Feitos no isolamento

Elas engravidaram em março e abril, início da quarentena. 9 meses depois, terão seus bebês ainda na pandemia.

Ana Bardella de Universa Julia Rodrigues/UOL

Nada de chá de bebê, visitas na maternidade ou entrar e sair de várias lojas para comprar o enxoval. 2020 foi um ano desafiador para todo mundo, mas para quem engravidou no meio de uma pandemia as preocupações foram — e continuam sendo — bem específicas. Enquanto 180 mil famílias perdiam seus entes queridos em função do coronavírus, elas redobravam os cuidados visando não apenas a própria sobrevivência, mas também dos filhos que estão a caminho.

Conhecidas como "grávidas da quarentena", mulheres como Kassynara, Luiza, Lauryen e Stephane descobriram sobre suas gestações logo no começo das recomendações de isolamento, entre março e abril, e encararam de perto as incertezas dos meses seguintes. Enfrentaram medos, tiveram sonhos alterados e privações.

Prestes a darem à luz, elas contam a seguir como é pertencer à primeira geração a passar por uma gravidez completa durante a pandemia. Para garantir a segurança das personagens, as fotos desse ensaio foram feitas remotamente, via chamada de vídeo.

"Com três meses de gestação, descobri que já tive coronavírus"

"Posso afirmar que minha gravidez não foi planejada: morava há seis anos em Sidney, na Austrália, quando decidi que voltaria para o Brasil. Lá, mantinha uma rotina de empresária: era dona de uma agência de limpeza em casas recém-construídas, mas voltei porque tive um problema com o visto. Minha ideia era ficar no máximo um ano por aqui e depois me mudar novamente para o exterior. Pensando nisso, fiz um curso para trabalhar com unhas de fibra de vidro e comecei a atender, mas isso durou pouco tempo. Em 2020, minha vida mudou completamente. Nos primeiros meses do ano, reencontrei um rapaz com quem costumava sair na adolescência, uma paixão antiga. Passamos três dias juntos e algumas semanas depois perdemos contato. Isso até eu descobrir que estava grávida.

Na ocasião, tomei uma pílula do dia seguinte, algo que nunca tinha feito, mas ela não funcionou. Aproximadamente seis semanas depois, comecei a sentir dores nos seios e comprei o teste. Quando constatei a gestação, fiquei desesperada. Liguei para minha mãe dizendo muito firmemente que não poderia vivenciar a maternidade agora. Eu nem queria ficar no Brasil. A emoção foi muito forte, mas de um jeito ruim. Ao mesmo tempo, uma parte de mim sempre teve o sonho de ser mãe.

Naquela mesma noite, fui tomar uma cervejinha, como fazia todas as noites, mas parei quando me lembrei da gravidez. Nesse momento, tive um estalo e me questionei: 'Se não quero ter esse filho, por que já estou cuidando dele?' e aos poucos fui me habituando com a ideia de estar grávida. Decidi, então, que seria mãe solo.

Tudo isso aconteceu em meio à pandemia. No início, meu medo da doença era tanto que usava luvas para descer no elevador e levar meu cachorro para passear. Porém, no terceiro mês da gestação, um exame de sangue mostrou que eu já tinha contraído a doença. Logo associei ao fato de que, uma semana antes de engravidar, tive um forte mal-estar por três dias e perdi o olfato e o paladar por quase um mês. Ao saber que desenvolvi anticorpos, fiquei mais tranquila. Hoje passo álcool e uso máscara pelo medo de uma reinfecção, mas não sinto pavor como antes.

Não pude fazer um chá de bebê, como eu queria. Então, como trabalho com internet, optei por um chá de revelação online, através do Instagram. O pai e os avós da criança acompanharam em tempo real a descoberta do sexo. Gosto de usar o ambiente digital para conversar com outras mães. É claro que o ideal de uma gravidez é ter um parceiro presente e que te apoie. A gestação de uma mãe solo pode ser bastante solitária, como tem sido a minha. Mas estou focada proporcionar para minha filha a melhor experiência de vida que ela pode ter — e mostrar para mais mulheres que sim, é possível fazer isso sem depender um homem".

