Histórias que a pele conta

Elisa Soupin e Lucas Seixas, colaboração para Universa, do Rio

"O que você vai fazer com tantas tatuagens quando ficar velha?". Se você é uma mulher tatuada, são grandes as chances de já ter ouvido essa pergunta. E a resposta é simples: você irá envelhecer como todas as pessoas, só que será tatuada. A ideia de que "tattoo fica feia na velhice" é carregada de preconceito, e é, sobretudo, mentirosa.

"É preciso caprichar no filtro solar sempre, não só no na praia e na piscina, porque a exposição ao sol desbota os pigmentos de cor na derme. Na hora de hidratar, loções e cremes à base de água são os que menos afetam os desenhos", diz a dermatologista Juliana Piquet.

Para mulheres mais velhas que decidem se tatuar, algumas medidas podem garantir um resultado ainda melhor. "Após o procedimento, dependendo da idade, a cicatrização pode ser mais lenta. Então, vale aplicar cicatrizantes e protetores de barreira", ensina.

Universa conversou com mulheres com mais de 60 anos, tatuadíssimas. Aqui, Áurea, Katia, Yone, Eva e Catia contam como cada desenho na pele revela muito de suas histórias.

Yone tatua o nome das pessoas que ama. Nunca o das namoradas

"Já ouvi de uma pessoa em situação de rua para quem neguei dinheiro: 'Pô, velha, sapatão e ainda por cima tatuada...', conta a carioca Yone Lindgren, 64 anos, 42 deles dedicados ao ativismo pelos direitos da população LGBTQIA+. "Fiz a minha primeira tattoo aos 15 anos. Hoje ela é um borrão. Mas está ali, contando minha história."

Yone tem o nome de várias pessoas tatuadas pelo corpo. Primo, irmãs, madrinha, seus filhos, familiares, cachorros "Gosto de carregar as pessoas que amo comigo", ela explica. "Só nunca coloquei nome de namorada, para não ter que apagar se o romance dá errado", brinca.

Yone diz que já sofreu mais preconceito pelas tatuagens do que por ser lésbica. "Tive dificuldade para conseguir emprego e pegavam muito no pé com isso. Como não podiam dizer 'não vamos te dar emprego porque você é sapatão', pegavam na questão da tatuagem."

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Catharina: a tatuada do The Voice +

A cantora baiana Áurea Catharina, 69, chamou a atenção em sua participação no programa The Voice +, da Globo. Não só pela voz, mas também pelo visual: cabelos coloridos e várias tatuagens no peito. "Fiz a primeira com a minha mãe, que sempre foi minha melhor amiga. Em 2005, ela morreu, aos 81. Fiquei sem chão", conta Áurea. "Desde então venho tatuando os desenhos animados que ela gostava", conta.

Gente querendo se meter não faltou. "Falavam: 'Tem certeza que vai tatuar? Você está velha, daqui a pouco vai cair tudo!'. Mas eu não acho que a gente tem que ficar presa ao que pode acontecer, senão você não vive o agora."

O visual de Áurea, por diversas vezes, já ficou em seu caminho. "Eu tenho o sonho de cantar em navio. Há 5 anos, participei de uma seleção e recebi a resposta de que a minha voz era maravilhosa, mas que meu visual destoava", recorda. "Fiquei muito mal, arrasada..."

Mas Áurea, que impressionou os jurados do The Voice + cantando um hit de Anitta, não desistiu de seu sonho. "Eu ainda vou cantar em navio!"

Katia livre

A astróloga Katia Antunes, 65, descobriu há 15 o prazer de se tatuar. "Eu era muito careta. Fui mãe cedo, meu ex-marido também era uma pessoa muito formal", conta.

Ela diz que começou a sentir preconceito estético antes das tatuagens - quando decidiu que não iria mais pintar os cabelos e assumir o grisalho. Com os desenhos na pele, veio outra camada de julgamento. "Quanto mais nobre o lugar que vou, mais recebo olhares tortos, uma coisa meio velada"

Kátia tem tatuado símbolos religiosos e várias frases. A sua preferida: "Lula Livre", que fica no braço esquerdo. "Essa é a que mais gera reações na rua, muita gente comenta".

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A astróloga diz que, para ela, a vida começou aos 50. "Foi quando perdi minha mãe. Ela tinha quase 90 e aí eu me dei conta de que poderia não viver tanto tempo. ", diz ela. "A vida é agora. Quero fazer ainda mais tatuagens e realizar muitos sonhos."

Eva: primeira tattoo é desenho da neta

Eva dos Santos, 72, fez a primeira tattoo em 2019. "Minha neta desenhou o rostinho dela e eu gostei tanto que resolvi tatuar". O marido não gostou muito da ideia. "Ele tem uma cabeça de quem nasceu em 1.800", brinca.

A filha foi sua grande inspiração. "Ela muitas tatuagens e sempre quer fazer mais uma. Hoje entendo porque: depois da primeira, a gente realmente se empolga."

Ela conta, que, quando o número de tatuagens foi aumentando, até os vizinhos estranharam. "Um deles me perguntou: 'Dona Eva, o que é isso? Está maluca?'. Respondi: 'Sim, estou. E vou ficar mais!'"

Apesar do comentário pouco afetuoso, Eva acredita que sua autoestima mudou completamente. "Comecei a me observar e observar as pessoas. Claro que tem muita crítica, mas adoro quando me dizem: 'Que corajosa!'"

Catia: game trouxe um amor e mais tattoos

Catia Bengaly completa 60 anos no próximo mês. Além de enfermeira, sua profissão, ela se descreve como gamer. A paixão pelos jogos começou após a aposentadoria, quando ela passou a prestar mais atenção em um game que a filha gostava. "Neles todos os avatares tinham tatuagens. Daí veio minha vontade de fazer", diz ela, que começou com uma borboleta aos 45.

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Foi no universo gamer que Catia encontrou também um amor. "Meu marido tem 33 anos e a gente se conheceu jogando, quando ele tinha 19. Sofri muito preconceito por causa da nossa diferença de idade. Percebi que as pessoas vão julgar sempre, não importa o quê", recorda. "Então, resolvi fazer tudo o que queria: me tatuar mais, fazer piercing, pintar o cabelo...".

Para os preconceituosos, ela deixa um recado. "Jovens usam a palavra 'velho' como se fosse uma ofensa. Na visão deles, a velhice é algo muito distante. E não é. A vida passa rapidinho", pondera Catia. "É preciso ter cuidado para não envelhecer a mente", diz ela, que tem numerosas flores e borboletas pelo corpo.

Publicado em 6 de fevereiro de 2021.

Edição: Dolores Orosco

Reportagem: Elisa Soupin

Edição de Imagem: Lucas Lima

Retratos: Lucas Seixas (Áurea, Yone, Catia, Eva e Katia) e Divulgação/TV Globo (Catharina)