'Você é minha mãe, né?'

A história da influenciadora Gabi Oliveira, que aos 28 adotou, sozinha, dois filhos, de 9 e 4 anos

Mariana Gonzalez De Universa, em São Paulo Reprodução/Instagram

Imagina só: você é uma mulher solteira que mora sozinha e, de repente, vira mãe de dois filhos grandes. Aconteceu comigo e mudou totalmente a minha vida.

Em 2020, aos 28 anos, levei um susto no dia em que achei que estava grávida. Não estava, ainda bem, mas pensei: 'Se eu estivesse, daria conta de criar, amar, educar, alimentar'. Então entendi que poderia começar a estudar a possibilidade de ser mãe. Isso estava nos meus planos e me imaginava tendo filhos por volta dos 30 anos —mesma idade com que minha mãe me teve.

Não estava com uma pessoa fixa, com quem eu pensasse em dividir a responsabilidade de criar um filho, mas também nunca associei ser mãe com estar casada.

A pessoa pode ser muito boa num relacionamento, mas não necessariamente pensar da mesma forma que você sobre a criação de filhos. Além disso, a mulher pode não ser mãe solo, mas viver uma maternidade solitária, mesmo dividindo a casa com outra pessoa.

Fui até a Vara da Infância da minha cidade para entender como funcionava, dei meu nome e me inscreveram na reunião de novos pretendentes. Lá, explicaram todo o passo a passo do processo, e decidi que esse era o caminho que gostaria de seguir.

Processo

Conforme o processo foi andando, minha família, meus amigos, todo o mundo ficava muito ansioso. Fiz questão de explicar cada detalhe, responder às dúvidas deles, incluí-los no processo. Isso foi essencial porque sabia que ia precisar da minha rede de apoio mais do que nunca.

No primeiro momento, coloquei no pré-cadastro que poderia adotar até três irmãos, mas, durante a avaliação com a psicóloga e a assistente social, elas sugeriram que o ideal seria até dois. Acolhi isso porque elas têm mais experiência —e hoje vejo que elas estavam certas e que o ideal para mim, neste momento, são dois filhos.

No curso que fiz, falam muito sobre preencher os formulários de forma realista, sem uma falsa ideia de salvar o mundo, porque é uma decisão que a gente vai ter que sustentar pelo resto da vida. Um dos módulos, inclusive, era sobre letramento racial.

Ouvi algumas pessoas que colocaram ali que só aceitam crianças brancas porque não conseguiriam enxergar uma criança negra como filha delas, ou então porque sabiam que a família era extremamente racista. E acho melhor, sinceramente, porque isso pode cavar mais traumas na criança.

Aproximação

Fui habilitada para adotar e, três meses depois, pedi para ser adicionada ao grupo de busca ativa —um espaço onde tentam encontrar famílias para crianças "menos adotáveis", que são mais velhas, com deficiências e em grupos de irmãos.

Meu filho tem uma deficiência que a gente ainda está investigando, e isso colocava ele no grupo de crianças menos adotáveis. Além disso, na época, ele tinha 8 anos e uma irmã mais nova.

Quando vi o vídeo dele se apresentando, falei: "Caraca, é o meu filho".

Entrei em contato com a assistente social de onde eles moravam, e a gente marcou a primeira conversa por call. Passamos três meses fazendo essa aproximação por vídeo, já que eles moravam em outro estado.

Meu filho foi super receptivo e minha filha fez cara de: "o que está acontecendo?". Ela tinha 3 anos. Passou algumas conversas mais fechada, até que, na terceira ou quarta vez, deu um sorriso para mim. Fiquei tão feliz que mandei mensagem para a minha mãe: "Mãe, a Clara sorriu para mim".

Lá pela quinta chamada, a assistente social me contou que, antes de ligar a câmera, eles estavam brigando para saber de quem eu seria mãe. Quando me viu, ela falou: "Você é a minha mãe, né?", e ele: "Não, é minha".

Nesse início da aproximação, a gente não se apresenta como mãe, mas como uma pessoa que quer conhecer eles. Essa é uma forma de não criar muita esperança na criança. Mas a Clara chegou a essa conclusão sozinha, e os dois já começaram a disputar quem seria meu filho.

Foi a primeira vez que me chamaram de mãe. Fiquei chocada, sem reação. Mas depois, quando a gente se conheceu pessoalmente, não parou mais. Era só "mãe, mãe, mãe, mãe, mãe, mãe".

Chegada

Depois de meses de chamadas de vídeo, já não aguentava mais. Quando cheguei ao abrigo e a assistente social falou "pode levá-los", pensei: "Está bem, agora sou a mãe deles". Foi muito emocionante.

Fiz uma reunião de boas vindas com meus pais e algumas tias mais próximas, bolo, cartaz e tudo. Mas pegamos dois voos, eles nunca tinham andado de avião, e chegaram em casa muito cansados. E eu meio anestesiada, afinal, tinha viajado sozinha com duas crianças, cheia de malas, documentos. Nem sei como cheguei aqui.

