Aos 75 anos e com quase 40 filmes na carreira, Marieta Severo tem enfrentado o desafio de se deparar diariamente com a finitude. Desde que seu companheiro, o diretor de teatro Aderbal Freire Filho, 81 anos, sofreu um AVC, durante o isolamento pela covid, em 2020, ela foi obrigada a encarar muitas limitações. "É a grande dor da minha vida todos os dias", afirma.
Mas tem consciência de que o medo pode ser limitador. "A gente corre desse sentimento. Ele te aprisiona. Por que as pessoas, as religiões, usam o medo como recurso? Esse lugar que todos nós passamos [na pandemia] foi muito ruim, em todos os sentidos. O resultado foi mais fome, desigualdade. Para mim, na minha idade, é muito triste viver em uma época assim, principalmente pelas crianças. Mas vamos sair disso", diz a atriz, protagonista do recém-lançado longa "Aos Nossos Filhos", da diretora portuguesa Maria de Medeiros.
Na trama, ela interpreta Vera, uma ex-combatente da ditadura militar que viveu em diversos países da América do Sul. Foi torturada, presa, fez parte da luta armada e da resistência. Coordenadora de uma ONG que cuida de crianças soropositivas, ela não consegue compreender, no entanto, o relacionamento de sua filha com outra mulher e o desejo das duas de gerar uma criança. "Tem uma frase que ela diz no filme que é 'faço revolução onde eu posso', mas quando ela se depara com a revolução sexual da filha, não sabe lidar. Acho bonito colocar esse tipo de dificuldade em uma personagem, que é uma mulher com uma visão social tão ampla. É a complexidade humana", analisa a atriz.
"Além da temática, tudo o que a minha personagem vive, da relação dela com o passado, me tocou. Ela é uma mulher progressista, revolucionária, cheia de ideias sociais e políticas muito bacanas", comenta. Para Marieta, tocar nesse assunto no momento que estamos vivendo tem a maior dureza, mas também tem uma utilidade: "Eu gostaria muito de falar com esses jovens que querem a volta da ditadura. Eu só penso nisso. Venham ver o filme, indaguem, porque, muitas vezes, esse desejo é falta de informação".