A pilota Moara Sacilotti participa do Rally dos Sertões desde 1998, quando fez 18 anos. Para ela, a emoção é a mesma. Todo dia de competição, ela repete um ritual: "Coloco uma música do Metallica e me concentro. Gosto de chegar na pista com a faca nos dentes e adrenalina lá em cima".
Antes de subir na moto, ela veste o meião, a joelheira, a bota, a calça, o colete, a jaqueta, a mochila de hidratação, o capacete e a luva. Nada de maquiagem ou outro acessório. Os anos de experiência a fizeram subtrair o tempo gasto com o uniforme, que soma 12 kg de peso ao seu corpo — Moara leva cerca de 7 minutos para ficar pronta, o que a permite ouvir "Enter Sandman" e um trecho de "Nothing Else Matters" enquanto se prepara.
Por causa do desgaste físico, um piloto gasta cerca de 7.000 calorias, o que exige um preparo dos competidores. Moara riscou o álcool, o açúcar e qualquer outro alimento inflamatório de sua dieta. Por questões físicas, ela disputa a prova na categoria Moto Over 45, para homens acima de 45 anos ou mulheres de qualquer idade.
No geral, três mulheres (contra 63 homens) integram o grid de motocicleta da disputa. Quem corre de moto, corre sozinho e precisa estar de olho na planilha, no cronômetro, no GPS e ainda olhar para frente; tudo isso a mais de 100 km por hora. Para Moara, a maior dificuldade é na hora de fazer uma ultrapassagem. "Os outros motoristas não me dão passagem porque eu sou mulher. Quando eles veem que sou eu, dificultam o caminho", conta.
Esses dias estava falando com meu mecânico: 'Algum dia, queria ser homem, para eu fazer a prova e ninguém ficar me vigiando'. No final do dia, antes mesmo de eu saber meu resultado, todos já sabem em que lugar fiquei
A pilota, porém, se recusa a levar o clima tenso para fora das pistas. "Quando a gente tira o capacete, todo mundo é amigo. Eles não querem perder para mim, nem eu quero perder para eles", fala, entre risadas, tirando uma mexa do cabelo loiro bagunçado pelo vento de Pipa, litoral do Rio Grande do Norte, onde a prova começou.
Apesar da cobrança desproporcional, ela diz não sofrer assédio de outros participantes. Moara sempre competiu ao lado do pai, seu Gilberto, e agora o marido Rodolfo também integra sua equipe de apoio.
Mesmo com ótimos resultados, 21 Sertões, quatro vezes campeã nacional de rally entre os homens e vice-campeã mundial de rally feminino, ela revela enfrentar dificuldades para fechar patrocínio. Hoje a pilota recebe ajuda profissional de uma marca de lubrificantes e de uma empresa de pneu, mas ainda precisa pagar do bolso parte dos gastos.
Ela traz no corpo, além das tatuagens com símbolos do rally, marcas de acidentes. Na sua primeira prova, chegou a percorrer dois dias de competição com a escapula quebrada; também já fraturou o assoalho pélvico em um acidente que "quebrou a moto e o meu corpo ao meio, em plena Amazônia".
Apesar dos perigos, ela continuou. "É mais do que uma prova, é mostrar que as mulheres podem pilotar a própria vida, assumir o controle." Pelo sertão, ela vai espalhando sua mensagem. "Quero que esse recado chegue àquelas que nunca foram no ginecologista porque o marido não deixa", comenta, emocionada.
Nessa hora o pai de Moara revela uma informação interessante: ao longo dos percursos, a filha deixa não só um legado, como também o nome. "Sabia que tem várias crianças com o nome de Moara espalhadas pelo Nordeste? Todas em homenagem a ela." Ela concorda com a cabeça. Mulherzinha, a Moara?
Se eu fosse homem, seria apenas mais um corredor. Sempre existiu uma cobrança maior em cima de mim pelo fato de ser do sexo feminino, mas isso foi bom para melhorar meu desempenho. Uma vez, antes de começar a prova, um repórter me perguntou: 'O que uma mulherzinha está fazendo aqui?' Respondi na lata: 'Mulherzinha é o car*lho', e saí acelerando