No melhor momento, quebrei

Pequena Lo viralizou na pandemia e conquistou sucesso nas redes. O preço: sua saúde mental

Lorrane Silva Em depoimento a Luciana Bugni Daniela Toviansky/UOL

Em 2019, me formei em psicologia e durante o curso já gravava vídeos em casa. Nem imaginava que isso poderia se tornar uma profissão. Em 2020, após a formatura, eu ainda morava em Uberaba, onde fazia faculdade, e veio a virada de chave.

Comecei a entender que os vídeos estavam viralizando, mas não tinha muita clareza do que estava rolando. Achei que seria passageiro, porque a fama pode vir rapidamente, mas manter o sucesso é bem complicado.

E aí veio o vídeo do High School Musical, que nem tem texto, é só uma dança no cenário da série com caras e bocas. Tudo isso aconteceu do dia para a noite: de repente, eu tinha um milhão de seguidores no TikTok e acordei com a conta verificada. No Instagram, eu tinha 63 mil seguidores.

Sempre gostei de gravar vídeos. Entrei no TikTok em 2018, mas estava no YouTube desde 2015. Nunca achei que isso fosse virar tão rapidamente a minha primeira profissão. Nesse dia, quando acordei, estava em todos os lugares: Twitter, páginas de fofoca e memes. Todo mundo começou a falar sobre mim e a pedir entrevista. Em uma semana, minha vida mudou completamente.

Psicologia viral

A partir daí, percebi que tinha que gravar mais. Já postava um vídeo por dia, mas comecei a postar seis todos os dias. Pensava que a qualquer momento o sucesso ia acabar e eu tinha que aproveitar o momento em que a galera estava me vendo. Cresci rapidamente no Instagram para 200 mil seguidores.

As pessoas da TV, os influencers que eu seguia... todo mundo me mandando mensagem e comentando tudo o que eu fazia.

Pensava: o que está acontecendo? Meu plano quando me formei era atender pacientes online - especialmente quando surgiu a pandemia, um momento em que as pessoas precisariam muito de mim. Só que isso acabou virando e eu usava a psicologia já em todo momento fazendo vídeos.

Vi que realmente aquilo poderia ser um trabalho fixo, pois, com o passar das semanas, o número de seguidores continuava crescendo. E se falava muito sobre mim. Achei legal, claro, mas também fiquei assustada. Cada vez que eu conquistava mais 100 mil seguidores, uma moça de Minas Gerais me mandava um bolo. Recebi um bolo atrás do outro! Haja bolo!

O começo do susto

Nessa fase, conheci um empresário novo, fiz reuniões, tudo com muito cuidado. O financeiro continuou nas mãos de minha mãe, uma pessoa que convive comigo e alguém em que eu posso confiar. Tudo estava sendo muito legal.

Aí mudei para São Paulo no meio da pandemia. Eu estava crescendo muito, gravando muito vídeos por dia, sem comer direito. As marcas estavam todas aqui, entrevistas rolando, e achei que seria uma boa ideia mudar. Mas era um momento de muita tristeza e a gente não sabia o que aconteceria.

No isolamento, eu só podia ficar em casa, porque sou asmática. Fazia tudo de lá: roteiro, gravação, edição. Contava com a ajuda da minha mãe e de um amigo, que cuidavam dos e-mails que chegavam para mim.

Um dia, quando já podia sair de máscara e ir para alguns lugares, estava em um salão secando meu cabelo. E minha pressão caiu. Tirei a máscara e estava branca. No outro dia, eu tinha terapia e falei com o psicólogo: senti que não estava bem, me perguntava se eu merecia estar ali e pensava o tempo todo que o sucesso ia acabar.

Era muita pressão, uma responsabilidade com que eu não sabia lidar, de ter que postar para não perder seguidores. Ele me disse que eu estava entrando na síndrome da impostora e ao mesmo tempo estava com burnout, crise de pânico e de ansiedade.

Reconexão com a essência

Tive tudo isso bem no início da minha carreia e fiquei muito triste porque era o melhor momento da minha vida e eu não conseguia sustentar. A criatividade começou a falhar. Eu e minha mãe nos sentíamos sozinhas. Foi difícil perceber que eu estava depressiva bem no momento em que tudo estava bem comigo. Chorava todo dia, a qualquer momento.

Decidi conversar com todo mundo e explicar que eu precisava passar um período em Minas. Fiquei ali um mês para me reconectar e voltar a acreditar que, se eu estava nesse lugar, é porque eu merecia. Eu estava na internet desde 2015. Sempre gostei de postar coisas espontâneas e estava perdendo isso.

