"Temos acertado ao popularizar o feminismo e algumas demandas feministas. Muitas mulheres públicas se assumiram assim e a pauta ganhou outros significados, não é tão vista como algo pejorativo especialmente pelas mulheres. É uma onda que cresce mundialmente e à qual o Brasil dá uma grande contribuição em duas vertentes: nas redes sociais e nas ruas.
A gente passou a usar as redes sociais, participar de uma disputa de narrativas, sem esquecer que vários movimentos foram para as ruas, como a Marcha das Vadias [a primeira do Brasil aconteceu em 2011], que marcou muito. O mesmo aconteceu com o 'Ele Não', que movimentou mulheres de diversas idades e perspectivas — não foi um movimento feminista e, sim, de mulheres, mas remete bem a esse uso.
Na popularização também mora o erro: ao se fazer isso, algumas demandas são enfraquecidas.
Estamos em um momento de ascensão do feminismo liberal, uma prática dele como 'estilo de vida'. Esse feminismo sem responsabilidade coletiva — apenas individual — é vendido por meios mais potentes, como as próprias mídias hegemônicas.
De qualquer forma, não dá para ignorar que esse é um primeiro momento para muitas mulheres, que depois veem recortes e se colocam como feministas marxistas, feministas radicais, feministas negras, transfeministas.
Vejo que um dos nossos desafios, agora, é efetivar ações que já poderiam estar sendo feitas: ainda é difícil que mulheres feministas, e a prática em si, estejam mais associadas ao fazer político institucional.
E temos que estar nessa disputa, já que estamos em um Estado que se coloca como democrático. Uma das formas de institucionalizar e transformar questões de acesso a direitos pelas mulheres em políticas públicas é ocupar esses espaços. Principalmente na atual conjuntura política, com a ascensão de um governo e de um discurso de negação de direitos, com destruição de algumas políticas públicas para mulheres, com discurso que nos afeta — conservador —, que não ressalta a mulher como agente de si mesma, mas que precisa ser subalternizada à figura de um homem.
A gente viu isso no golpe de estado com a Dilma, a primeira mulher eleita. E a narrativa foi marcada com o 'Bela, recatada e do lar' da primeira-dama do Michel Temer: ele dizia que o lugar da mulher não era o do fazer político, mas nesse, que remete à boa esposa.
O governo atual reforça mais ainda isso. Temos um Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que vem com uma narrativa extremamente conservadora e que fere muitas lutas que a gente já conquistou, inclusive em relação à liberdade sexual.
Apesar disso, tenho um olhar positivo para o futuro: mulheres feministas vão assumir outros espaços, com mais poder de decisão. Não sem que precisemos lutar para que não tentem diminuir nosso tom de voz. Vamos precisar deixar nossas posições mais claras e até radicais.
Já para termos um feminismo interseccional, a gente precisa partir de uma proposta de escuta e de aprendizado, porque já existe uma produção sobre isso, acadêmica e não acadêmica, já está no debate público, em rodas de conversa. Só que nos privamos desse conhecimento, e não falo de quem nem se identifica como feminista. Digo partindo da perspectiva de que, ao nos assumirmos feministas, estamos assumindo uma responsabilidade coletiva, de uma luta histórica. Tem que conhecê-la ao máximo.
Acredito que as mulheres negras exercem papel de protagonismo no feminismo brasileiro. E vamos seguir assim, porque num país como o nosso não é possível fazer nenhum tipo de ação sem pessoas negras, mulheres negras. Somos agentes ativos em muitos contextos da sociedade. É impossível existir feminismos brasileiros sem mulheres negras participando dele. Nossa luta é a base do feminismo."
Stephanie Ribeiro é escritora, arquiteta e urbanista e ativista feminista negra. Foi um das primeiras mulheres a falar sobre o movimento nas redes sociais