Naqueles dias

Companhia constante: da menarca à menopausa, a mulher passa cerca de 35 anos de sua vida menstruando todo mês

Márcia Rocha Colaboração para Universa Erika Lourenço/UOL

"Mulher é bicho esquisito. Todo o mês sangra". As frases cantadas por Rita Lee no sucesso "Cor de Rosa Choque", de 1982, fazem parte de uma música que exalta a força feminina - a cantora também deixa claro que o "sexo frágil não foge à luta".

Durante o último século, o assunto deixou de ser tabu - e algo que mulheres pouco falavam ou tentavam esconder - e passou a ser um dos símbolos do sagrado feminino - movimento que revisita a menstruação como o momento sagrado da potência da vida feminina.

Em média, uma mulher menstrua durante 35 anos. São mais de 3 décadas, divididos em cerca de 400 ciclos mensais nos quais a mulher perde até 80 ml de sangue cada. O que significa cerca de 1 litro por ano e 33,6 litros durante todo o período fértil. Ufa! Números à parte, Rita Lee foi a primeira a falar de menstruação no rock brasileiro, quebrando tabus, lá no começo dos anos 80, ao citar um simples fato biológico: para quem nasce mulher a menstruação é companhia durante boa parte da vida.

A primeira a gente nunca esquece

Marco da puberdade, a menarca representa o início da vida reprodutiva e provoca muitas mudanças no corpo

Pode ter sido na escola, na saída de um cinema com as amigas ou, como acontece muitas vezes, entre uma brincadeira e outra. A menarca vem entre os 10 e os 15 anos e é sempre um marco na vida de uma mulher - todas tem alguma história para contar desse momento.

Na parte biológica, toda menina já nasce com uma determinada quantidade de óvulos, que ficam alojados em pequenas bolsas, os folículos. Eles permanecem inativos até mais ou menos os 12 anos, quando os hormônios entram em cena. Menstruar pela primeira vez significa que os óvulos se tornaram aptos para serem fecundados.

"O hipotálamo, que é uma região Sistema Nervoso Central, inicia a produção e liberação do hormônio GnRH, que atua na hipófise, glândula próxima ao hipotálamo, também na cabeça. A hipófise, por sua vez, começa a produzir e a secretar dois hormônios: o folículo-estimulante (FSH) e o luteinizante (LH), que agem nos ovários", explica o ginecologista e obstetra Luís Carlos Sakamoto, médico assistente do Hospital Pérola Byington - Centro de Referência da Saúde da Mulher, em São Paulo.

Corrida de óvulos
Cerca de mil folículos respondem ao estímulo do FSH e começam a crescer, mas apenas um deles vai liberar o óvulo que será captado pelas tubas uterinas. Um dia antes da ovulação, o FSH chega em seu nível máximo e a hipófise, então, inicia a secreção de LH, hormônio que faz o folículo se romper e, depois, se tornar uma estrutura conhecida como corpo lúteo.

Enquanto estão amadurecendo, os folículos produzem estradiol, hormônio que, além de contribuir para acelerar o crescimento do próprio folículo, estimula o espessamento do endométrio, a parede interna do útero. "É no endométrio que o óvulo se fixa depois de fecundado. Para isso acontecer, além de se tornar mais espesso, ele também fica 'fofo e macio' por conta da ação da progesterona produzida pelo corpo lúteo", diz o ginecologista e obstetra com formação em medicina antroposófica Marco Antonio Lenci, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Caso não haja fecundação, o óvulo é expelido, juntamente com o endométrio, que começa a descamar. "Essa descamação do endométrio é a menstruação propriamente dita", finaliza Lenci.

A menarca é o ápice de uma série transformações...

  • Telarca

    O crescimento do broto mamário, que acontece dos 8 aos 13 anos, é o primeiro sinal da puberdade feminina.

  • Pubarca

    Num segundo momento, aparecem os pelos pubianos e os axilares.

  • Menarca

    Por último, vem a primeira menstruação, de 2 a 5 anos depois da telarca.

Mulher de fases

Nos primeiros anos, o fluxo menstrual é incerto. Depois, o esperado é que siga um padrão até a menopausa

O ciclo menstrual começa no primeiro dia da menstruação e termina no primeiro dia da seguinte. Sua duração é de 28 dias, em média, mas, nas meninas que acabaram de menstruar, esse período pode chegar a 45 dias ou mais. Algumas ficam sem menstruar e ovular durante meses logo depois da menarca.

A irregularidade do ciclo menstrual nos primeiros dois anos após a primeira menstruação não é um problema. "Isso acontece por causa da imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise. Com o tempo, o ciclo se regulariza. É importante explicar para a menina que se trata de um processo natural", diz a ginecologista Andrea Rebello, de São Paulo.

