100 leitos em um mês

A engenheira Juliana Alves lidera o projeto do hospital erguido às pressas para atender vítimas da Covid-19

Giuliana Bergamo Colaboração para Universa René Cardillo/UOL

17 de março de 2020. A capital de São Paulo registrava a primeira morte por Covid-19 no Brasil. A vítima foi um homem de 62 anos que estivera internado em um hospital particular da zona sul da cidade. Naquela mesma noite, a engenheira Juliana Fernandes Alves, 41, executiva da cervejaria Ambev, enviou mensagens a alguns de seus parceiros de negócio. Queria ideias de ações e projetos que pudessem fazer juntos para enfrentar o avanço da doença.

René Cardillo/UOL

"No dia seguinte, às 6h, recebi uma mensagem do Michel Rodrigues, da construtora Brasil ao Cubo, com o desenho de um quarto hospitalar modular", conta. A ideia logo evoluiu: em vez de um quarto, pensaram em construir um hospital inteiro. Em cinco dias, Juliana apresentou o plano à chefia, marcou reuniões e reuniu os outros parceiros: a produtora de aço Gerdau, o Hospital Israelita Albert Einstein e a Prefeitura Municipal de São Paulo.

E empreitada deu certo. Os 100 novos leitos foram erguidos em apenas um mês no extremo sul da capital e foram entregues ontem. O prédio é um anexo do Hospital Municipal M'Boi Mirim - Dr. Moysés Deutsch, gerido pela Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein em conjunto com a prefeitura. A previsão é de que ele comece a receber pacientes ainda esta semana. E, passada a pandemia, a instalação deve atender outros tipos de pacientes também.

Por que o trabalho da Juliana importa

Emergência

A região sul de São Paulo é das mais carentes por leitos. Há apenas 0,5 a cada mil habitantes, contra 3 a cada mil habitantes no resto da cidade. O hospital foi criado para a pandemia, mas é uma obra permanente e deve amenizar essa carência.

Parceria

Para a execução do projeto de construção do novo hospital, Juliana reuniu parceiros de peso. Além da empresa de tecnologia em construção Brasil ao Cubo, estão juntos no projeto a Gerdau, a Prefeitura Municipal de São Paulo e o Hospital Albert Einstein.

Agilidade

Prometidos para serem entregues em 40 dias, os 100 leitos projetados por Juliana ficaram prontos em menos de um mês. Na próxima semana, o hospital já deve estar pronto para receber os primeiros pacientes vítimas da Covid-19.

Um cenário devastador

Na região em que a obra foi realizada, vivem 1,3 milhão de pessoas e a oferta de leitos hospitalares é bem inferior à do resto do município: há apenas 0,5 leito para cada mil habitantes, contra 3 leitos a cada mil habitantes em outras zonas. É um cenário devastador, onde duas das piores variáveis em saúde se encontram: a precariedade do sistema e pacientes que já estão em estágios muito graves da doença quando procuram atendimento.

"Por medo de enfrentar lotação, os pacientes têm ficado em casa tempo demais e chegam aqui já muito comprometidos", diz a médica Fabiana Rolla, diretora do Hospital Municipal M'Boi Mirim. "Infelizmente, alguns pacientes vieram a óbito uma ou duas horas depois de darem entrada aqui".

Desde a semana passada, os médicos têm enfatizado uma nova diretriz: em vez de aguardar em casa o agravamento dos sintomas, é importante procurar atendimento logo no início, para evitar que a situação piore muito. E as novas instalações devem contribuir para que a recepção seja mais adequada.

Atualmente, o hospital tem 230 leitos, sendo 30 deles de UTI. A abertura do novo prédio permitirá uma ampliação dessa capacidade como um todo. Áreas administrativas e de treinamento da sede, por exemplo, já estão sendo equipadas para se transformar em leitos de UTI, resultando em 100 postos desse tipo de complexidade e um total de 330 vagas para internação.

