O valor da minha voz

Jade Picon relembra casos de assédio desde que tinha 7 anos: 'Tive medo, mas é claro que a culpa não é minha'

Jade Picon em depoimento a Luciana Bugni

Fui assediada em Londres quando tinha 15 anos. Eu senti que algo estava errado quando vi o homem: estava entrando no elevador com duas amigas e pensei que não deveria entrar ali, mas fui, mesmo assim.

Esperei que ele apertasse o andar dele para então apertar o meu, que era mais abaixo e ter tempo de correr. Não deu tempo porque ali dentro ele passou a mão em mim e nas minhas amigas.

Pensei muito rápido, tentei sair correndo e puxei as duas quando a porta abriu no meu andar. Em cada um dos pisos do prédio, havia uma porta de vidro antes dos quartos. Eu tranquei essa porta rapidamente e em segundos ele apareceu ali - deve ter descido correndo pela escada.

Foi um susto muito grande, mas deu tempo de trancar a porta e não aconteceu algo pior. Não tinha quem ouvisse gritos ali, então foi o pensamento lógico que nos salvou. Chamamos a polícia e, mesmo assim, nos outros dias em que estive ali, tive muito medo.

Não foi o primeiro episódio de assédio de minha vida e nem o último. Quando era criança, com uns 7 anos, tinha vivido algo parecido e não fiz nada a respeito, nem contei para ninguém.

Eu não sabia o que fazer, tinha vergonha e deixei passar.

Na segunda vez, já agi diferente. Tinha cerca de 12 anos e pegava carona para ir à escola. A pessoa que sentava ao meu lado me assediava todos os dias, passava a mão na minha coxa no carro.

Em todas essas situações, a sensação é de paralisia. O corpo fica frio, a gente não acredita que está acontecendo. Mas como era diariamente, comecei a contestar.

Comentei com pessoas que não acreditaram em mim e percebi que não ia conseguir sair na situação se não fosse por mim mesma. Peguei a mochila e coloquei com força no espaço entre eu e ele. Em casa, com muito ódio, contei para os meus pais o que tinha acontecido e disse que não pegaria aquela carona de novo.

Acho que a virada de chave foi esse episódio. Quando o cara no elevador, em Londres, passou a mão em mim, eu já sabia na hora que aquilo era inadmissível e que deveria reagir.

Passei de sentir vergonha e de não saber o que fazer para sentir muita raiva. E a raiva protege a gente.

Vendo tudo o que passei, hoje penso que a tolerância tem que ser zero. Se tocam um fio de cabelo meu, eu já sei na hora que não pode ser justificado.

Sou desrespeitada de muitas maneiras, mas hoje sei que combater o machismo é não se desalinhar com o que você acha que é certo. Tive que fazer um movimento de me apropriar da minha própria história e do meu próprio corpo.

Eu só quero trabalhar e alcançar os meus sonhos e me posiciono, não dou espaço para ser questionada, por exemplo, como uma mulher solteira. Se eu tenho um amigo já é tido como um caso amoroso. Mas não vou perder amizades ou deixar de aparecer publicamente com eles.

Um dos jeitos de combater o machismo é não se desalinhar daquilo em que você acredita.

A situação de assédio e machismo é uma realidade para todas as mulheres. Eu vou tomando pequenas atitudes para evitar o risco. Mas mesmo tomando cuidado, não é você que se coloca nessa situação.

Ninguém pede para ser assediada. As vivências que passei de assédio fizeram que eu ficasse mais atenta.

Eu senti que não devia entrar no elevador naquele dia. Se eu não tivesse entrado, não seria assediada. Mas eu precisava entrar e não pedi para ser assediada. É claro que a culpa não é minha.

Eu tenho localização compartilhada com meus pais, com minhas amigas. Eu entro sempre em carro de aplicativo sentando atrás do motorista, para não ficar na diagonal, porque já passei por situações de homens estarem dirigindo e me olhando de maneira incômoda.

É cansativo estar sempre alerta, mas prefiro ficar atenta do que traumatizada.

Cresci achando que minha voz não tinha valor, por crescer em sociedade machista estrutural. Hoje, é gostoso falar que minha voz tem valor pra mim.

Foi uma jornada descobrir que posso falar com firmeza e autoridade sobre o que sinto, o que sei, o que acredito. Liberdade é poder. Não me importo com o que os outros falam, quero melhorar e aprender.

Tenho que estar à frente, ser forte, me ouvir, mas tenho também que ter humildade e pés no chão para saber o que vai me ajudar.

A vida me cobrou um amadurecimento precoce e em muitas conversas eu não dava minha opinião por achar que não devia, mas com o tempo aprendi a ter posicionamento, mudar minha relação com o medo, falar sobre o que eu sinto.

Os nossos maiores feitos serão realizados morrendo de medo.

Hoje sei que sou capaz, tenho coragem e vou fazer. Eu não nasci destemida, não. Tinha muito medo de errar. Isso não só em situações de assédio e, sim, em muitas áreas.

A melhor parte de ser uma comunicadora e influenciar é compartilhar essas experiências, como eu tive mulheres que me empoderaram quando eu era adolescente. Eu falo não só com mais jovens, mas também com mulheres mais velhas que eu que me admiram e me ouvem.

Também ganhei essa força de mulheres fortes na família que sempre foram meu apoio. A minha família é tudo para meu crescimento. Sou realizada, feliz, independente, grata, determinada, mas para estar onde estou tem um fator inicial que é minha família.

Meu pai é exemplo de disciplina, determinação, trabalho. Ele é meu herói. Minha mãe é maternal, amor infinito, parou a vida para cuidar de mim e do meu irmão.

Meus pais se separaram quando eu era nova e isso me aproximou muito de meu irmão. É a pessoa que mais amo no mundo e temos uma conexão surreal. Foi ele que criou meu Instagram e todo o caminho que percorri devo a ele. É meu maior aliado.

Mas, como toda mulher, eu não sei como é andar sem medo na rua.

É como eu disse no Big Brother: mulheres empoderadas assustam. Sou uma mulher de 22 anos que trabalha e que não deve nada a ninguém.

Precisamos ser livres, fortes e entendi que existem coisas na vida que só a gente pode fazer por si mesma. É bom ter empatia por mim e saber que devo me posicionar e me proteger.

Nada pode ficar acima da minha paz e bem-estar. Essa é a minha meta, esses são os combinados que faço comigo mesma.

Mesmo as críticas no começo da novela foram importantes para entender que eu tinha que me aprimorar. Eu sabia que não tinha ideia de como fazer aquilo mas tinha noção de que podia aprender. E estava disposta a encarar o que fosse preciso.

É lógico que foi difícil, que fui dormir chorando. Mas não poderia chorar por nove meses.

Esse processo levou tempo e precisei ter a paciência comigo mesma por que estava aprendendo a atuar na frente do Brasil todo.

Sei que todo o esforço valeu a pena na reta final da novela, não só porque a crítica parou de achar ruim, mas porque eu assisti as cenas e sei que realmente estava bom.

É um grande aprendizado: acreditar em mim quando poucas pessoas acreditavam.

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