É natural ficar meio insegura por conta dos comentários de haters. maioria gostava, mas bastava um ou outro falar mal... Eu comecei a me perguntar se realmente era engraçada. Mas nunca foi um personagem, eu entrei nessa porque fazer esses vídeos é a minha essência.

Medicada, ela é ótima

Hoje eu tomo remédios homeopáticos, que são mais naturais, e posso dizer que "medicada, sou ótima".

Mas é preciso cuidar do gatilho - e não é algo que eu possa evitar, porque é minha carreira. Passei a procurar momentos de descanso. Se eu consigo virar o celular para baixo e não olhar notificações? Essa resposta é ainda delicada para mim. Mas quando tinha um fim de semana, colocava como meta que eu iria aproveitar para descansar. Nem que fosse para ficar olhando para o teto, mas que eu não tivesse contato com o celular por alguns períodos.

Estamos viciados no celular, né? A gente precisa admitir. Aquilo ali, ao mesmo tempo, é a minha vida. Então eu tenho uma ótima desculpa para mexer no celular o tempo todo, mas eu vejo que às vezes não precisa. É importante observar o vício, o quanto é automático pegar a aparelho e ficar ali fazendo nada.

Hoje não gravo mais seis vídeos por dia de jeito nenhum, mas viajo muito, dou palestras.Tenho uma equipe maior que me ajuda, sou uma empresa com mais de 20 pessoas. Ainda escrevo roteiros, mas tenho ajuda também para criar, ajuda com temas e uma luz para a criatividade.

Não desligo nem quando durmo porque tenho ideias de vídeos em sonhos. Eu anoto palavras-chave e faço espontaneamente o texto quando ligo a câmera. Por isso fiquei tão mal quando perdi a criatividade, algo que sempre tive. Mas com o tempo entendi que estava apenas esgotada.

Tenho algumas marcas fixas desde 2020 e outras que sempre aparecem. Há meses em que o mercado não está bom e aí eu começo a me perguntar: será que sou eu? Nesses momentos, falo com amigos e percebo que não é só comigo, não.

'Não sou um personagem'

Quando assinei um contrato pela primeira vez com valor alto, que nunca havia visto, me assustei também. E foi necessária a ajuda do meu empresário explicando que não dava para pegar tudo, era importante se valorizar. O início foi muito difícil.

Fiquei sobrecarregada, não conseguia fazer nada em paz e acabei com minha saúde mental. Depois de um mês em Minas, voltei estabilizada. Parei de querer agradar todo mundo e passei a me importar comigo, com minha essência. Público e marcas seriam consequência disso.

E me perguntava: o que está acontecendo de ruim para eu estar desse jeito sendo que tudo está muito bom? Mas para mim não estava bom. Não desejo para ninguém. Foi um dos piores momentos que eu já vivi na minha vida e é curioso para todos que seja no momento de maior sucesso da minha vida. Mas é assim que funciona.

Havia dias em que eu acordava desejando que fosse um sonho, mas percebia que era realidade e tinha um peso enorme. Mesmo assim não queria largar, queria ser forte. Como assim eu não aguento mais? Como acho chato algo que eu amava fazer antes?

Pensava "meu Deus, mais um dia que eu tenho que ser engraçada". Desde pequena sempre gostei de fazer o outro rir. Mas ali eu sentia muita responsabilidade porque já encontrei fã que reclamou que eu sou séria e não parecia a da internet.

O pessoal acha que você é humorista e tem que estar 100%, 24 horas por dia rindo, fazendo piada e sendo inspiradora. Brinco que não iria para o Big Brother por isso: o público ia se assustar muito porque eu sou uma pessoa muito estressada, apesar de não parecer.

Agora estou no momento de ficar leve contando uma história e sei que sou engraçada fora das câmeras também - talvez até mais.

Não sou um personagem, dá para ver isso nos meus vídeos de criança que sempre posto. Sempre fui assim. Mas sou um ser humano. E faço questão de falar sobre isso porque quando a gente conta, acolhe o outro.

Simplesmente Lo

Famosos têm ansiedade. Dinheiro não impede o burnout. Dá culpa, mas acontece. Ir para Minas, estar com a família e com meus amigos por um período fez com que eu voltasse a acreditar na minha essência. Ali, eu era a Lorrane. Voltei a gostar de gravar e achar que aquilo fazia sentido. O conselho que eu daria para quem está passando por isso é terapia em primeiro lugar.

E o segundo é respeitar o limita da criatividade. De vez em quando eu preciso falar não. Não é ser seca ou grossa. E importante impor limites e olhar para si. Ah, ir para a academia também ajuda!

O importante para mim na carreira é não perder a autenticidade. Sei que isso é o que faz a Pequena Lo ser o que é.

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