"Quem tá patinando é o bonde"

Júlia Flores, de Universa, em São Paulo

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Grupo de patinadoras percorre o centro de São Paulo à noite e mostra que mulher pode, sim, ocupar espaços públicos a hora que quiser.

Durante a pandemia, vídeos de mulheres dançando em cima de patins viralizaram nas redes sociais. A prática, conhecida como roller dance, dominou o feed dos aplicativos e serviu de válvula de escape para muita gente no isolamento social. Os passos, giros e movimentos sobre rodas trouxeram leveza e maior sensação de liberdade.

O esporte voltou à moda e, em São Paulo, um grupo de mulheres se formou para ocupar as ruas recriando as coreografias tão assistidas nas telas.

Pakitas é um coletivo formado por seis mulheres e uma menina, que se reúne toda terça-feira no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, para dançar, compartilhar novos passos e fazer manobras em cima dos patins "quad", aqueles com quatro rodas. Uma das mais novas integrantes da equipe, Vitoria Albanese (à dir.), de 24 anos, patina há seis, mas conta que desde criança se locomove em meios de transporte alternativos.

"Andar pelas ruas faz parte da minha rotina há muito tempo. Comecei com o skate e depois mudei para os patins. Por mais arriscado que seja, me sinto segura sobre oito rodas. E chego mais rápido que se fosse caminhando", conta Victoria, que transformou seu estilo de vida em profissão e hoje trabalha como instrutora de patinação e de dança.

Para ela, o maior risco de ser mulher e patinar à noite, no centro, é o assédio físico e moral. "Às vezes, as pessoas passam por mim e gritam 'linda', 'gostosa'. Parece uma tentativa de me constranger", comenta.

Olhares e comentários em voz alta para as patinadoras não são raros de acontecer. "Tudo o que a mulher já passa no dia a dia, também enfrentamos no rolê", diz Mayana dos Reis, 30, bailarina e instrutora de dança.

Mulher trans, Mayana começou a patinar na pandemia. Um dia, ao ver outra praticante deslizando no Parque Ibirapuera, decidiu fazer o mesmo. Trancada em casa, começou a treinar alguns passos com vídeos que encontrava na internet. Até que decidiu encarar o asfalto. "A patinação mudou a minha vida e acho que toda mulher deveria experimentar. Pode acontecer de você cair, quebrar alguma parte do corpo, se ralar? Pode, mas a recompensa é maior", garante.

Assim como Mayana, muitas outras pessoas optaram pelo roller dance nesses dois últimos anos. No Brasil, a prática dessa e de outras atividades outdoor ganharam ainda mais força depois que a skatista Rayssa Leal levou a prata nas Olimpíadas de Tóquio em 2021. Nas semanas seguintes à conquista da Fadinha, o site Mercado Livre registrou um aumento de 50% nas vendas de skates e patins.

A executiva de logística Miriã Castimião, de 36 anos, pode dizer que tem em casa a sua própria Fadinha. Na pandemia, ela e a filha começaram a andar de patins dentro de casa. Hoje a pequena Mirielly, 8, já arrisca manobras, executa passos e chama atenção na pista de dança.

"Foi a minha filha que me inspirou. Eu comprei um modelo 'in-line' para ela, e um 'quad' para mim. Com o tempo, nós duas migramos para o 'quad'. A patinação me levou a lugares que nunca imaginei, é surreal", diz Miriã que, recentemente, adicionou uma nova ocupação ao seu currículo: a de modelo.

Por causa dos patins, ela e a filha foram convidadas para participar de campanhas publicitárias. "No começo, via pessoas dançando de patins e pensava: 'Que coisa difícil, como elas conseguem?'. Hoje aqui estou eu. A patinação me ensinou que, com constância e persistência, eu poderia alcançar qualquer coisa na vida."

Constância, por sinal, é o segredo para melhorar no esporte. A costumer service Juliana Jerônimo, de 29 anos, também só conseguiu evoluir por causa do período fechada em casa. Ela relembra que comprou seu primeiro par de patins em 2014, mas só voltou a treinar em 2019, depois de um burnout. Com o isolamento social, os treinos se intensificaram.

"Antes eu ia para a balada dançar, mas por causa da pandemia não podia mais ir a festas e comecei a fazer isso de patins, sozinha no parque. Quando veio a flexibilização e começaram os eventos, convidei algumas amigas para patinar comigo. Foi aí que surgiu o Pakitas", revela Juliana.

Segundo ela, a parte mais difícil não é o equilíbrio, mas entender os próprios limites: "Precisa se respeitar, fazer um passinho para cá, outro para lá, aceitar que você está começando. Cada uma tem seu tempo; é preciso estar em sintonia com a música. Se você não gosta de rock, por exemplo, pode desenvolver melhor suas habilidades no roller dance se patinar ouvindo um pagode".

Com rock ou pagode, a única coisa que não pode ter, na opinião de Juliana, é medo. Os arranhões, quedas e tropeços fazem parte do aprendizado. Para as interessadas no esporte, a pequena Mirielly oferece apoio. "Quem quiser patinar é só me procurar. Eu ajudo a não cair". O apoio mútuo, inclusive, é o que faz com que as Pakitas sigam ocupando o centro de São Paulo, um espaço tão hostil com o corpo feminino. Se você for ao Vale do Anhangabaú e olhar para o lado, verá o bonde das Pakitas passando.

Publicado em 5 de abril de 2022.

Reportagem: Júlia Flores;

Fotos: Analice Diniz e Pétala Lopes;

Edição: Carol Sganzerla;

Edição de foto: Lucas Lima;

Captação de Vídeo: Analice Diniz;

Edição de Vídeo: Santhiago Lopes;