O que acontece mês a mês
O ciclo menstrual tem três fases: folicular, ovulatória e lútea. A folicular começa no primeiro dia da menstruação. No início dessa fase, os níveis de estradiol e progesterona estão baixos e o endométrio está descamando, ou seja, a mulher está menstruando. Enquanto isso, a hipófise reinicia a secreção de FSH para promover o amadurecimento dos folículos. Cerca de sete dias depois do início do ciclo, eles estão crescendo, e, na ovulação, o folículo dominante pode chegar perto de 2 cm. "Se a mulher fizer um ultrassom nessa etapa, é possível visualizar pequenos cistos, que são esses folículos aumentados, nos ovários", explica o ginecologista Eduardo Zlotnik, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. O rompimento do folículo marca a fase ovulatória. Em um ciclo de 28 dias, a ovulação ocorre por volta do 14º dia.

Um dia antes, o estradiol produzido pelo folículo dominante está em seu nível máximo. Com isso, a hipófise reduz a secreção de FSH e aumentar a produção de LH, que causa a ovulação e, logo após, dá origem ao corpo lúteo. Chegamos, então, à fase lútea, a terceira e última do ciclo menstrual. "O corpo lúteo passa a produzir progesterona, hormônio que deixa o endométrio com uma superfície regular. Se o óvulo não for fecundado, depois de 14 dias o nível de progesterona despenca, assim como o do estradiol, e o endométrio descama", finaliza Zlotnik.

COMO UM RELÓGIO

Com o tempo, o ciclo se torna regular, mas chegam outras companhias nada bem-vindas: as cólicas e a TPM

Seios inchados e doloridos, aumento de peso, dor de cabeça, alterações de humor, compulsão alimentar... A lista é grande. De tudo o que envolve a menstruação, a Tensão Pré-Menstrual é provavelmente o que mais incomoda as mulheres. Esses sintomas costumam aparecer cerca de 10 dias antes do início do ciclo. A queda do estradiol, que acontece no período pré-menstrual e durante a menstruação, é a grande culpada. Para algumas mulheres são dias muito sofridos. Para aquelas que não voltam ao "normal" depois que menstruam ou têm sintomas muito exacerbados que atrapalham ou mesmo impedem suas atividades devem procurar um médico para fazer um tratamento. O desconforto causado pela TPM é, em si, um gerador de ansiedade.

Da mesma forma, a intensidade das cólicas também não é a mesma para todas. "Quando o orifício do colo do útero é estreito, dificultando o escoamento do fluxo menstrual, ou o endométrio está em maior quantidade, causando a formação de coágulos, a cólica pode ser mais forte", explica Zlotnik.

Mudanças pedem atenção

"Mulheres que não tinham cólicas e que, depois de alguns anos, começam a sentir muita dor devem ficar atentas, pois a endometriose pode estar por trás disso", esclarece ginecologista e obstetra Rogério Leão, especializado em Medicina Reprodutiva.. E como ela é uma das principais causas de infertilidade, deve-se consultar o médico o quanto antes.

A quantidade de fluxo também é diferente em cada mulher. E, novamente, as quebras de padrão são que devem ser monitoradas. Assim, se o fluxo se tornar abundante durante meses seguidos, é necessário investigar o motivo. "Logo que o fluxo se inicia, o nível de prostaglandinas está alto e essas substâncias provocam contrações no útero. Por isso, a cólica é mais intensa no início da menstruação, mas não costuma durar mais do que dois, três dias", diz Rogério Leão. Assim como no caso da quantidade de sangue que sai.

Depois dos primeiros anos pós-menarca, o ciclo menstrual entra no ritmo. Mas pode acontecer da menstruação adiantar ou atrasar uns dias - momentos de estresse, tristeza ou de tensão afetam diretamente o ciclo porque alteram a produção hormonal, o que, por sua vez, altera também a ovulação. E consequentemente, a menstruação. É importante prestar atenção nesses sinais do corpo e procurar um médico quando eles acontecem.

É importante a mulher saber qual é o padrão de seu ciclo menstrual, porque ele indica como está a saúde.

Andrea Rebello, ginecologista e obstetra, de São Paulo

Deu positivo!

A menstruação some durante a gestação e demora para voltar ao normal depois do parto

Com a gravidez, a mulher fica, pelo menos, cerca de 40 semanas sem menstruar. Após o nascimento do bebê, o corpo, aos poucos, retoma seu ritmo

Nesses primeiros três meses de gestação pode haver pequenos sangramentos. Geralmente, eles acontecem por causa das alterações hormonais da gestação e não devem ser motivo de alarme. "Mas é importante relatá-los ao obstetra para descartar, por exemplo, o risco de um abortamento espontâneo ou de uma gravidez ectópica, ou seja, quando óvulo fecundado se fixa fora do útero", avisa Sakamoto. A partir do segundo trimestre, porém, qualquer sangramento deve ser imediatamente comunicado ao médico, porque esses, sim, podem representar que o bebê está em risco.