Lauryen Américo, 27 anos, Porto Alegre (RS), influencer e empresária, grávida de Louise

Não pude fazer um chá de bebê, como eu queria. Então, como trabalho com internet, optei por um chá de revelação online, através do Instagram. O pai e os avós da criança acompanharam em tempo real a descoberta do sexo

Lauryen Américo

"Passei dez dias de cama com Covid"

"Sou casada há dois anos e, há algum tempo, vinha tentando engravidar. No ano passado, o sonho se realizou, mas durou pouco: no mesmo dia que descobri sobre a gestação, tive um sangramento e, oito dias depois, sofri um aborto. Eu e meu marido continuamos com as tentativas, mas elas não davam certo. Em março, decidi que era o momento de procurar uma especialista em reprodução. Depois de alguns exames, ela me explicou que minha ovulação não era regular: em alguns meses acontecia antes do previsto, em outros, depois. Decidi que iniciaria um tratamento para fertilização, mas logo em seguida começou a quarentena. Por causa disso, fiz uma teleconsulta e tive que adiar os planos.

Decidi também excluir o aplicativo que me ajudava a entender o ciclo da menstruação: sempre que recebia o aviso de ovulação, eu queria porque queria transar, tinha que ser naquele dia. Ficava ansiosa, meu marido ficava nervoso, era complicado. Nós dois sabíamos que a situação era forçada, estranha. Depois de algumas semanas, senti um leve enjoo enquanto comia uma tapioca e, por coincidência, uma conhecida me avisou que estava grávida. Aquilo me acendeu um alerta: fiz o teste e logo em seguida uma surpresa para o meu marido, para contar que ele seria pai.

Sou dentista e preferi parar de trabalhar durante a pandemia. Quando estava na quarta semana de gestação, comecei a ter erupções cutâneas doloridas. Logo depois, perdi o paladar e soube que meu irmão tinha testado positivo para Covid. Eu e meu marido também fizemos o teste e descobrimos que estávamos com a doença. Passei dez dias de cama, com febre e fraqueza, tomando muito suco e vitamina, além das medicações receitadas. Depois de me recuperar, pensei que poderia estar imune ao vírus e voltei a atender. Mas quando ouvi sobre os casos de reinfecção, então deixei novamente a clínica. Agora, sigo na espera do meu pequeno".

Kassynara Cassiano, 32 anos, Maceió (AL), cirurgiã-dentista, grávida de Manoel

Eu e meu marido também fizemos o teste e descobrimos que estávamos com a doença. Passei dez dias de cama, com febre e fraqueza, tomando muito suco e vitamina, além das medicações receitadas

Kassynara Cassiano

Julia Rodrigues/UOL Julia Rodrigues/UOL

"Avisei no grupo da família: visita só se for de máscara"

"Sou casada desde 2017 e tenho uma filha de 2 anos. Eu e meu esposo desejávamos outro bebê, mas quando ficamos sabendo sobre a pandemia, decidimos esperar as coisas se acalmarem. Não imaginávamos que a quarentena se estenderia por um ano ou mais. Pouco tempo depois de tomarmos essa decisão, no entanto, descobrimos que eu já estava grávida. Quando soube da novidade, fiquei feliz e surpresa. Ao mesmo tempo tive medo porque, na primeira gestação havia sofrido com hiperêmese gravídica, ou seja, excesso de náuseas e vômitos — e sabia que o quadro poderia se repetir.

Infelizmente, estava certa. Durante os três primeiros meses, cheguei a vomitar mais de vinte vezes por dia. Não parava nem água no meu estômago: fiquei desidratada e com anemia. Nessa fase, já estávamos de quarentena, mas precisei contar com a ajuda da minha irmã para cuidar da casa, da minha filha e até de mim. Conforme os casos de Covid foram aumentando no país, comecei a ter um pouco mais de medo da doença. Não tanto por mim, mas pelas pessoas que amo. Depois de desenvolver alguns sintomas, meu marido precisou fazer o teste e ficar isolado de nós. Foi nosso momento de maior preocupação, porque estávamos no auge da primeira onda, com muitas pessoas morrendo. Só respirei aliviada quando o teste deu negativo.

