujeita a ter pelos encravados, infecções... Os pelos nos protegem da proliferação de bactérias", diz Maria Stela.

- Grandes lábios e pequenos lábios: é assim mesmo? Bom, é assim que eles são conhecidos na medicina, mas em muitas mulheres os pequenos lábios podem ter o mesmo tamanho ou até mesmo serem maiores do que os grandes lábios. E a nomenclatura dá a entender que os pequenos lábios, necessariamente, devem ser menores, o que nem sempre acontece. Por isso mesmo, Babi Ribeiro prefere se referir a eles como lábios externos e internos.

- Todas as entrevistadas são unânimes em afirmar que é preciso naturalizar a multiplicidade de vulvas. Mas há casos em que uma cirurgia pode ser indicada. "Existem mulheres em que a pele dos pequenos lábios pode incomodar ou causar dor ao usar a calcinha ou ao entrar no canal vaginal na hora da penetração. Além disso, é preciso considerar também o desconforto estético. Eu gosto de mostrar que há muita variedade, mas se está prejudicando muito a autoestima da mulher, se inibe fantasias e faz perder o tesão, operar pode ser bom", diz Maria Stela.

- Conforme a mulher envelhece, a vulva vai perdendo tecido adiposo e colágeno, o que faz com que seu clitóris pareça maior e fique mais aparente.

- A vulva precisa ser lavada? A ginecologista Maria Stela ensina: "Somente na parte externa. Sabão é uma vez por dia, não é para ficar lavando e passando lencinho. Se você lava demais, muda a flora, a microbiota dali e tira a proteção", explica. Ironicamente, quanto mais você lava para deixar a vulva asseada e cheirosa, mais essa desregulação causada pelo excesso de lavagens pode fazer com que os cheiros naturais fiquem mais fortes.

- E tome cuidado com essa história de deixar a calcinha secando no banheiro. "A calcinha no box, secando na umidade, faz os fungos se proliferarem. Toda vez que você vai tomar banho, o vapor do chuveiro fica ali, a calcinha não pega sol e se torna o lugar perfeito para os fungos crescerem. Quando você veste e ela encosta em sua vulva, os fungos podem causar algum desequilíbrio ali e na região da vagina", diz Babi.

- Roupas justíssimas também não são boa ideia. "Se a calcinha está muito apertada, a calça jeans muito justa, o ar não circula, o que favorece a proliferação de bactérias nocivas, porque desequilibra o pH vaginal e a microbiota, que são as bactérias do bem", ensina Babi.

De A a G

Menos famoso e menos estudado do que ponto G, o ponto A é controverso. Ele fica no fundo do canal vaginal e não é um ponto como o G, pois lá não existem terminações nervosas aumentadas. "Trata-se de uma região de transição entre o colo do útero, que tem consistência parecida com a da ponta do nariz, e a parede vaginal. Enquanto muitas mulheres sentem extremo prazer com o toque nessa região, outras não gostam", explica a ginecologista e obstetra Maria Stela.

O reino encantado da vagina

Onde acontece a penetração, por onde sai a menstruação, onde a vida começa? Há muitas curiosidades sobre a vagina. Vamos a algumas respostas.

- O canal vaginal é autolimpante, ou seja, não precisa - nem deve - ser lavado. Fazer isso é perigoso, aliás. Assim como a parte interna da vulva, o canal vaginal dispensa sabão. "A vagina tem muitas bactérias diferentes, benéficas e necessárias para a regulação do pH, entre outras coisas", alerta Babi. Quando você lava o canal vaginal, ele fica propenso a infecções bacterianas e fúngicas e pode haver, por exemplo, candidíase de repetição. "Existe uma secreção clara, que muitas vezes as mulheres podem ver na calcinha depois de um dia todo na rua, que serve para limpar o canal vaginal", explica Paula.

- Pênis têm tamanhos diferentes, vaginas também. Em repouso, o canal vaginal não é exatamente um canal, já que fica fechado, com as paredes grudadas. Nesse estado, sua extensão média é de 8 centímetros.

