Theo, meu primeiro neto, desvendou uma alegria muito grande quando nasceu. Quando fui mãe, e minha mãe virou avó, ela dizia que ser avó era a melhor coisa do mundo. E é verdade, é uma alegria, uma delícia, e isso tudo se revelou para mim. Ao mesmo tempo, Theo nasceu com uns machucadinhos na pele. Não sabíamos o que era e, pelo desconhecido, era algo que nos deixava assustados, sem chão.
Aparentemente, estava tudo normal. Ele respirava perfeitamente, fez o teste do pezinho, mas tinha esses machucadinhos e levou 24, 26 horas até os médicos conseguirem diagnosticar: epidermólise bolhosa distrófica recessiva, conhecida como EB. O nome é tão feio que me lembro de ter que anotar em um papel, porque não conseguia repetir.
O nosso corpo produz colágeno VII, que é o que une derme a epiderme. Temos essa cola para grudar o que está em cima e o que está embaixo e, para quem tem EB, essa cola não se dá de maneira suficiente. É uma pele mais solta, mais fininha, mais frágil. Então, há uma delicadeza, mas também uma força.
Como alguém que tem uma fragilidade no maior órgão do corpo, o órgão que nos protege de tudo, resiste?
Sempre achei incrível pensar em como o Theo, com tanta dificuldade, tem tamanha doçura. Em como ele não traz algo raivoso. Agora, aos 12 anos, ele está vivendo um momento de bastante lucidez e consciência em relação a essa mutação genética que possui.
É importante a gente entender que, quando fala de doença, a gente engessa. Pensar em mutação genética é algo diferente —e, se é diferente, existe um olhar diferente.
Quando eu fiz [o documentário] "Alma Imoral", conversei muito com o [autor do livro, o rabino Nilton] Bonder e ele falava sobre como a humanidade cresceu em quantidade e esse crescimento abrupto trouxe as raridades, os individuais, que são quem propicia os movimentos evolutivos. Depois me lembrei que o Leonard Cohen tem uma música linda que diz que há uma rachadura na superfície perfeita, lisa, que é por onde passa a luz. Comecei então a pensar: será que é por onde passa a minha luz?