A mulher também pode sentir uma cólica leve nos primeiros dias depois da concepção - em algumas, isso persiste durante toda a gravidez. Mais uma vez, é um sinal de que o corpo está se ajustando.

E como fica a menstruação depois do parto?
Após o nascimento do bebê, o útero começa a se contrair para retomar seu tamanho normal. E esse processo envolve eliminar o material que o revestia por meio de um sangramento com duração de 40 dias ou mais. Esse fluxo, que não é menstruação, costuma ser intenso e, em geral, é irregular.

A primeira menstruação depois do nascimento do bebê demora meses para aparecer e indica também a retomada da ovulação, que não acontece durante a amamentação, já que a prolactina, o hormônio do aleitamento, impede a liberação do óvulo. Por isso, mulheres que não amamentam voltam a menstruar mais rápido, cerca de dois meses depois do parto. Já para aquelas que alimentam o bebê exclusivamente no peito, costuma demorar bem mais.

Como a ovulação no pós-parto é imprevisível, é mais seguro conversar com o ginecologista sobre métodos contraceptivos. "Sempre brinco com minhas pacientes que acabaram de dar à luz, que não tem regra para descer a regra. Há mulheres que estão amamentando e que ficam até um ano sem menstruar", pontua Zlotnik.

  • Depois do parto, a menstruação pode demorar de 2 meses a 1 ano para voltar

    Quanto maior o período da amamentação, mais tempo a menstruação demora para retornar. As primeiras duas ou três menstruações após o parto podem ser mais ou menos intensas do que eram antes do nascimento do bebê.

Para acomodar o feto, o útero pode aumentar até quatro vezes de tamanho e passa dos habituais 8 cm para cerca de 35 cm de comprimento

Rogério Leão, ginecologista e obstetra do Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia (IPGO)

Foi bom, valeu, adeus

No climatério, ocorre a menopausa, outro período marcante da vida da mulher.

Mais ou menos por volta dos 40 anos, o climatério (ou a perimenopausa) se inicia, marcando a transição da fase reprodutiva para a não-reprodutiva, que é seguida pela cessão definitiva do fluxo menstrual, a menopausa. Biologicamente, isso quer dizer que toda a reserva ovariana foi utilizada. O ciclo menstrual costuma ficar irregular e outros sintomas mais "chatinhos" também aparecem. "A mulher pode sentir calores, os chamados fogachos, insônia, diminuição da libido e depressão, entre outros sintomas", explica Sakamoto.

Muitas ficam assustadas e aborrecidas nessa fase - parte vem da ideia que o climatério e a menopausa como um sinal de que estão envelhecendo. "A menopausa tem um peso muito grande em uma sociedade como a nossa, que valoriza juventude e produtividade. Por isso, prefiro dizer para as minhas pacientes que elas estão na 'plenipausa'. Acho que isso as ajuda a enxergar essa fase não como o fim, mas como mais uma etapa da vida", diz Andrea.

Hormônios para melhorar os sintomas
Considera-se que a menopausa chegou depois que a mulher fica um ano sem menstruar. Entre as brasileiras isso acontece por volta dos 48, 49 anos. É importante fazer seguimento com um ginecologista já a partir do climatério, quando cessa a produção de progesterona e o nível de estradiol é bem baixo.

Mulheres que se sentem muito incomodadas com os sintomas podem fazer Terapia Hormonal (TH). A TH consiste em administrar doses pequenas de estradiol para aliviar o fogacho, aumentar a libido e melhorar o humor, além de prevenir a osteoporose, entre outros efeitos. "Também pode-se prescrever o hormônio na forma tópica, para uso vaginal, a fim de combater o ressecamento da mucosa, queixa frequente dessas pacientes", explica Leão.

E o fato de a TH aumentar o risco de câncer de mama? "Sim, existe essa possibilidade. O que se faz é um gerenciamento dos riscos, já que os ganhos na qualidade de vida da paciente são enormes e não podem ser desprezados", afirma Lenci. Geralmente, a TH pode ser feita de cinco a dez anos, mas essa é uma questão muito particular. De novo, como qualquer mulher faz, desde que menstruou pela primeira vez, é hora de marcar uma consulta com o ginecologista.

"A idade da menarca e da menopausa é determinada geneticamente. E o fato de a mulher ter menstruado muito cedo não significa necessariamente que a menopausa vai ser cedo"

Andrea Rebello, ginecologista e obstetra

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