Minha filha é meu milagre

Apresentadora narra os cinco meses internada, na gravidez, sem saber se sobreviveria para contar a história

Eliana Michaelichen, em depoimento a Luciana Bugni Arte/UOL

Aquele era um dia bom do outono de 2017. Mais cedo, havia gravado o programa no SBT, radiante com as novidades da vida — a gravidez de Manuela, que avançava pelo terceiro mês, e a busca por uma casa maior para viver com meu marido, Adriano, e meu filho, Arthur, então com cinco anos. Foi quando tive um sangramento. Não um sangramento qualquer, mas um muito forte. Severo. Fui levada às pressas para a maternidade. De lá, só sairia cinco meses depois.

Eu estava, na época, com 45 anos. Então passei a me culpar por ter engravidado naquela idade. Sentia o etarismo nas frases que me eram dirigidas, quando a idade era sublinhada em meio a outras palavras. Passei a questionar se eu tinha causado o problema. Mas a médica me tranquilizou e tirou isso da minha cabeça. Mulheres se ajudam.

Outra reação ao saber da necessidade de internação foi me perguntar como lidaria com as responsabilidades do dia a dia. E meu filho? E o trabalho?

Mas a verdade é que eu não tinha mais controle de nada. Ao compreender isso, consegui acalmar meu coração e minha alma.

Se não tivesse Deus comigo, não teria conseguido passar por essa experiência.

E o sol iluminava a minha vida

Nos momentos de dificuldades, procuro ver o lado bom da situação. A maternidade em que fui internada ficava na região da avenida Paulista, em São Paulo. Devido aos prédios ao redor, meu quarto ficava na sombra a maior parte do tempo. Mas, quando o céu estava sem nuvens, acontecia algo surpreendente. Às 15h15, uma faixa estreita de luz do sol atravessava a janela e alcançava a cama em que eu estava deitada, aquecendo meu rosto e pescoço.

O sol também iluminava a imagem da minha santa, logo ao lado. Diversas vezes, fiquei ali, concentrada, recebendo aquela energia. Sou devota de Nossa Senhora Aparecida, mas a natureza, para mim, também tem grande importância. Quando piso no chão e me conecto com a força da terra, me sinto bem. Se me encontro no fundo do poço, Deus me dá um sopro de esperança para seguir adiante. Os momentinhos de sol eram isso: uma força para que eu seguisse em frente, dia após dia.

Por mais que, durante esse período no hospital, estivesse com meu marido, minha mãe e minha irmã muito próximos, a gravidez é solitária. Sabia que vivia uma gestação de risco e teria de lidar com medos profundos, como o risco de não estar mais aqui. Por dia, fazia quatro ultrassons, em média, para acompanhar o desenvolvimento de Manuela.

Arthur me visitava todos os dias. Eu me maquiava e me arrumava para esperá-lo. Ele fazia as lições de casa, jantava comigo, tomava banho e só então ia dormir na casa de minha mãe.

No hospital tive a certeza de que podia contar com o apoio de familiares e amigos, mas também de gente que eu nem conhecia. Mães, mulheres, pessoas de todas as religiões sincretizaram em nome de diferentes crenças para me apoiar e abençoar Manuela.

Recebi bênçãos de pais de santo, evangélicos, católicos. Até um rabino foi ao hospital. Tive apoio de mães de prematuros, recebi fotos das crianças antes e depois. Essas pessoas nem imaginam o quanto foram importantes me mandando mensagens em redes sociais. Elas me preparavam para tudo, foram fundamentais na minha força e recuperação.

Porque não é só a questão física, tem também a parte emocional. Quando você está internada, precisa de fé e apoio para sair bem dali. Foi bonito ver que as pessoas se importavam comigo.

A perda da fé

Assim, entre altos e baixos, fui vencendo os meses de gestação de Manuela, me fortalecendo dia após dia.

Porém, quando fui avisada de que estava na hora de Manuela nascer, senti medo. Saí do meu eixo e chorei desesperadamente.

Na véspera do parto, Arthur falou que não queria ir para a casa da avó, queria dormir ali conosco.

Eu só chorava. Adriano tentava me acalmar. E então eu olhava aquele anjinho ali, dormindo em um sofá no quarto do hospital, e pensava que tudo daria certo. Se, por uns instantes, perdi minha fé, o fato de Arthur ter ficado comigo naquele dia me fez reencontrá-la.

