Pensaram que eu fosse morrer

Lu Alckmin relembra a morte do filho Thomaz e diz que ele estaria feliz com união do pai ao PT

Luiza Souto De Universa, no Rio de Janeiro Marcus Steinmeyer/UOL

No domingo (30) à noite, quando chegamos em casa após comemorar a vitória nas eleições presidenciais, fui servir um lanche para mim e para o Geraldo [Alckmin]. Estávamos exaustos, mas felizes. Sentamos juntos e peguei meu celular. Apareceu um daqueles vídeos com compilados de fotos feitos automaticamente pelo iPhone. Nas imagens, vi meus três filhos: Thomaz, Sofia e Geraldo Neto escorregando no gramado do Palácio dos Bandeirantes [edifício-sede do governo do Estado de São Paulo e residência oficial do governador].

Assim que eu olhei para essas imagens, comecei a chorar e mostrei ao Geraldo. Nós ficamos muito emocionados. Senti como se o Thomaz estivesse avisando que ainda estava presente na nossa história.

A última vez que vi meu filho mais novo foi no dia 1º de abril de 2015, uma quarta-feira. Ele morreria no dia seguinte. Eu estava em um evento, mas, em vez de ir para a minha casa, fui para a dele. Quando cheguei, ele estava só. Minha nora tinha ido levar a Julinha, minha neta, com pouco mais de um mês de vida, ao pediatra. E de lá iria jantar na casa da mãe dela. Quase fui embora, mas o Thomaz pediu para eu ficar um pouquinho. Conversamos, ele mostrou os três vasos de plantas que tinha acabado de comprar. Hoje, mantenho todos eles aqui no terraço da minha casa, com ráfias.

Ele estava muito feliz, cheio de planos e com uma bebê muito pequenininha. Quatro dias depois, seria seu aniversário de 32 anos. Eu combinei que iria fazer um bolo para os mais chegados. Ele não gostava de festa grande, mas adorava a família reunida, algo mais íntimo.

No dia seguinte, fui a Campos do Jordão para encontrar o Geraldo. Ele estava em outro compromisso e seguiria para lá. Estava uma tarde linda, com sol. Mas me lembro de ter reparado que a terra estava escura. Feia mesmo, sabe? Não entendi aquilo.

Quando cheguei lá, a Tatá, minha nora, me ligou dizendo que não estava conseguindo falar com o Thomaz. Tentei tranquilizá-la. Ela comentou que tinha caído um helicóptero, mas eu disse que o Thomaz tinha me falado que o helicóptero que ele costumava pilotar estava em manutenção [laudo feito nos destroços apontou problema nas pás, mas a aeronave havia sido liberada para uso naquele dia].

Nisso o Geraldo me liga e fala: "Lu, venha embora para São Paulo". Na hora, percebi. Perguntei: "O que aconteceu com o Thomaz? Ele se machucou?". Ele apenas repetiu: "Venha para São Paulo".

Thomaz estava entre os cinco mortos na queda de um helicóptero em Carapicuíba, região metropolitana de SP. Ele faleceu dia 2 de abril de 2015, aos 31 anos.

'A mãe sempre sabe'

Fui de Campos do Jordão até São Paulo rezando. Lembro que estava uma noite linda e tinha só uma estrela no céu. Aí eu olhava e falava: "Thomaz, é você que está aí?". Fui rezando e pedindo a Deus para que eu soubesse superar essa perda, mesmo que ninguém ainda tivesse me dito que ele tinha falecido. Mas eu sabia. Acho que a mãe sempre sabe.

Na hora em que eu cheguei, o Geraldo estava esperando na garagem. A Sophia e o Geraldo Neto [os outros dois filhos do casal] ficaram no andar de cima da casa, porque eles não tinham coragem de me enfrentar.

Os três pensaram que eu fosse morrer. Mas fui eu que dei força a eles.

