"Há quatro anos, pouco mais que isso, comecei a pesquisar em quem votar para vereadora. Eu não era ativista naquela época, mas decidi que escolheria uma candidata com causas voltadas para a desigualdade. E no pouco tempo em que Marielle pôde exercer o mandato, ela não decepcionou.
Desde que Marielle se elegeu, ela se mostrou uma força contrária ao caminho que trilhamos na política, de escuridão, extermínio de pretos e pobres. Se preocupava com todos os fatores que iam contra isso: educação, saúde pública, diversidade sexual e de gênero.
Em 2018, eu tinha um consultório no centro, e na noite do crime eu dormi lá. Marielle foi assassinada a um ou dois quilômetros de onde eu estava.
Quando acordei e soube da notícia, me senti silenciada, como se tudo em que eu acreditasse tivesse se encerrado. Não estou dizendo que Marielle era a única na luta, claro que não, mas naquele momento foi como se tivessem amarrado uma mordaça nas nossas bocas.
Um ano depois, houve um espancamento no meu prédio. Uma mulher teve um encontro com um rapaz e acordou sendo espancada por ele, quase morreu. Aquilo me deixou muito chocada, fez voltar o mesmo sentimento que me ocorreu depois da morte de Marielle: que a gente tem que recuar, se esconder para continuarmos vivas. É um movimento natural de preservação da vida, mas não podemos dar nenhum passo atrás.
A gente tem que tomar muito cuidado para andar sempre para frente, e esse é o recado que a Marielle deixa para mim. Foi aí que decidi fazer a tatuagem, minha primeira tatuagem.
Depois que essas duas coisas aconteceram [o assassinato de Marielle e o espancamento da vizinha], decidi colocar a mão na massa. Estudar sexualidade humana, e me especializei em sexualidade feminina. Meu plano era promover grupos de conversas terapêuticas com mulheres, para que elas tivessem conhecimento e autonomia sobre seus corpos, seu prazer. A longo prazo, que se tornassem menos dependentes emocionalmente de parceiros possivelmente violentos, agressivos. Também queria ajudar na alfabetização de mulheres adultas. Mas a pandemia adiou esses planos por enquanto."
Raquel Mello, de 39 anos, é psicóloga, especialista em sexualidade, e mora no rio de Janeiro.