Também nessa época deixei de ir a encontros familiares. Ao contrário da primeira gestação, não tive como organizar um chá de bebê. Mas, conforme as coisas foram flexibilizando, tornamos a nos encontrar, tomando as devidas precauções. Agora, com a aproximação do parto, planejo como serão as visitas ao recém-nascido, porque minha família é muito carinhosa e amorosa, mas sei que não é o momento para beijos e abraços. Já avisei no nosso grupo de Whatsapp e para alguns amigos: vamos intercalar as visitas entre as poucas pessoas que são da minha convivência diária e vou pedir a todos que venham de máscara, lavem as mãos e passem álcool em gel. Estou disposta a continuar mantendo todos os cuidados pelo bem do meu filho"

Stephane Freitas, 24 anos, Suzano (SP), maquiadora, grávida de Victor

Depois de desenvolver alguns sintomas, meu marido precisou fazer o teste e ficar isolado de nós. Foi nosso momento de maior preocupação, porque estávamos no auge da primeira onda, com muitas pessoas morrendo. Só respirei aliviada quando o teste deu negativo.

Stephane Freitas

"Estocamos comida e passamos dois meses sem ver ninguém"

Nasci em Niterói, mas atualmente moro em uma fazenda no município de Bocaina de Minas, em Minas Gerais. Mudei literalmente para o meio do mato porque sou bióloga e me dedico a uma ONG de pesquisa e conservação de aves. Não sou casada no papel, mas estou com meu marido, que trabalha comigo, há seis anos. Sempre quis ter filhos, mas, por questões ideológicas, pensava em adotar uma criança, não em engravidar. Acho que o mundo é populoso demais e que isso agrava os nossos problemas ambientais e sociais.

Continuo convicta disso, mas o passar dos anos me fez enxergar a possibilidade de uma gravidez com outros olhos. Já estava decidida a ter um filho quando o coronavírus chegou. Pensamos que seria algo rápido e decidimos adiar os planos. Mas bastou uma tentativa para acontecer: de repente, me vi grávida, no meio da pandemia. Como já morávamos isolados, manter esse padrão não foi um desafio tão grande. Só paramos de receber voluntários da ONG em casa, deixamos de ir à cidade mais próxima e de receber visitas.

Uma compra mais caprichada de mercado foi o suficiente para passarmos dois meses em completo isolamento. Porém, como vivemos em uma área de preservação ambiental, nunca ficamos enclausurados: podíamos passear pelas paisagens de natureza sem correr o risco de topar com ninguém. Fiz o acompanhamento do pré-natal em uma unidade básica de saúde da vila onde moro e optei por fazer os exames em um laboratório particular para não precisar me deslocar até o hospital mais perto, que fica a quatro horas de casa.

Porém, com a aproximação do parto, fui obrigada a vir para São Paulo. Meu desejo é ter um parto humanizado e, na maternidade em que estava previsto o nascimento da criança, não tínhamos garantia de que seria assim. Então, estou hospedada temporariamente na casa da minha irmã [Julia Rodrigues, a fotógrafa da reportagem] e optamos por fazer um parto domiciliar. Aqui, me sinto segura para isso, porque sei que se existir qualquer intercorrência, consigo chegar ao hospital mais próximo em, no máximo, meia hora. O desafio está sendo me adaptar à uma metrópole no contexto do corona: fazer home office com a casa dos vizinhos em obra e evitar aglomerações em uma cidade onde tudo é tão cheio".

Luiza Filgueira, 31 anos, Bocaina de Minas (MG), bióloga, grávida de Morena

Já estava decidida a ter um filho quando o coronavírus chegou. Pensamos que seria algo rápido e decidimos adiar os planos. Mas bastou uma tentativa para acontecer: de repente, me vi grávida, no meio da pandemia

Luiza Filgueira

Julia Rodrigues/UOL Julia Rodrigues/UOL

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