"Tá bom, então sou a puta"

A ex-BBB Tessália Serighelli conta como virou a vilã da 10ª edição por ter ido com Michel pra baixo do edredom

Tessália Serighelli, em depoimento a Camila Brandalise Arte/UOL

Tá bom. Se eu sou a puta, eu vou ser a puta. Foda-se. Querem falar, que falem.

Não que isso tenha sido fácil de digerir. Mas qual era a opção? Brigar o resto da vida? Não tinha o que fazer. Aceitei.

Colocaram o selo de vagabunda na minha cara por uma coisa que eu não fiz. Se fosse para colocar algo, deveria ter sido posto na cara dele também. E, no fim, ainda carimbei a história toda quando fiz a Playboy [na capa da revista de março de 2010, Tessalia segura uma mangueira que jorra água em seu rosto]. Aceitei aquilo que me colocaram. Hoje não sei se teria aceitado. Teria brigado? Talvez.

Já tinham ido pra baixo do edredom em outras edições. A gente foi também. Era um beijo mais quente, uma pegação. Não bati uma pra ele, ele não bateu uma pra mim. Talvez tenha rolado uma mão devagar. Mas não muito mais do que isso.

Fui eliminada na terceira semana e não sabia por quê. Ah, eu era polêmica na internet. Era a mulher mais seguida no Twitter no Brasil, com 40 mil seguidores. Da minha personagem, a Twitess, umas pessoas gostavam, outras não. Achei que tinha saído por causa de alguma coisa da internet.

Minha mãe foi me abraçar no paredão e falou assim: "Você é a vilã, mas tá tudo bem". Só respondi: "Tá".

O [apresentador Pedro] Bial fez umas perguntas, e eu fui pra uma sala pra dar entrevista coletiva. Eu era uma menina da internet, famosinha, depois de um programa de TV. Chego numa sala com 20 jornalistas. "Tem uma polêmica, você sabe que a namorada do Michel falou uma coisa aqui fora?" "Não." "Mas você sabe que ele tinha namorada?" "Não."

"E quando você fez o sexo oral embaixo do edredom?"

"Quê?"

Arte/UOL

Mangueira da Playboy

No momento em que eu e o Michel começamos a ficar no programa, a ex-namorada dele aqui fora falou que ele tinha pedido ela em casamento na Disney, que estava traindo, que era o noivo dela. Acho que as pessoas não esclarecem muito bem os relacionamentos, sabe? Fica: "Ah, vamos ficar em aberto, dar um tempo pra ver o que rola".

Pra mim ele disse que os dois tinham dado um tempo. Se alguém estava traindo era ele, né? Mas o público do sofá me viu como aquela que roubou o namorado. A puta. Foi por isso que saí.

Minha prima disse que a Playboy queria que eu fizesse a capa. Perguntei: "Mas eu? Por quê?" "Porque a polêmica de você ter feito sexo embaixo do edredom ficou atraente."

No Big Brother pagam cachê por semana. Não posso falar quanto por causa do contrato, mas era pouco. Com o cachê da Playboy, dei entrada em dois apartamentos em Curitiba. Era o valor de um apartamento à vista na época.

Não sei se faria a revista hoje. Foi com o [fotógrafo J.R.] Duran, já tinha visto as coisas dele, sempre de muito bom gosto. A capa é essa coisa bem chamativa [a mangueira jorrando água era uma referência ao sexo oral]. Só que, naquele ponto, eu era a vilã. Era minha única oportunidade de ganhar dinheiro. Vou passar o resto da minha vida brigando? Não queria que fosse meu discurso, é um papo que queria que passasse.

Eles me mostraram a capa quando já estava na impressão. Não tinha como dizer não. Fiquei meio sem ter o que fazer. Teria escolhido outra, com certeza. Mas naquele momento me sentia sem poder de falar nada. Pensei: "Eu estou vendendo a imagem da Tessália que fez um boquete embaixo do edredom. Se não for assim, não vou ser paga."

