Nascida em Taiwan há 47 anos, a médica se mudou ainda menina para o Brasil com a família em 1983. "Na época a China estava ameaçando invadir meu país. Por causa da política do filho único, minha mãe, que já tinha quatro filhas, teve muito medo. Então meu pai pediu visto para três países: Estados Unidos, Costa Rica e Brasil. O do Brasil saiu primeiro", conta. Aqui nasceu seu quarto irmão e seu pai, que é acupunturista e pratica medicina chinesa, montou um consultório.
Ho começou pelos passos dele. Na faculdade, cursada na Universidade de São Paulo, foi a primeira presidente da Liga de Acupuntura. "Meu plano era terminar a residência e ir para a China, continuar minha formação, mas, na época, no ano 2000, prestei concurso e fui admitida aqui no HC. Então fiquei", conta.
Em 2007, a médica assumiu o cargo que ocupa hoje, de coordenadora da UTI que é referência estadual para casos de tuberculose, HIV, tétano ou pacientes transplantados que acabam contraindo algum tipo de infecção, além de gripe e febre amarela. Foram essas duas doenças, aliás, que, antes da Covid, colocaram Ho Yeh Li no centro de importantes crises em saúde.
Na pandemia de H1N1, em 2009, a infectologista viveu uma situação semelhante à atual. "Com a explosão de casos, tivemos que aumentar nossa capacidade de seis para 18 leitos. Por sorte, o HC já estava contratando pessoas, mas eu cheguei a ficar 72 horas direto dentro do hospital, porque os doentes chegavam, mas as contratações e o treinamento não estavam completos", diz.
Anos mais tarde, em 2018, veio um novo desafio: o surto de febre amarela no país. "Eu já tinha vinte anos de carreira e, até então, tinha visto só três pessoas com a doença", conta.
Para piorar, os casos eram todos muito graves. "Fiquei preocupada se a equipe ia aguentar. A maior parte das pessoas que iam para internação eram homens, jovens e saudáveis. Eles chegavam falando com a gente e, no dia seguinte, já estavam sonolentos, iam para a ventilação mecânica e, no outro dia, morriam. Tinha dias que eu mesma abria a porta da UTI e minha vontade era virar para trás e fugir."
Mas Ho ficou. Montou um grupo com outros quatro colegas do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, que viviam crise semelhante, e passou a discutir, todos os dias, às 23h, os casos mais graves. "A ideia era achar meios mais baratos, com boa resposta e que não só evitassem o óbito, mas garantissem qualidade de vida aos sobreviventes"
Assim o grupo montou um novo protocolo. Com as novas estratégias, o número de mortes por febre amarela no HC caiu de 63%, em 2018, para 13%, no ano seguinte. As práticas vêm sendo compartilhadas com outros centros que atendem focos da doença, como o Hospital Nereu Ramos de Florianópolis (SC), onde Ho esteve em janeiro, dias antes de resgatar os brasileiros na China. "Desde então, não houve nenhuma morte por febre amarela lá. Passamos muito stress, mas conseguimos disseminar conhecimento. Isso é excelente."