No dia seguinte, pedi à minha equipe um mês afastada do trabalho social, algo que eu sempre fiz com muito amor e que aprendi com minha mãe.

Eu amava muito a minha mãe e lembro que, quando ela morreu, meus filhos eram pequenininhos, eu passei um ano mal. Tinha febre à noite. No momento em que soube do Thomaz, pensei: "Não posso repetir o que eu fiz".

Thomaz estava vivo quando fiquei chorando por causa da minha mãe. Eu não queria repetir aquela atitude enquanto eu tinha outros filhos, meu marido e meus netos. Eu precisava entender que Deus o havia chamado, que era o momento dele.

Então, enquanto rezava na vinda para São Paulo, pensei: "Eu vou ser forte, vou aceitar e vou levar a vida".

E não é aceitar sofrendo, mas aceitar agradecendo a Deus por ter me dado a oportunidade de ter convivido com ele 32 anos ao meu lado. Agradecer a Deus pelos outros filhos, pelos netos, pelo Geraldo.

Realmente não tive nada. Não fiquei doente. Eu me emociono, choro e tenho saudade dele. Mas só penso nas coisas gostosas, na gente rindo, conversando. Não me deixo pensar em coisa triste.

'Gravidez foi uma surpresa'

Não existe um amor maior do que o que a gente tem pelos filhos e pelos netos. Eu sempre quis ser mãe. Tive três filhos e hoje tenho sete netos, que são a continuidade deles.

Nas minhas três gestações, eu não acreditava que seria mãe. Falava: "Meu Deus, eu vou ter um filho, vai nascer uma criança de mim". Quando a Sophia nasceu, era a coisinha mais linda desse mundo, a minha paixão. Depois vieram o Geraldo Neto e o Thomaz. O amor pelos três sempre foi igual. E eles sempre foram muito unidos.

A gravidez do Thomaz foi uma surpresa. Tive a Sophia em janeiro de 1980 e, no ano seguinte, já tive o Geraldo. Eu estava amamentando ainda. Queria parto normal, mas não tive dilatação, e os dois precisaram nascer de cesariana. A Sophia quase teve sofrimento fetal.

Depois dos dois, o médico disse que eu não poderia engravidar mais, porque havia tido um bebê atrás do outro e não me faria bem. Mas aí engravidei do Thomaz. O Geraldo nasceu em setembro de 1981, e o Thomaz veio em abril de 1983. Foi sem querer, mas eu acho que sou como a minha mãe, que teve 11 filhos: engravidava fácil.

Quando o Thomaz nasceu, eu passei muito mal porque eu tive uma espécie de pré-eclâmpsia, e ele nasceu muito grande. Após o parto, que foi muito difícil, por orientação médica decidi amarrar minhas trompas. Já não podia mais ter filhos. mas agradeço a Deus pelos três.

'Tenho sido feliz. Apesar de tudo'

O Thomaz era muito inteligente, mas, ao contrário da Sophia e do Geraldo, que faziam a lição tranquilamente, eu tinha que estar sempre junto dele. Ele era muito rápido, superativo, então entendia a lição e queria avançar. E isso atrapalhava um pouco.

Mas era de um amor, de uma sensibilidade... E adorava fazer trabalho social, como eu. Muitas vezes, ele me acompanhava. Tínhamos muita afinidade. Acho que ele foi o filho que pegou mais o meu gênio. Chegava, ia na cozinha, abraçava as cozinheiras, era muito amigo do motorista. Já a Sophia e o Geraldo não são tão expansivos como ele era.

Quando me lembro alguma coisa do dia da morte, já mudo. Falo: "Thomaz, você está aí juntinho de Deus, vou fazer as coisas que eu tenho que fazer".

Temos que ter o domínio sobre nós mesmos. Eu sou assim. Eu tenho vivido e tenho sido feliz, apesar de tudo.

