Tomei um tiro na lateral direita da barriga e calculei que ali deveria ser a altura do intestino. Respondi à preocupação dos amigos dizendo que não precisava ir ao hospital. Continuei na festa em que estava. O sangue saía do buraco, que eu tapava com a mão. "Foi só um tiro", eu dizia.
Impressionável que sou, tive esse sonho dois dias depois de fazer um curso de tiro e ouvir do professor: "É só uma arma", em uma tentativa de atenuar o medo e uma leve tremedeira que eu senti quando segurei a pistola. Foi em um sábado de janeiro, na mesma semana em que o presidente Jair Bolsonaro anunciou o decreto 9.685, que flexibilizou a posse de armas de fogo. Decreto este que foi revogado recentemente, na terça-feira (7), e trocado por outro que inclui novas regras facilitando ainda mais a posse e agora, também, o porte.
O curso foi meu primeiro passo para o périplo que se seguiria pelos próximos 74 dias, até eu receber, por email, a autorização para comprar uma arma. Cumpri os requisitos para obter a posse: atestei o que se chama de "efetiva necessidade", argumentando autodefesa; passei na prova psicológica, na teórica e na de capacidade técnica; apresentei os negativos de antecedentes criminais, cinco documentos autenticados e quatro declarações com firma reconhecida.
Nesses dois meses e meio, descobri que sou uma excelente atiradora; apesar do meu desconforto com armas e de considerá-las o convite máximo à violência. Por causa desse medo, deslizei cadeira abaixo no trabalho quando ouvi minha editora falar sobre a ideia desta reportagem, chamar meu nome e perguntar. "Quer fazer?"
A curiosidade me ejetou para o universo da bala. Fiz todos os testes, treinos e trâmites para poder me armar. Spoiler: o pânico passou. E tem mais.