O carrinho de mão segue pelas ruas acidentadas, sacolejando dezenas de embalagens de alimentos. O atrito entre o arroz e o feijão compõe um barulho ritmado, mas é abafado pelo palpitar acelerado do coração de Moanan Couto. Enquanto equilibra os itens no compartimento, a jovem de 20 anos questiona se as 300 cestas básicas arrecadadas serão suficientes para as famílias que ficaram ainda mais vulneráveis com a pandemia do novo coronavírus.
A ponderação é interrompida pelos gritos das crianças que, ao reconhecê-la, abandonam a brincadeira e correm ao seu encontro. O abraço, porém, terá que ser negado. Determinação da OMS (Organização Mundial da Saúde). Com carinho, ela explica por que é preciso evitar o contato e pergunta se já lavaram as mãos. "Mas, tia, como eu vou lavar a mão se tá faltando água?", retruca uma das crianças.
Por trás da máscara, a boca engole em seco. A recomendação da OMS parece simples: para se proteger do coronavírus, lave as mãos com água e sabão. Mas o mínimo aqui é luxo. Neste lugar, alguns direitos básicos estão muito distantes.
A falta de água está entre os principais desafios enfrentados pelas favelas cariocas para se protegerem da Covid-19, doença que já dizimou dezenas de milhares de pessoas no mundo, mais de 7.000 no Brasil.
O Aço, no bairro de Santa Cruz, na zona oeste do Rio de Janeiro, é uma delas. A maioria das 10 mil residências que compõe a favela não possui caixa d'água particular e depende de um único reservatório, cujo abastecimento é irregular. As condições sanitárias se agravam devido ao saneamento básico irrisório numa região onde inundações são frequentes. É possível observar o esgoto exposto no quintal de algumas casas, disputando espaço com as brincadeiras das crianças.
Um estudo da Fiocruz de 2017 apontou a alta propensão a casos de leptospirose no bairro, oitavo colocado no ranking de piores IDHs da capital fluminense (0,74). O Índice de Desenvolvimento Humano considera a expectativa de vida, a renda e o nível de escolarização.