Reencontrei a fé a tempo do nascimento de Manuela. Minha filha nasceu bem, mamou com vontade, não foi para a UTI. A chegada de Manuela era uma prova de que bastava acreditar.

Força ancestral

A maternidade é divina. Confirmo essa certeza todos os dias com minha mãe, Eva, que tem 84 anos. Junto com minha irmã, Helena, ela forma a rede de apoio de que preciso quando estou longe de meus filhos. O mesmo ocorre com minha avó, que ficou viúva cedo e criou nove filhos sozinha. É uma força ancestral. Não por acaso Deus nos escolheu para gerar vidas. Tiramos força de onde não temos. Essa força feminina vem de Deus.

Hoje, digo que sou católica apostólica romana, mas não concordo com tudo que a religião prega. Não preciso estar em um templo para ser próxima de Deus. A fé está dentro de mim. Minha conexão com Deus é maior e mais leve.

Sempre estou do lado das mulheres. Sou feminista. Mas falo sobre isso de maneira amorosa, acho que só assim serei ouvida. A contundência afasta as pessoas.

Por ter trabalhado tantos anos com crianças, tento me colocar no mundo de maneira polida. Mas não me considero uma pessoa certinha. Já me casei três vezes, busco a felicidade. Acredito no amor, amo estar em família, como no mandamento cristão que prega "honrar pai e mãe".

E tenho momentos ruins, como todo mundo. Me equilibro na fé. Se nos apegarmos ao que é ruim, nos destruímos. Isso não é positividade tóxica. É levar a vida da melhor maneira possível. Tropeçou, caiu? Passa água no joelho e vai de novo.

É obvio que já errei, faz parte da vida. Aos 50 anos, aprendi mais com erros do que com vitórias.

União da família

Na minha infância, quando eu tinha medo do escuro, me apegava a Deus. Fiz o mesmo nos momentos de pavor no hospital.

Rezo desde os três anos. Minha avó colocava um copinho de água para rezar às 18h, quando o rádio tocava a Ave-Maria. Via minha mãe ajoelhada na beira da cama rezando o Pai-Nosso e a Ave-Maria. Me lembro como se fosse hoje do dia em que ela me chamou para rezarmos juntas.

Passei isso para meus filhos. Rezamos juntos o Pai-Nosso, a Ave-Maria e o Credo. Arthur, que tem 11 anos, gosta que eu fique um pouco com ele no quarto. É o momento que temos para a oração. Às vezes, a Manuela dorme com a gente. Quando não tem um bom dia, ela pede para rezar. Adriano é bem religioso e também é católico.

Amamos fazer viagens juntos. É um tempo de qualidade com nossos filhos. Gostamos de estar em contato com a natureza, como em uma praia deserta. Então rezamos. Sugiro que sejamos gratos pelo dia, que façamos orações por todas as crianças do mundo. Posso passar esse ritual para meus filhos porque vivi isso na infância.

Fiz uma viagem para o Pantanal e Bonito a trabalho e consegui levar as crianças. Olhava para o lado e via Arthur e Manu vivenciando a cultura local, tendo cuidados com animais. Um dia, vi uma cena espetacular: meus filhos estavam brincando com crianças ribeirinhas, no pôr do sol. Ao lado deles, dois tuiuiús compunham a imagem. Eu pensava: isso é uma cena de filme! A natureza é divina.

O mistério da vida

Manuela é meu milagre. Tive o Arthur e não imaginava que teria outro neném. Agora espero formar dois adultos bons, íntegros.

Vivi recentemente a perda de uma tia querida e sigo rezando por pessoas que já se foram. Se estão em outra dimensão, não deixo de me conectar, falar, rezar e conversar.

O amor ao próximo que se prega é o mesmo que se vive. Temos cuidado de meu pai, José. Me conforta saber que estou com a pessoa quando ela precisa. Isso dá uma paz! Se pudesse inspirar outras pessoas, diria para viverem ao lado dos que amam. Assim, quando eles se forem, teremos a certeza de que fizemos tudo o que podíamos. Não sabemos o que vem depois da morte. Viver é hoje. Tento fazer isso com qualidade e fé, da melhor maneira possível, sem prejudicar ninguém.

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