O que você me ensina

Lore Improta conta como despertou para o racismo após nascimento de Liz, sua filha com o cantor Léo Santana

Lore Improta, em depoimento a Rute Pina Lorena Vinturini/UOL

Há pouco mais de um ano, entrei em minha conta no Instagram e perguntei às minhas seguidoras o que deveria fazer para que o cabelo de Liz, minha filha, não ficasse para cima. Aquela mensagem, direcionada às mães, mudou tudo para mim e minha família.

Sou uma mulher branca de 29 anos, mãe de uma menina negra de 2. Liz tem o cabelo cacheado, diferente do meu, que é liso. Até ela nascer, nunca tinha precisado lidar com o cabelo cacheado ou crespo. Por isso eu escrevi aquela mensagem.

Sem que fosse minha intenção, machuquei muitas pessoas dentre as cerca de 15 milhões que me seguem no Instagram. Falei do cabelo da Liz de forma indevida, reconheço. No meu íntimo, sei que eu não estava querendo causar dor a ninguém, muito menos a minha filha. Mas a realidade é que feri muitas mulheres pretas que me acompanham nas redes.

Quando percebi a proporção que meu comentário tomou, apaguei a publicação. Mas recebi muitas mensagens. A maioria era de apoio. Pessoas que me seguem há tempos entenderam que não havia maldade na minha fala e me chamaram para conversar. Queriam, no fundo, me ajudar, me orientar em relação ao assunto.

Mas também recebi mensagens violentas. O que mais me machucou foi ler comentários agredindo a Liz, fazendo comentários racistas. Fiquei agoniada, sem reação. Me feriu muito como mãe. Eu realmente não sabia o que responder. Então entendi que, sendo mãe de uma menina negra, eu precisaria mais do que nunca de informação.

Não tenho vergonha de reconhecer a minha ignorância. Passei a compreender, por exemplo, o quanto essa questão do cabelo mexe com muitas mulheres. Eu não sabia disso. Entendi que precisava adquirir consciência racial, algo que eu simplesmente não tinha.

Da bolha ao incômodo

Quando comecei a namorar Léo, um homem preto, eu o via de igual para igual. Nasci em Salvador, a cidade mais negra do país, mas eu vivia em uma bolha. Não tive uma educação antirracista. Eu sabia que existia o racismo, mas estava em uma posição confortável, não precisava pensar sobre isso. Nunca tinha me atentado que precisava estudar sobre raça.

Às vezes, eu até tentava puxar uma discussão sobre questões raciais com ele, com minha sogra e cunhadas. Mas eles nunca se aprofundavam nessas questões, eram aspectos pontuais. Também sempre ouvi que, por ser uma mulher branca, eu não teria lugar de fala neste tema. Então ficava nesse lugar confortável.

Grávida, eu me pegava pensando se minha filha seria branca ou preta. E minha assessora pessoal, que é uma mulher preta, me disse que, independentemente do tom de pele da Liz, ela teria uma família preta. Mas, sendo bem honesta, eu não estava preparada para isso.

Quando ela nasceu, um médico entrou no quarto do hospital para fazer uma ficha e perguntou como eu declarava racialmente minha filha, qual era a cor de pele dela. Eu estava sozinha naquele momento e travei. Fiquei perdida. Ela nasceu com pele clara, mas era fruto de uma relação interracial. Lembro de dizer "acho que ela é parda", mas fiquei com muitos questionamentos naquele momento. Eu nem sequer sabia que a palavra colorismo existia.

Do incômodo ao letramento

As reações à minha publicação sobre o cabelo de Liz me fizeram aprender muito. Mas também foi um momento de dor e incômodo. Logo depois do ocorrido, decidi começar as aulas de letramento racial. São encontros semanais baseados nas minhas dúvidas e vivências.

Minha professora é Anita Machado, advogada maranhense que tem um instituto chamado "Da Cor Ao Caso", que faz esse trabalho sobre conscientização para o racismo.

Essas aulas eram direcionadas a organizações e empresas para debater a inclusão de pessoas pretas no mercado de trabalho. Mas uma amiga minha pediu a ela que me desse algumas aulas, e ela topou.

Até então, sempre havia escutado que, como branca, eu não tinha lugar de fala para tratar de racismo. Mas a Anita me fez entender que não é bem assim. Por mais que uma pessoa branca tenha consciência racial, ela vai ter atitudes racistas, pois o racismo é estrutural. Entendi que deveria começar a ter atitudes antirracistas. O que posso fazer para ajudar minha filha? Como posso empoderar Liz?

Obviamente, sei que não vou conseguir blindá-la de tudo o que pode acontecer com ela quando for para a escola e conhecer outras pessoas. Mas quero estar preparada para minimizar a dor que ela pode vir a sentir com o preconceito.

Nas aulas, refletimos sobre situações do meu cotidiano. Já na primeira aula conversamos a respeito do episódio da publicação sobre o cabelo de Liz. A cada semana também lemos autoras importantes para o feminismo negro, como Cida Bento, de "O Pacto da Branquitude", e Djamila Ribeiro, que escreveu "Pequeno Manual Antirracista".

Hoje converso muito com o Léo sobre tudo isso. Quando tem agenda, ele participa de algumas aulas comigo.

Do letramento à prática

Precisei do nascimento da minha filha, mesmo tendo um marido preto, para despertar sobre o racismo. Hoje, tento sempre empoderar Liz. Falo como ela é linda, compro livros com personagens com os quais ela consiga se identificar, apresento filmes e desenhos em que ela possa se enxergar.

Sei que ainda tenho muito para aprender, mas estou motivada a trazer essa discussão para dentro de casa e influenciar as pessoas que me seguem.

Comecei a fazer lives com a professora Anita Machado e outros convidados para falar sobre os temas que venho estudando. Quero levar essa informação para as milhares de pessoas que me acompanham nas redes sociais. Estou tentando influenciar positivamente.

Tenho publicado sobre o que aprendo. Muitas pessoas estão do meu lado, mas também há quem diga que não tenho lugar de fala, que sou uma mulher branca querendo me apropriar do tema. Hoje, entendo minha posição e me sinto mais segura em relação à educação da minha filha. Entendo que a frase "somos todos iguais" é uma mentira. Quem tem que falar sobre o racismo é também o branco. Esse é o lugar onde me posiciono na luta antirracista.

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