Da ideia à realização

"No dia 18 de março, às 23h47, enviei uma mensagem a alguns parceiros perguntando como poderiam ajudar nas ações contra a Covid-19. No dia seguinte, às 6h, o Michel Rodrigues, sócio da empresa de tecnologia em construção da Brasil ao Cubo, me enviou um desenho de quartos hospitalares modulares. A partir disso, tivemos a ideia do hospital. Em cinco dias, reunimos os outros parceiros e fechamos o projeto. A obra começou no dia 25 de março."

Nenhum caso positivo

Erguer um hospital em tão pouco tempo envolveu uma equipe enorme comandada por Juliana. Na obra, chegaram a trabalhar 150 operários, alternados em dois turnos, totalizando 20 horas diárias. É bastante gente, sobretudo em um cenário de pandemia infecciosa. Para evitar contaminações, portanto, foram tomadas diversas medidas de cuidado.

"Além do uso de equipamentos de proteção, como máscaras, antes de começar o trabalho, conferimos a temperatura de todo mundo", diz o engenheiro Michel Rodrigues, sócio da Brasil ao Cubo e responsável pela execução.

Como vieram de diversas partes do Brasil, os funcionários ficaram hospedados em dois hotéis próximos à obra, que foram alugados para o projeto. As medidas parecem ter surtido efeito. Até o fechamento desta reportagem, não houve nenhum caso ou suspeita de Covid-19 entre os trabalhadores.

Além do empenho da equipe e do número de pessoas envolvidas, a agilidade é também resultado de tecnologia. O hospital é uma construção modular, usada pela Ambev também na edificação de cervejarias. A modalidade dispensa materiais convencionais na maior parte dos processos, como tijolos, cimento e concreto. No lugar deles, são usadas estruturas e painéis metálicos. Ao todo, foram consumidas 400 toneladas de aço doadas pela Gerdau, como parte da parceria.

Quase tudo vem pronto de uma fábrica localizada em Tubarão, em Santa Catarina, sede da Brasil ao Cubo. A técnica permite ainda a economia de água — "cerca de 85% a menos do que uma obra comum", segundo Rodrigues — e resulta em um edifício mais sustentável. Isso porque os módulos permitem um controle mais eficiente da temperatura, reduzindo o consumo energético dos aparelhos de ar condicionado, por exemplo.

Reuniões com filho no colo

Nascida em São Paulo, Juliana mora com o marido e o filho de 4 anos em Jacareí, onde funciona uma das fábricas da Ambev. De lá, ela lidera um time de 90 pessoas. Desde o início de março, quando a empresa passou a adotar medidas de isolamento social e proteção dos trabalhadores, a executiva tem passado boa parte do tempo em home office. Quebrou o isolamento, é claro, para vir a São Paulo às reuniões que alavancaram o projeto, ainda no mês passado, e checar o andamento da obra de perto.

Como a maioria das pessoas que pode praticar a quarentena (ainda que parcial), para trabalhar, Juliana tem feito ajustes na casa, na rotina e na dinâmica familiar. Como sempre fez, acorda às 5h15 para praticar atividade física. Mas trocou as ruas do condomínio onde vive pela esteira ou as aulas de ioga pela TV.

À noite, deixa a comida pronta para o dia seguinte, para não precisar parar durante o expediente remoto. E, como não se adaptou ao escritório que tem montado no piso superior da casa, acomodou um posto de trabalho na sala. "Aqui posso ficar perto do meu filho e cuidar dele enquanto trabalho", diz.

Desacostumado a ver a mãe em casa durante o dia, o garotinho tem aproveitado para pedir atenção e até participa de algumas reuniões, sentadinho no colo. Em geral, funciona, mas nem sempre. Outro dia teve de interromper uma negociação importante porque ele estava muito agitado. "Expliquei a todos o que estava acontecendo, pedi para outra pessoa do time conduzir a conversa e saí. Todos entenderam. Tem sido uma experiência diferente na vida de mãe, mas ficar em casa tanto tempo é ruim. Gosto de me arrumar para sair e estar junto com a equipe. Espero que isso tudo passe logo".

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