"No mínimo, apanharam"
No último dia 17, o porta-voz do grupo radical islâmico Talibã, Zabihullah Mujahid, afirmou: "As mulheres afegãs não têm o que temer, vamos trabalhar juntos pela recuperação do país. Ombro a ombro". Mujahid ressaltou ainda que elas "farão parte do nosso governo, poderão trabalhar e estudar, contanto que estejam dentro dos limites do Islã''.
Estar dentro dos limites quer dizer seguir à risca a Sharia, a rígida lei islâmica que obriga, dentre outros temas polêmicos, mulheres cobrindo todo o corpo e que só podem sair de casa com um "guarda-costas" do sexo masculino. Em tradução literal, a palavra Sharia significa "um claro caminho para a água". Pois clareza e um futuro cristalino são tudo em que as mulheres afegãs não acreditam para o seu país.
"Eles são imutáveis", diz, com toda a convicção, Sumaia, de 52 anos, natural de Kandahar, a segunda maior cidade afegã e berço da criação dos extremistas que já controlaram o país entre 1996 e 2001.
Sempre receosas de possíveis e futuras represálias, todas as entrevistadas nesta reportagem não deram o sobrenome.
"A gente nunca sabe o que pode acontecer, esses imbecis estão sempre buscando notícias, seja onde for", diz Sumaia, uma das centenas de mulheres que protestaram em Atenas, Grécia, na última quinta-feira (19) contra o novo governo para expressar seus temores sobre o futuro de uma pátria para que, um dia, sonham em voltar.
"Aqui, com todos os problemas que temos, pelo menos podemos protestar com segurança. No Afeganistão, isso agora acabou", disse, preocupada com o que pode ter acontecido com o valente grupo feminista que levantou cartazes contra o novo regime, um dia após o Talibã controlar a capital Cabul. "No mínimo, apanharam."
270 mil afegãos já deixaram país
Somente neste ano, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), com a escalada da violência no país, 270 mil afegãos deixaram seus lares em busca de refúgio. Dentro da Europa, a Grécia é o país que mais acolhe refugiados oriundos do Afeganistão: das 4.718 pessoas que entraram em território grego, em 2021, 45,3% são afegãs.
Atualmente, são 29.716 afegãos solicitantes de asilo na Grécia, que aguardam suas respectivas entrevistas oficiais, um número bastante superior aos sírios, por exemplo (7.520). Estes números só tendem a aumentar. São mais de 100 mil imigrantes no país que é uma das portas de entrada para a União Europeia e estima-se que pelo menos 40% são fugitivos dos intermináveis conflitos armados no Afeganistão.