Encarar longas caminhadas para chegar em casa após a aula porque o transporte escolar quebrou no meio do caminho não é nenhuma novidade para a indígena Clarisse Alves, 16, da etnia Pataxó Hahahãe, na Bahia. Ela já perdeu as contas de quantas vezes percorreu parte dos 15 quilômetros à pé e no escuro porque, sem lanterna, não tinha como iluminar o caminho. "O normal é chegar em casa às 18h, mas quando o micro-ônibus quebra, a gente precisa andar todo o trecho que falta e chega na aldeia de noite."
A realidade vivida por Clarisse, moradora da Terra indígena Caramuru Paraguaçu, no município dePau Brasil, sul da Bahia, não é só dela, mas também de outras meninas indígenas do estado que precisam encarar um cenário não só desanimador, como também desafiador para permanecer nos estudos. Além do transporte público irregular e longas caminhadas, há ainda a ausência de materiais didáticos, salas improvisadas, lixo acumulado, merenda desbalanceada, carteiras sujas e quebradas, escolas bagunçadas, ausência de biblioteca, banheiros quebrados, racismo, preconceito e sexismo.
Clarisse é uma das 60 meninas escolhidas pela organização não-governamental Anaí (Associação Nacional de Ação Indigenista) para receber apoio e se tornar uma jovem ativista. Ana Paula Ferreira de Lima, a coordenadora da Anaí, fundada em 1979 para promover os direitos indígenas das populações do Nordeste, foi uma das três ativistas brasileiras escolhidas em 2018 para ser apoiada pelo Fundo Malala - fundado pela ativista Malala Yousafzai e pelo pai para defender o direito de meninas a 12 anos de educação segura e de qualidade em todo o mundo.
As 60 garotas, entre 13 e 19 anos, apoiadas desde então recebem treinamentos e acompanhamento para que superem as dificuldades para terminar os estudos e se tornem multiplicadoras de ações que podem transformar seu entorno. "Queremos melhorar o acesso das meninas indígenas do Estado da Bahia a uma educação de qualidade e diferenciada, que garanta a permanência delas e a conclusão dos estudos", afirma Ana Paula.
"O projeto [Cunhataí ikhã, que significa meninas em luta] também pretende fazer com que todas elas tenham consciência dos seus direitos e como eles podem ser acessados para que elas possam tomar suas próprias decisões, fazendo a diferença em suas comunidades e sendo multiplicadoras."
Clarisse avisa que sente gratidão por seu povo por terem conseguido uma escola indígena na aldeia. "Eu sou uma jovem menina guerreira de 16 anos que busca o melhor para a minha aldeia, e para a minha escola. Não vou me calar em nenhum momento, queira ou não a minha voz será ouvida."