"Quem procura osso é cachorro". A frase estampou um cartaz pendurado no gabinete do então deputado federal pelo Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro. A ele, cheirava mal a abertura dos arquivos da ditadura e a busca pelas vítimas fatais da ditadura militar (1964 a 1985). Dez anos depois, no último mês de abril, o já presidente Bolsonaro fechou o assunto com chave de fenda: assinou um decreto que determina o fim dos grupos de pesquisadores que analisam essas ossadas no país todo.
O principal desses grupos fica em São Paulo, chama-se GTP (Grupo de Trabalho Perus) e a equipe fixa atual de peritas na identificação é formada por cinco mulheres com funções altamente especializadas nas áreas de arqueologia, antropologia, odontologia legal e biologia genética; áreas de trabalhos tão interessantes quanto imprescindíveis em qualquer nação que respeita sua história e, sobretudo, seus mortos.
A ordem de Bolsonaro ainda não interferiu no trabalho de Marina, Talita, Maria Ana, Isabela e Aline, uma vez que o grupo delas, atuante especificamente no Cemitério de Perus, tem contrato com a federação até julho. Mas elas estão em alerta; uma vez que precisam de, no mínimo, mais um ano para concluir os trabalhos, iniciados em 2014.
A atividade, criada pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos (CEMDP) consiste em examinar 1.049 caixas com remanescentes ósseos, todos retirados de valas clandestinas de Perus, o lugar usado pelos militares para esconder os ossos de quem assassinava.
Universa acompanhou um dia de trabalho das peritas. Elas passam o dia num laboratório com cinco mesas cobertas de esqueletos. Precisam achar os corpos de pelo menos 41 pessoas. As cientistas sabem as histórias de vida detalhadas de todos eles; inclusive as dores que sentiam, uma vez que essas informações podem ajudar na identificação. "Uma vez veio um entregador de água aqui e, quando ele viu os esqueletos, foi embora rapidinho", diz Aline Feitoza, de 27 anos, a antropóloga da equipe.