Uma nova Romana

Médica e co-fundadora do Instituto Alok, Romana Novais fala do drama do parto prematuro após pegar covid

Romana Novais em depoimento a Luciana Bugni, em colaboração para o UOL Getty Images/iStockphoto

Quando a pandemia estourou, em março de 2020, Ravi, meu filho mais velho, tinha dois meses. Foi uma gravidez planejada, uma gestação saudável após eu ter sofrido um aborto em 2019. Estava tudo bem com ele e estávamos muito felizes. Quando Ravi completou seis meses, descobri que estava grávida da Raika.

Me ver gestante pela segunda vez, agora dentro da pandemia, amamentando outro bebê... foi muito desafiador. Mas os exames estavam bons e levei tudo tranquilamente até as 32 semanas. Foi aí que descobri que havia contraído covid - primeiro o Alok teve os sintomas e dois dias meus ossos começaram a doer muito, eu fiquei na cama deitada com muita sensibilidade.

Naquela época, não se falava muito em covid em grávidas, até os médicos acharam complicado decidir o que fazer. Mas os sintomas começaram a se intensificar demais e parecia que eu estava com as dores do parto, mesmo que ainda estivesse faltando pouco mais de um mês para a hora do bebê nascer.

Liguei para a minha médica e ela me mandou ir para a clínica - eu tinha certeza de que estava em trabalho de parto, mas me tranquilizei pensando que talvez pudesse fazer os exames, verificar se estava tudo bem, tomar corticoide para maturar o pulmão da criança e tomar algo para segurar a gestação por mais algumas semanas. Alok também se acalmava dizendo que, por eu ser médica, poderia estar achando as coisas mais graves do que de fato eram.

Na clínica, descobri que estava tudo bem com a Raika no ultrassom, mas entrei no banheiro logo depois e tive uma hemorragia: antes de sair de casa havia ligado para minha mãe, dito que o bebê ia nascer e pedido para ela rezar. A gente sempre sabe das coisas.

O sangue escorria pela sala e eu gritava que ela ia nascer, que precisava ir para o hospital.

'Colo faz bem'

A médica, que é minha melhor amiga, Erika, foi muito profissional, manteve a tranquilidade e fomos no carro, já com o soro. Na maternidade, assim que fui para a maca, Raika nasceu de parto natural.

Brinco que ela estreou, não nasceu. Escorregou. Fiquei segundos com ela no colo e não pude sequer ver seu rostinho, pois eu estava chorando muito. Foi tudo muito rápido, sem mamar, sem golden hour.

Fomos cada uma para um lado: eu para a UTI e ela para a UTI neonatal. Tudo isso no auge da pandemia, sem vacina. Além do risco de morte pela covid e a hemorragia, eu tive outra disfunção.

Meu corpo estava formando trombos, a placenta saiu repleta de trombos, mas eu não poderia tomar remédio para diluir porque já estava sangrando. E não poderia tomar remédio para hemorragia, por conta dessa condição.

Nenhum dos médicos havia cuidado de uma paciente nessa situação, pois a disfunção é raríssima.

Raika ficou na UTI. Eu fui para casa quatro dias depois do parto e me dediquei exclusivamente à descida do leite, porque meu corpo ainda não havia entendido que eu tinha parido... Além de todos os medos em relação às complicações e o risco do covid (que ela, graças a Deus, não pegou).

O leite só desceu no 12º dia — até então, ela vinha tomando fórmula no hospital. Em casa, eu me esforçava em dobro para retirar o leite e demorava muito para conseguir extrair um copinho de 50 ml, mas não desistia. Passava os dias pensando: "não é possível que não vou conseguir amamentar minha bebê".

Na primeira vez que ela veio para o meu colo, logo após a descida do leite, pegou meu peito de primeira. Foi uma alegria. Eu queria tanto que aquilo desse certo! E finalmente estava conhecendo minha filha.

A partir daí, eu comecei a fazer plantões no hospital para estar presente nos momentos em que ela quisesse mamar. Eu sabia que só minha presença ali poderia acalmá-la: energia de mãe alivia e colo faz bem.

Presente de Natal

No lactário, dividia com outras mães a pressão do aleitamento. É um lugar acolhedor, em que as mães contam suas histórias e todas torcem uma pela outra, mas há histórias muito difíceis também.

A cada grama que Raika ganhava era uma comemoração muito grande. Ela nasceu com 1,7kg, caiu para 1,4kg e eu precisava alimentá-la para chegar a 2 kg e ir para casa.

Às vezes, vinha para casa para ficar um pouco com o Ravi, mas me ligavam do hospital e eu já voltava correndo. Ela foi evoluindo e saiu da UTI no dia 23 de dezembro. Nosso presentinho de Natal.

Achei que seria tudo mais fácil, porque eu já tinha tido um filho. Então, veio um bebê prematuro e eu tive que aprender mesmo. Muita coisa mudou aqui dentro de mim.

Resiliência, paciência... E entender que, mesmo não tendo o controle de tudo, podemos ressignificar muitos momentos.

Hoje, é um bebê saudável, muito gracioso. Raika veio para transformar. Ela dorme em cima de mim quando dormimos juntas, é atenciosa conosco e com pessoas estranhas também. A amamentei até um ano de idade. Agora, ela completou três anos completamente saudável.

Equilibro a rotina de trabalho na clínica com os momentos de ficar com meus filhos: fico com eles todas as manhãs e faço questão de aproveitar os fins de semana, as viagens em família. Depois de tudo que nós passamos, é importante viver bem cada segundo.

Uma nova Romana

Eu acho que nasceu uma Romana com a fé ainda mais fortalecida, com a certeza de que Deus cuida de mim e da minha família de uma forma muito especial.

Cada vez mais estou priorizando o que realmente faz sentido para o meu crescimento pessoal, familiar, profissional, espiritual e me afastando do que vai contra os meus sonhos, valores e princípios. Amadurecimento seria uma boa palavra para definir o que houve comigo.

A maternidade significa para mim a materialização do amor. Eu procuro ser a melhor mãe que eu posso ser para eles dois. Eu quero que sintam orgulho de quem eu sou, da conexão que a gente cria dia a dia.

Procuro ter tempo de qualidade para ir criando esses laços afetivos e para que a nossa conexão seja sempre pautada no amor, respeito, confiança, valores que são inegociáveis.

Há uma pergunta que sempre fazem: que tipo de mundo você quer deixar para os seus filhos? E eu e o Alok costumamos fazer o inverso: que tipo de filho a gente quer deixar para esse mundo?

Quero ensiná-los a serem crianças responsáveis e que possam contribuir para fazer desse mundo um lugar melhor.

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