Monica e Marina tornaram o relacionamento público por meio de publicações no Instagram, em que uma homenageava a outra na data de seus respectivos aniversários: dias 1º e 2 de fevereiro. Mas, como toda história tem um começo, elas narram como esse amor começou — e os caminhos que vem percorrendo.

Muito antes de assumirem a relação, elas já eram, de certo modo, coadjuvantes na vida uma da outra. Ambas eram casadas, Monica era mulher de Marielle, Marina também estava em um relacionamento. Começaram a se cruzar em eventos em que Marina cantava e que, para Marielle, eram parte de sua agenda de trabalho como vereadora do Rio. "Eu lembro de ter anunciado a Marielle no microfone em um show, e lembro que te conheci nesse dia", diz Marina para Monica.

"Eu sabia quem era a Monica. A gente tinha amigos em comum, circulava pelos mesmos lugares, mas não tinha uma relação de proximidade ou amizade, nada disso", conta Marina.

Em 2018, depois que Marielle foi assassinada em março, Monica passou por uma depressão grave. Não comia, não dormia, não conseguia reagir. "Nessa época, eu tive o que eu chamei de 'Liga das babás', que eram amigos que começaram a se revezar para eu não ficar sozinha. Então, a cada dia da semana um amigo vinha ficar comigo, se oferecia para fazer alguma coisa, passar o tempo", lembra Monica, que ainda vivia no apartamento que dividiu com Marielle, na Tijuca, zona norte do Rio.

"Logo que aconteceu o que aconteceu, eu sabia do revezamento, e entrei em contato com a Monica para me oferecer para fazer o que depois descobri que sou péssima: faxina", conta Marina, rindo. Monica respondeu: "Prefiro que você venha aqui e cante enquanto eu faço faxina", diz ela, que a essa altura já ouvia muito o som de Rueira, álbum de Marina Iris. A faxina e a cantoria nunca chegaram a se concretizar.

E nada aconteceria entre as duas por muito tempo, mesmo depois da separação de Marina. A militância em torno da morte de Marielle fez com que o caminho das duas seguisse se cruzando. "A gente passou a se falar, mas não tínhamos uma amizade. Havia uma relação de afeto trazida pela própria luta", conta Marina, que sempre participou das manifestações.

No final de 2018, Monica deixou a casa em que havia morado com Marielle. "Tranquei tudo em um depósito e não sabia nem onde as coisas tinham ficado direito." Nessa época, ela viveu em ritmo acelerado de viagens, sobretudo para São Paulo e Brasília, roteiros em que se articulava politicamente na luta por justiça para Marielle Franco, sempre se hospedando na casa de amigos.

No início de 2019, Monica foi a um show de Marina. "Esse dia foi engraçado porque ela estava toda de branco e eu disse: 'Ih, tá toda de branco por quê? É pra casar comigo? E eu comecei a chamar ela de minha noiva, totalmente de brincadeira. Eu nem sabia que ela não estava mais casada", conta Monica. Nesse dia, pela primeira vez, as duas sentaram em um bar entre amigos e falaram sobre a vida. Até então, a proximidade era focada em pautas políticas. "Essa noite, ela me contou que estava pensando em voltar para o Rio", diz Marina.

A vontade de ter uma casa estava ligada ao cão Chico, que ela havia ganhado de presente de uma amiga no final de 2018, depois de perder um cão de 12 anos. O cachorro desacelerou a agenda de viagens de Monica. "Nas viagens nacionais, eu consegui um atestado de dependência emocional do meu psiquiatra e levava ele comigo, mas nas internacionais já ficava mais difícil", conta ela. Chico e Monica precisavam de um lar.

Em 20 de julho de 2019, Monica se mudou para sua casa atual, cheia de detalhes aconchegantes. "Eu ficava olhando coisas no Pinterest e queria fazer." Marina, já solteira, se ofereceu para ajudar na mudança.

"Nesse dia eu falei 'vou chegar, já to indo ajudar'. Só que ela é muito organizada, quando eu cheguei aqui, a casa já estava toda montada. Atrasei umas 4 horas, mas pelo menos levei bastante cerveja, pensei que a mudança ia levar dias", conta Marina.

Bem ali no meio das caixas da mudança, algumas cervejas depois, Monica achou um vibrador azul que resolveu mostrar para Marina e uma outra amiga que também tinha chegado atrasada para ajudar.

"Eu tinha um vibrador maravilhoso supernovo e eu falei dele. Era diferente, vibrava para frente e para trás, um acontecimento. Aí eu peguei o vibrador para mostrar", conta Monica, que mostrou também para a reportagem. "Um milhão de coisas diferentes que ele faz, olha só", elogia ela.

"Ela me perguntou se eu queria o vibrador emprestado, e foi aí que a chave virou", diz Marina. "Fiquei achando que tinha alguma maldade nisso, porque ninguém empresta um vibrador, a não ser que seja para usar junto", lembra a cantora.

Aqui há divergências. Monica nega: "Eu não tinha nenhum apego ao vibrador, não estava pegando ninguém e ofereci sem maldade, juro", diz. Intencional ou não, ele foi a ponte para aprofundar a intimidade entre elas.