"Ô, boqueteira!"

Me xingavam muito. A gente, os ex-BBBs, fazia muito evento junto. Teve um show da Ivete Sangalo em Minas Gerais, estávamos em uns 10 big brothers, e o povo em volta. A gente estava passando por um lugar e... "Ô, boqueteira!" Isso aconteceu várias vezes.

Era violento. Psicologicamente era violento mesmo. Eu passava de cabeça erguida, mas lá no fundo era: por que isso continua?

Se tivesse sido um dia e passado... Mas não. As pessoas atrelarem você a isso, rotularem você disso... Tanta coisa que a gente fala e faz e acaba expressando o que a gente é. Big Brother é um titico do que a gente é. É uma foto, um frame.

E dentro do Big Brother pegaram aquela situação pra me julgar. Claro que há coisas que acontecem, quando alguém faz algo ruim, que definem a vida inteira dela, não vai ter volta. Um crime, por exemplo. Mas eu não fiz nada de ruim.

E se eu tivesse feito sexo oral? Seria um problema por quê? Hoje eu antecipo, brinco antes de falarem e, quando me chamam de boqueteira, respondo: "Ah, você não gosta, né?"

Ninguém nunca falou nada do Michel. Nunca. Não teve a mesma pressão. Namoramos por quatro meses depois do BBB. Ele sempre teve mais fã do que eu. Todo mundo vinha junto dele. Tudo bem que ele ficou mais tempo. Mas ele que tinha uma namorada — e, teoricamente, se foi pra baixo do edredom, foi quem traiu — saiu com muito menos rejeição do que eu.

Por quê? Porque eu sou mulher.

E é assim até hoje.

Quando o cara trai, a culpa é da outra mulher, não dele, que está traindo. E se a namorada descobre, ela xinga a outra menina. Não xinga o cara.

Daí eu que roubei o namorado da menina?

Essa foi a coisa que mais pesou. O Brasil ainda é muito conservador, olha o presidente que nós temos. A grande maioria é. Mas, naquela época, era ainda mais.

Depressão e medo de sair de casa

Eu ficava com medo de alguém vir fazer alguma coisa, me confrontar, me xingar. Só que, ao mesmo tempo, eu era ex-big brother. As pessoas diziam: "Você tem seis meses, depois vai sumir, tem que aproveitar". Mesmo querendo me retrair, achava que tinha que me expor mais. Era bizarro.

Comecei a trabalhar como DJ. Tinha que mostrar que eu estava feliz. E eu não estava. Estava com muito medo.

E já era um medo de que alguém, em algum momento, fosse ser agressivo comigo, mais do que só verbalmente — e verbalmente foram algumas vezes. Que alguém viesse me confrontar. E eu ficava naquele medo, naquela ansiedade, naquele pânico que foi crescendo, crescendo, crescendo.

Por causa desses xingamentos, essas coisas, comecei a ter pânico de sair de casa.

Eu chegava num lugar e as pessoas realmente estavam olhando e apontando pra mim. Só que, na minha cabeça, eles estavam falando só daquele episódio. Porque algumas vezes eu ouvi algumas pessoas falando. E começava a entrar na paranoia de que estavam falando sobre aquilo em volta de mim, estavam apontando.

Foi uma coisa que continuava e foi piorando. Foi me dando mais crise de ansiedade. Eu viajava muito sozinha. Ia pra lugar com duas mil pessoas, e achava que aquelas duas mil pessoas me odiavam, achava que alguém ia fazer alguma maldade comigo.

As pessoas não têm noção como uma coisa dessas pode machucar. Por mais que eu seja forte. As pessoas não têm noção de como bullying pode ser prejudicial. Porque foi um bullying, né?

Vamos fazer um paralelo: imagina se eu tivesse saído em terceiro lugar, amada pelo Brasil, recebida de outro jeito. Ia me sufocar um pouco a falta de privacidade? Ia. Mas não ia sentir o medo de ser atacada. Ia ter tido mais vontade de expressar minha voz, continuar sendo influencer como era. Minha vida poderia ter ido pra outro lado. Não foi só isso, mas ajudou a entrar em depressão.