O primeiro mês com eles foi bem desafiador. Eles estavam muito ansiosos, agitados, acordavam às 5h, tinham dificuldade para dormir, seguir uma nova rotina. Também não conseguiam passar muito tempo sentados, vendo um filme, por exemplo.

No começo, foi preciso muita paciência para entender que as crianças vinham com uma história que já existia antes de mim.

As mudanças de hábito acontecem de forma vagarosa. Hoje, com eles há mais de seis meses, percebo como é importante esse processo deles em relação ao apego familiar, que eles ficam mais confortáveis a cada dia, têm mais foco, mais concentração. Mas, repito, é um processo lento.

Mitos

Existe um véu sobre o tema adoção.

Normalmente, as pessoas revelam que se concretizou, mas não falam do processo anterior à chegada das crianças, ou da adaptação delas, como foi, quanto tempo demorou. E as pessoas ainda têm muitas dúvidas sobre isso. Pensei muito se eu falaria ou não sobre o assunto, mas, quando decidi falar, meu primeiro objetivo era compartilhar minha história como algo informativo.

Eu não era a única mãe solo nesse processo. Na minha turma de pretendentes tinham famílias com várias configurações: outras mães solos, casais homoafetivos, pessoas de diferentes situações econômicas. Muita gente não sabe, mas você não precisa ter dinheiro e nem casa própria para adotar; basta demonstrar que tem condições de alimentar, dar uma cama e que está comprometido com o bem-estar da criança.

Uma vez, postei uma samambaia minha que tinha morrido, e uma pessoa comentou: "Essa samambaia morreu por falta de água, será que você está preparada para ter filhos?". Agora estou rindo ao me recordar disso, mas a pessoa estava falando sério. O que tem a ver uma coisa com a outra?

Todas as mães recebem muitas críticas nas redes sociais. No meu caso, como são crianças planejadas, que eu esperei muito, as pessoas achavam que eu ia mostrar só coisas lindas e como estava feliz, saltitante. Só que a vida não é assim. Como em qualquer relacionamento, tem coisas boas e coisas que não são tão boas. Na maternidade também. Sentir cansaço e exaustão não é bom, e a gente pode reclamar de tudo isso. O que não significa que não ame meus filhos ou que eu tenha me arrependido.

Também faço questão de dissociar adoção da ideia de caridade. Eu não sou uma alma bondosa, iluminada, e não são as crianças que têm sorte pelo nosso encontro.

Eu que tenho muita sorte por tê-las encontrado. Meus filhos não me devem nada, assim como nenhum filho tem que dever nada aos pais. A gente se escolheu.

Família

No primeiro mês, nada do que eu planejava dava certo.

Como mãe de primeira viagem, eu marcava um médico de manhã e outro à tarde e achava que ia dar tempo de almoçar em casa entre as duas consultas, tranquilo. Mas uma consulta médica com uma criança não é a mesma coisa do que com um adulto. Demora mais, meu filho relutou a fazer o exame de vista, passamos horas no consultório. Tive que me ajustar a essa ideia de que, com eles, é outro tempo, outra lógica.

Planejei passar 20 dias sem trabalhar, mas 45 dias depois da chegada deles eu ainda estava tentando voltar. Foi um período em que precisei baixar a bola, entender do que eu dava conta.

Esse reajuste de expectativas —não em relação às crianças, mas em relação à nossa rotina juntos— foi sofrido.

Ainda estamos na construção do nosso relacionamento, mas avançando muito. Definitivamente, somos uma família. Temos vínculo entre a gente e com o restante dos familiares. Minha mãe, por exemplo, é o amor da vida deles. Também pedem para ligar para as tias, pedem para o avô visitar, adoram meus amigos.

Às vezes, eu ainda olho para as crianças e penso: "Caraca, eu realmente tenho dois filhos".

Mas minhas amigas que são mães falam que esse sentimento é comum e que dura bastante tempo. Eles foram muito planejados, sonhados, e ver a nossa vida se estruturando é algo que me faz muito feliz e muito realizada.

Respeito o passado deles e respeito o futuro deles, mas sou muito de pensar no presente, me importo muito mais com o que estamos construindo agora. Claro que tudo que eles já viveram e vivem tem reflexos no futuro, mas estou focada no que posso fazer de melhor para os dois, como buscar as melhores ferramentas para a educação e a saúde deles, uma boa escola, acompanhamento psicológico.

No mais, só quero que eles tenham plena convicção no meu amor por ambos e que tenham senso de justiça social, que sejam atentos à sociedade em volta deles.

Hoje, Gabi tem a tutela de Mário, de 9 anos, e Clara, de 4, que são irmãos biológicos, mas eles ainda estão sob poder do Estado, já que o processo de pedido de adoção não foi finalizado totalmente. Por isso, ela não pode expor a imagem das crianças e nem informações mais específicas sobre elas. Ela aguarda que os dois sejam destituídos do poder familiar para que, então, receba a guarda definitiva dos dois, que já considera filhos.

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