- Mas se aquela excitação rolar, e a vulva e a vagina estiverem bem lubrificadas, esse tamanho pode mais do que dobrar. "Por isso, é muito importante estar bem excitada antes da relação, já que isso prepara a vagina para o sexo", explica Paula. É no primeiro terço da vagina, onde se encontra a maior quantidade de terminações nervosas, que há mais prazer.

- O canal vaginal é um músculo, capaz de contração e que não perde a elasticidade com as relações sexuais.

O hímen é uma membrana bem fininha e sem terminações nervosas. E, na verdade, não é seu rompimento que causa dor e, sim, a tensão, que faz mulher contrair o canal vaginal, atrapalhando a lubrificação

Paula Napolitano, sexóloga

Orgasmo: uma explosão de prazer

- Aquele prazer e sensação de relaxamento intenso que chamamos de orgasmo começa no cérebro. E gozar pode acontecer a partir de um estímulo que não seja genital. Excitação nos seios, um sonho erótico, até lavar o cabelo no salão: goza-se com o corpo todo.

- Já percebeu que as sensações do orgasmo podem ser bastante diferentes? Existem diversos fatores que influenciam o clímax. "A fantasia, um pensamento, um fetiche, quando você tem essa preparação do cérebro, ele vai fazer de tudo para você gozar. Tem a ver com o nível de relaxamento, o tesão. O que acontece lá embaixo é secundário", diz Maria Stela. Estar bem no clima é importante.

- A forma de excitação também influencia. "Se a pessoa toca direto no clitóris, vai ter um tipo de orgasmo; se toca toda a vulva, se excita mais em outras partes do corpo, vai ter uma variação no nível de prazer", diz Babi. Além disso, existem associações diferentes de hormônios que dão orgasmos mais ou menos intensos. "A ocitocina, que é o hormônio do amor, do abraço, pode levar a um orgasmo mais tranquilo; se houver mais estrogênio, pode ser um orgasmo mais fácil; com a dopamina o orgasmo fica mais forte; se tiver a adrenalina de transar em um lugar público, por exemplo, o orgasmo também é diferente, intenso", explica Maria Stela.

- Apenas uma minoria de mulheres experimenta a ejaculação feminina. E não deve haver nenhuma neura quanto a isso, já que ejacular não é sinônimo de sentir mais prazer. "Na maior parte dos casos, a ejaculação geralmente vem acompanhada do orgasmo, mas pode acontecer da mulher ejacular sem gozar, só sentindo prazer, assim como pode acontecer de gozar sem ejacular. Portanto, não se sinta pressionada para ter uma ejaculação", esclarece a sexóloga Paula.

- "O orgasmo faz dormir melhor, libera endorfina, melhora o relaxamento e facilita o sono", diz a ginecologista Maria Stela.

- Por que é importante fazer xixi depois de gozar? Essa resposta é simples: "Se durante o sexo entrou alguma bactéria, você já elimina na hora em que faz xixi", explica Maria Stela. Mas, se depois de gozar, você tentar fazer xixi e tiver um pouco de dificuldade ou a urina sair toda espalhada, é normal. "Quando você tem o orgasmo, há a contração de diversos músculos da pelve, são diversas contrações involuntárias e o intumescimento dos tecidos pode dificultar a saída do jato", diz a ginecologista.

- A anorgasmia é disfunção sexual que caracteriza a dificuldade de uma mulher em chegar ao orgasmo. O diagnóstico é feito da seguinte forma: há dificuldade em atingir o orgasmo em pelo menos 75% das vezes, tem que acontecer por no mínimo 6 meses, e esse quadro precisa incomodar a mulher. "Existem diversos fatores envolvidos na anorgasmia, mas geralmente tem a ver com questões psíquicas e emocionais, como ansiedade, desconhecimento do próprio corpo, e efeito de alguns remédios, como os antidepressivos, por exemplo. Os fatores anatômicos são mais raros", explica Maria Stela.

Mas, afinal, o que é esse tal squirt?

É um acúmulo de líquido que sai a uretra e é semelhante ao líquido prostático. "Há uma produção acumulada da glândulas que ficam dentro do canal vaginal, que acaba saindo em forma de ejaculação no momento da excitação", esclarece a ginecologista e obstetra Maria Stela Sgavioli Megna.

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