No dia em que a Lei Maria da Penha foi sancionada, em 7 de agosto de 2006, a vítima do primeiro processo de violência doméstica no Brasil já estava morta.
O assassinato ocorreu antes, mas estava em uma vara criminal de Justiça. Com a legislação, foi criada uma vara específica para crimes contra mulheres, que recebeu o processo e incluiu o agravante de ter sido cometido pelo marido da vítima, o que fez aumentar a pena.
A vida perdida foi a de uma mato-grossense de 23 anos, casada e com três filhas, espancada pelo companheiro e depois estrangulada. Ela havia procurado a Justiça 17 vezes por ser alvo de ameaças e agressões, sem receber nenhuma ajuda. O destino era sempre o juizado especial, voltado para pequenas infrações — a violência doméstica, até então, configurava uma delas. Na época, a pena máxima para um agressor era o pagamento de uma cesta básica.
Promotora responsável por esse feminicídio e integrante da equipe da primeira Vara de Violência Doméstica do país, instalada em Cuiabá (MT), Lindinalva Rodrigues lamenta ter perdido o histórico do processo: não sabe dizer nem o nome da vítima. "Mas sempre me lembro dessa história porque é emblemática para mostrar como o tema era tratado até então", diz.
Nos 15 anos da Lei Maria da Penha, Rodrigues, que ainda atua na área, comemora a "mudança de paradigma" promovida pela legislação. "De lá para cá, vi o tabu sobre o tema ruir. Ninguém falava sobre violência doméstica, agia-se como se ela não existisse. Tiramos o problema da invisibilidade."
A lei foi batizada com o nome da farmacêutica cearense que ficou paraplégica após levar um tiro do então marido, que também tentou eletrocutá-la, em 1983. Ao ver que a Justiça havia deixado seu agressor cumprir a pena em liberdade, Maria da Penha* denunciou o Brasil à OEA (Organização dos Estados Americanos).
Ao ser sancionada, a lei determinou a criação das varas especializadas e especificou os tipos de violência doméstica: além de agressões físicas, entram na lista ofensas, ameaças, tentativa de controlar o comportamento da mulher e as roupas que ela usa, por exemplo. Também ofereceu dispositivos para auxiliar as vítimas, como as medidas protetivas, que proíbem o agressor de se aproximar delas, sob risco de prisão.
"A lei abriu as portas dos lares, das empresas e das instituições públicas para que as mulheres tenham voz e força para fazer valer seus direitos. Mas precisamos de mais, muito mais, pois os casos de feminicídio não diminuem e estão aí, todos os dias, nos jornais", afirma a promotora de Justiça Gabriela Manssur, especializada em violência contra mulher e criadora do projeto Justiceiras.
*Leia entrevista com Maria da Penha nesta reportagem