A relação com meus filhos e meu marido seguiu perfeita, do mesmo jeito que era antes. E falo muito com as minhas netas, filhas do Thomaz.

A Isabela está com 18 anos. É uma moça linda. O Thomaz não se casou com a mãe dela, que era namorada, mas até os sete anos de idade, a Isabela ficava muito comigo. Eu praticamente a criei e ensinei muitas coisas. Ela ama ler, como eu, escreve com perfeição. Atualmente, mora na Noruega, mas me liga toda hora.

A Julia tem sete anos. Nasceu no dia 23 de fevereiro, e o Thomaz faleceu dia 2 de abril. Então, ela nem conheceu o pai.

Ela é uma gracinha. Sempre marco um dia para ficar com ela. Nessas ocasiões, até desligo o celular. A gente faz roupinha de boneca, assiste a filmes, eu faço pão de queijo, me dedico totalmente a ela.

Procuro deixá-la perguntar por ele. Ela vê a fotografia dele, mas não fala nada. Julia ainda precisa do tempo dela, e eu respeito. Fiz um álbum que tem tudo sobre o Thomaz e que um dia eu vou dar a ela. O álbum é das duas, mas a Isabela conviveu muito com ele. A Julinha precisa conhecer a história do pai. Está guardado para quando ela estiver pronta.

'A maneira de eu fazer o Thomaz viver é trabalhando'

O profissional também foi determinante para que eu superasse tudo isso. Faço trabalho social por amor, por querer. Várias vezes sugeriram que eu fosse candidata a algo, mas falei que não quero isso. Eu sou voluntária e serei sempre, se Deus quiser, ao lado do Geraldo, que é meu companheiro há mais de 43 anos. É o que eu gosto de fazer.

Nunca pensei que um dia eu perderia meu filho, mas tenho certeza absoluta de que Deus me preparou, de que tudo o que eu fiz nestes anos de dedicação voltou com a oração de cada uma daquelas pessoas a quem um dia eu tive a oportunidade de ajudar. Elas rezaram muito por mim, sentiram a minha dor. Eu tenho seis livros bem grossos com cartinhas coladas, de pessoas dizendo: "Estamos rezando por você", "Seu filho está com Deus".

A maneira de eu fazer o Thomaz viver é trabalhando. Eu falo baixinho pra ele: 'Thomaz, você não está aqui fisicamente, mas espiritualmente eu sei que você está. E não sou eu que estou fazendo o trabalho. Você vai fazer o trabalho através de mim'.

Então, foi por meio dele que fiz tudo a partir de 2015. Tanto que ele faleceu dia 2 de abril e no dia 1º de maio já voltei a trabalhar no Fundo Social. Eu sinto mais a presença dele quando estou me entregando ao trabalho que eu amo.

União com o PT

Hoje, acho que o Thomaz compreenderia muitíssimo bem nossa posição política, a decisão de termos nos unido ao PT [Geraldo Alckmin foi eleito vice-presidente na chapa com Lula]. Num tempo em que estamos vendo famílias passando fome, sem saúde, educação e abandonadas, vejo essa união como a união da esperança por um Brasil melhor. A pandemia, com a falta de políticas públicas, nos trouxe a este momento.

E, com certeza absoluta, o Thomaz está feliz com essa união, porque nós temos esse pensamento de fazer a mudança.

Desde o início da campanha, foram bem poucos os comentários negativos nas redes sobre isso. Falam coisas do tipo: "Onde já se viu uma mulher religiosa fazer isso?". São escolhas, né? Mas não respondo e restrinjo.

Às vezes, são mais grosseiros e dizem: "Seu filho morto deve estar se revirando no túmulo". Mas eu sei que ele estaria muito feliz pela atitude do pai e da mãe de quererem um Brasil melhor. Não é possível continuar esse ódio. Não é arma, é amor. Queremos democracia, liberdade e amor. O que vale é fazer alguma coisa pelos brasileiros. Esses ataques não me afetam.

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