"Fiquei com aquilo na cabeça. No dia seguinte, mandei uma mensagem. Ela falou: 'Eu te empresto, mesmo'. E retruquei: 'Eu quero que você use comigo'", conta Marina. Monica não levou muito a sério. Mas comentou com alguns amigos. A chave do interesse também estava virando para Monica.

Nesse mesmo dia, Marina cantou em uma roda de samba, Monica estava lá. Um dos amigos deu a ideia de exibir a tela do celular na cor azul — tom do vibrador — para sinalizar o flerte, enquanto Marina cantava. Não deu certo, Marina não entendeu a mensagem colorida.

"Pensar na gente juntas era muito difícil para mim. Não de não achá-la interessante, mas tinha muito a memória dela como a companheira da Marielle", conta Marina.

Do samba, elas foram para a casa de amigos, e o flerte funcionou. "Não sou de transar na primeira vez e nunca fui de ficar com amigos. Então, na manhã seguinte, pensei: essa menina não vai embora não?", conta Monica, rindo. "Ela ficou meio sem jeito", diz Marina.

Naquele mês, elas passaram a sair juntas, como amigas, achando —como acontece com muita gente— que ainda estava cedo para se definir como um casal.

"Ela deixava a escova de dentes na minha casa e isso me incomodava muito. Aí ela chegava e eu tinha tirado, porque não gostava daquelas duas escovas ali enquanto eu estava sozinha em casa", conta Monica. Marina se ressentia: "Isso me deixou sensibilizada, porque achei que ela estava tirando a escova para pegar outras pessoas".

À certa altura, por volta de outubro, Monica já intuia que a relação com Marina evoluiria para um romance. "Eu escrevi uma carta de três páginas de guardanapos para ela em um churrasco. Disse: 'estou te pedindo em amor, não é nem só em namoro", conta Monica, que em seguida pede que seu lado fofo não fique explícito na reportagem. "Não me coloca como ursinho carinhoso", brinca.

A partir do dia seguinte, era namoro. "Só não tinha definido o regime, né, se era semi-aberto, se era condicional, regime fechado", diz Marina. "Comigo não tem esse negócio não, é monogâmico'", ouviu a cantora. No início de fevereiro de 2020, o romance se tornou público. Não sem muito julgamento.

A culpa da viúva

"Foram comentários muito ruins", conta Marina. "A fila já andou até para a viúva da Marielle e você aí gritando Marielle presente", lembra Monica de ter lido. Um colega parlamentar chegou a repostar a "piada".

Matérias sobre o andamento do caso Marielle já contam, em geral, com ataques à relação das duas, como aconteceu quando da decisão sobre a possível federalização do caso. Sobre esse tipo de comentário, Monica avisa: machismo, misoginia, lesbofobia não vão ficar no caminho de seu inequívoco direito de ser feliz.

A vida política segue caminhando lado a lado com a relação amorosa de Monica e Marina, o que não quer dizer que a relação seja fácil. Novos passos na investigação da morte de Marielle alteram muito os ânimos e mexem com os humores das duas —apesar do senso de humor refinado e da paixão quase palpável que marca suas interações.

"É delicado para caramba e a gente sabia dessa delicadeza. É colocado no nosso dia a dia, não só pelas memórias, mas pelo profundo respeito que eu tenho pela Marielle, que foi uma pessoa que eu conheci, para quem fiz campanha, que apoiou projetos", diz Marina. "Eu sei que onde bate para mim, não é onde bate para ela. Para mim, é na coisa da mulher preta, da identificação, de ser representada, eu me reconhecia na figura e acreditava nas ideias."

E, namorar alguém cujo nome é tão fortemente atrelado à outra mulher nem sempre é fácil para a sambista. "É difícil, não é simples. Não vou dizer que tiro de letra. Mas é um processo, e eu tenho antecedentes que ajudam, tem o fato, por exemplo, de eu não achar que a gente tem um único amor, eu acho que existem várias formas de amar e viver amores. Isso é muito amadurecido na minha cabeça. Não vou dizer que no dia a dia não haja dias e dias. Tem dia que é pior pra mim, mais duro", diz.

Mas o respeito pela relação que Monica viveu com Marielle ajuda a estabilizar a relação. "Acho que as pessoas pensam muito nisso: 'Como vou estar com alguém que diz que ama outra pessoa publicamente no Instagram?' Isso não me incomoda", diz Marina.

"Pra mim, talvez incomode mais o fato dela não conseguir jantar comigo, porque para ela ainda é difícil ter determinados rituais e rotinas. A história dela com a Marielle são de 14 anos, de tentativas de viver esse amor, marcado por muitas dificuldades", afirma.

Fora a exposição, elas se veem como um casal bem comum: amam tomar cerveja, se estressam por causa da organização da casa durante a quarentena, adoram sair (quando a vida permitir) e hoje dividem sem neuras o vibrador azul. "O mais importante para mim é o que a gente consegue construir. Eu conheci a Monica sendo a Monica, ninguém me enganou", diz Marina.

"Estou vivendo outro amor e são amores diferentes, são histórias distintas e que me compõem", diz Monica.