"Credo! Eu jamais usaria isso." Cuidado para não morder a língua. O que até ontem era visto como "estranho" e "polêmico" nos domínios fashionistas vira o objeto de desejo de hoje para quem vive na internet.
Influencers como Malu Borges, que experimenta looks espalhafatosos para mais de 3 milhões de seguidores no TikTok, estão mostrando essa tendência na prática. Ficou bonito ser feio.
E até onde chegará a feiura? A última edição do baile Met Gala, um dos maiores termômetros de tendências do mundo, indica os novos caminhos das esquisitices, que em breve estarão na sua rede social e nas ruas.
Mas esquisito para quem mesmo?
Goste-se ou não, uma roupa espalhafatosa é tendência e também uma forma de negar o que veio antes. "Esses visuais propositadamente feios vêm ganhando espaço como forma de 'contracultura', normalizando o caos e as imperfeições", diz Nicole Silbert, especialista em tendências na consultoria WGSN.
"É algo tido como útil, conveniente, invejável e prazeroso para um grupo de pessoas, em um determinado momento e lugar."
Vilson Gonçalves, especialista em história da arte
A noção de beleza leva em conta os valores e o contexto que governam uma cultura, ele explica. Então por que o feio está bombando?
Este estilo, por exemplo, celebra os looks "esquisitinhos". Suéter que não conversa com saia, que não combina com meias. Uma loucura de referências e ideias cujos vídeos no TikTok reúnem mais de 28 milhões de views. Mas não é somente no ambiente digital: as grifes perceberam e colocaram o feio nas passarelas.
Primeiro foi a volta da calça "mom jeans", o jeans largo que nasceu nos anos 1980. Depois, a grife Balenciaga fez barulho com os "ugly sneakers" e os tênis completamente detonados como se tivessem sido incansavelmente usados. Até o Crocs, que entrou em 2010 na lista das "50 piores invenções do mundo", da revista Time, teve seu retorno triunfal com parcerias com Justin Bieber e marcas de luxo.
"A moda tem um movimento: começa como subcultura, e os sistemas se apropriam dos estilos e se tornam uma tendência."
Maíra Zimmermann, historiadora e professora de moda na FAAP e FASM, em São Paulo
Para o mercado, o importante é lucrar. Mas consumidores não estão muito preocupados com isso.
Ter um item feio se tornou uma espécie de prêmio. Uma expressão estética de individualidade. Um símbolo de status. "Sou tão diferentão que não tenho vergonha de sair usando essa peça que sei que você vai torcer o nariz", disse qualquer "early adopter", aquele que abraça uma novidade primeiro.
Lembra quando a pochete era considerada brega? Nos últimos anos, virou hit de bloquinho de Carnaval. Os mais jovens, que estão se tornando consumidores agora, são os que mais têm essa abordagem sobre os itens de moda.
Para a geração Z --que nasceu entre o fim da década de 1990 e 2010-- o feio não é só uma característica estética. "Eles buscam o autêntico", diz o antropólogo do consumo Michel Alcoforado. É uma procura por algo que preencha um vazio deixado pela sensação de que "tudo já foi inventado".
"Se os problemas do mundo já são tão grandes, a saída individualista é resolver a própria vida, ter autenticidade."
Michel Alcoforado
Nascidos entre os anos 1980 e final dos anos 1990, os millennials lembram: ter um cinto de rebites na adolescência podia te colocar dentro de uma "tribo urbana". O jogo mudou. O vínculo de pertencimento já não vem pelo que você tem, mas pela sua autenticidade. "Aquilo que tenho de diferente me coloca no mundo, não como igual a um grupo de pessoas, mas por ser tão diferente que as pessoas vão olhar para mim", exemplifica Alcoforado.
E é assim que botas gigantes vermelhas da MSCHF, inspiradas no mangá "Astro Boy", esgotam-se rapidamente nas prateleiras e chegam a custar três vezes o valor original no mercado de revenda. Ou que Crocs, antes tão odiados, se tornam itens de luxo colecionáveis por quem curte muito tênis. Ter um item considerado feio é um traço de personalidade.
Nos últimos anos, a crise econômica apertou o cerco e gastar R$ 10 mil em um item desgastado (estou olhando para você, Balenciaga) ficou de mau gosto. Ainda mais em se tratando de Brasil. Mas, mesmo com a chegada da chamada "recession core", a estética da recessão, o diferente, o feio, não deve perder espaço no guarda-roupa dos mais jovens.
"Fugir da diferença não é mais possível. O mundo precisa dos destaques que a diferença proporciona."
Vilson Gonçalves, especialista em história da arte
Publicado em 5 de maio de 2023.
Reportagem: Natália Eiras
Edição: Diego Assis, Leonardo Rodrigues, Patrícia Junqueira, Adriana Negreiros
Imagens: Felipe Gabriel/UOL; Instagram/Reprodução; Pinterest/Reprodução; divulgação
Artes: Ana Cristina Russo Tohme
Direção de arte: René Cardillo