Demorei muito tempo pra perceber que todos aqueles sintomas eram de depressão, ansiedade e síndrome do pânico. Fui num psiquiatra a primeira vez dois anos depois do BBB, no fim de 2012. Naquele momento eu já não conseguia mais sair de casa pra trabalhar e tive que abandonar a carreira de DJ, que ia muito bem. Mas não tratei com seriedade e a depressão durou anos. Foi só em 2015 que comecei a me sentir melhor e ter uma vida social normal novamente.

Feminismo ajudou a me curar

Não queria que tudo isso tivesse acontecido comigo. Mas como saberia, né? Puxa, teria que ter sido uma menina melhor, não ter pegado ninguém nunca na casa.

É esse moralismo: o homem é o maravilhoso quando pega cinco e a menina, se pega cinco, é uma puta.

Comecei a entender o que era feminismo em 2014 e aí veio uma identificação. Vi que a situação que eu passei era injusta porque colocava o homem, a pessoa que fez a coisa comigo, numa situação de vantagem desproporcional.

O feminismo me curou porque foi uma aceitação do que aconteceu. Minha família é de Curitiba, do estado mais eleitor do Bolsonaro no país. São vários níveis de machismo que a gente nem racionaliza. Começa com as mulheres na cozinha falando sobre a família e os homens na sala conversando sobre política. São as profissões aceitas e não aceitas. Os pais que não deixam as meninas viajarem com as amigas, mas emprestam o carro para os filhos irem pra praia com os amigos.

E nisso a gente fica achando que a culpa foi nossa quando sofre uma violência.

Eu sofri um abuso antes de entrar no Big Brother. Não explano porque vão querer saber quem é, por que não denunciei. Não quero ter que responder isso. Dói.

Mas um dia esse cara veio pedir desculpa e eu nem entendi por que ele estava se desculpando. Eu disse: "Tudo bem, imagina". Tinha bebido, me culpei. Só fui perceber que não era certo depois do feminismo. Ele não tinha direito nenhum de ter feito nada comigo.

Eu e o mundo evoluímos

Me faz muito feliz hoje entrar no Twitter e ver que o pessoal que me segue tem uma cabeça parecida com a minha.

Depois de tudo o que rolou, política e socialmente, nos últimos anos, agora a gente chegou a uma consolidação do feminismo forte. Acho que a palavra assusta porque as pessoas têm preconceito com a nomenclatura. Mas pode escrever bem grande: EU SOU FEMINISTA.

De alguma maneira nós evoluímos, e a gente está caminhando junto. Isso traz uma segurança.

Uma menina posta que o cara tava batendo uma punheta no ônibus ao lado dela, tem 20 mil retweets e a foto do cara em tudo quanto é lugar, coisa que não acontecia antes.

Os caras dentro da casa do Big Brother 20 hoje não tinham nem noção de como estavam sendo vistos. Porque eles estavam tão tranquilos no status quo de que o homem vai pagar de machão, vai tentar pegar todas as meninas e sair por cima, que não perceberam o quanto as coisas mudaram. Não saíram do pedestal pra conseguir notar que as mulheres têm muito mais potencial de ganhar.

Acho que o episódio que aconteceu comigo, se fosse hoje em dia, passaria quase que batido.

Mesmo se a ex-namorada do garoto falasse algo aqui fora, o julgamento seria diferente — ou pelo menos haveria um julgamento ouvindo todos os lados, não uma sentença declarada.

Também estamos mais tranquilos em relação a episódios que envolvam a sexualidade. O caminho foi aberto por mulheres que foram julgadas para que hoje em dia a gente consiga estar juntas e fortes lutando umas pelas outras. E é o que eu espero que a gente faça cada vez mais. Lutar umas pelas outras, e não contra as outras.

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