Posta Clarice!

Escritora é a influencer que você respeita. Mas cuidado com o like: muita frase por aí é pura fake news

Giuliana Bergamo e Andressa Rovani Colaboração para Universa e de Universa

Se estivesse viva, Clarice Lispector faria 100 anos hoje, 10 de dezembro de 2020. Entre as várias homenagens que a escritora receberia, certamente muitas viriam em forma de likes e marcações com sua @ nas redes sociais. É difícil imaginar quantos seguidores essa brasileira de origem ucraniana teria, mas é possível estimar que seria algo na casa dos milhões.

A força de seus textos parece combinar com nosso desejo contemporâneo de compartilhar frases que nos resumam e criem uma persona interessante e cheia de complexidades nas redes sociais. Talvez mais que um filtro do Instagram.

E é essa capacidade, de provocar empatia ao tratar de grandes temas da condição humana, que a torna gigante - e compartilhável. No Instagram, são ao menos 20 perfis dedicados a divulgar sua obra, reunindo mais de 100 mil seguidores. Todo dia, centenas de pessoas leem uma frase da autora e deixam de lembrança um coraçãozinho no canto esquerdo do feed.

"A solidão, os desencontros, a beleza das reconciliações com a vida: Clarice toca nesse lugar profundo e tinha uma sede por isso", explica a escritora Liliane Prata, que adora compartilhar com seus 26,7 mil seguidores frases da obra de Clarice, a autora brasileira mais traduzida no mundo.

Graças à habilidade única que tinha para traduzir experiências cotidianas, como a dificuldade de uma mãe para fazer o filho comer, a obra da autora de "Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres" (1969) é mantida viva e floresce entre millennials e a geração Z.

EM TEMPO: no dia da publicação desta reportagem, os 100 anos de Clarice se tornaram um dos assuntos mais comentados do Twitter -inclusive com muitos posts em outros idiomas.

Se você quer se tornar um deles e compartilhar frases inspiradoras da maior autora do país, Universa selecionou 10 trechos que vão ficar perfeitos na sua timeline. Entre no nosso perfil do Instagram, escolha a sua frase e espalhe essa fada sensata por aí!

Marcela Scheid/UOL Marcela Scheid/UOL

Não passe vergonha no textão: a Clarice impostora

Clarice morreu bem antes de a internet ser difundida: foi vítima de câncer de ovário em 1977, um dia antes de completar 57 anos. Mas, como acontece com um seleto time de escritores, poetas e cronistas de sucesso, parte do que chega até nós tem a assinatura de Clarice, mas não é de sua autoria. Sim, o dilema das redes.

A autora é vítima de seu próprio sucesso. "Usam o nome de Clarice para assinar frases falsas porque ela, assim como Guimarães Rosa e Machado de Assis, fazem parte do cânone da literatura brasileira e, portanto, dão peso ao que é escrito. Uma coisa é um anônimo falar de amor, a outra é Clarice falar, né?", explica Liliane Prata.

"Talvez conte também o fato de ela ter sido uma autora produtiva. Então a pessoa pode pensar: quem vai descobrir que não foi ela?", diz Liliane, aos risos. Segundo o biógrafo de Clarice, Benjamin Moser, uma das frases fake mais atribuídas a ela é "Eu adoro voar" -mas elas são muitas.

Por isso, Universa checou com a editora Rocco frases da autora para você postar Clarice sem passar vergonha no textão. De quebra, a artista Marcela Scheid embalou tudo isso numa ilustração perfeita para as redes. Parte dessas frases você pode ver ilustrando esse texto, mas você também encontra no nosso Instagram.

Se preferir ir direto na fonte, melhor ainda! "A paixão segundo G.H." é um dos romances mais vendidos da autora pela editora Rocco, que detém os direitos de publicar suas obras. No livro, a protagonista despede a empregada doméstica e decide fazer uma limpeza no quarto de serviço. A incursão para fora de sua rotina civilizada faz com que ela veja sua condição de dona de casa e mãe como uma selvagem. E dá-lhe trechos de tirar o fôlego.

"A paixão segundo G.H." também é a obra predileta de atrizes famosas, em uma pequena consulta feita por Universa. A atriz Regina Casé é uma delas. "Lia vários textos da Clarice, tem muitos que eu amo. Mas 'A paixão segundo G.H.' eu lia durante o 'Recital da onça'", conta Regina, citando o monólogo em que atuou em 2019.

Marcela Scheid/UOL Marcela Scheid/UOL

A hora da estrela: seguidoras famosas postam frases perfeitas

  • Isis Valverde

    "Fortifica o que de melhor tiveres em ti. Não prestes atenção à opinião alheia. Faze de ti e de teu próprio Eu o teu mestre. Quando ele estiver bastante fortalecido, despertará e coisas jamais sonhadas te serão reveladas." (em "Todas as crônicas")

    Imagem: Reprodução/Instagram
  • Letrux

    "O leve prazer geral - que parece ter sido o tom em que vivo ou vivia ? talvez viesse de que o mundo não era eu nem meu: eu podia usufruí-lo. Assim como também aos homens eu não os havia feito meus, e podia então admirá-los e sinceramente amá-los, como se ama sem egoísmos, como se ama a uma ideia. Não sendo meus, eu nunca os torturava." (em "A paixão segundo G.H.")

    Imagem: Reprodução/Instagram
  • Sabrina Sato

    "Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento." (em "A paixão segundo G.H.")

    Imagem: Reprodução/Instagram
  • Regina Casé

    "Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes, não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro." (em "A Paixão segundo G.H.")

    Imagem: Reprodução/Instagram
Marcela Scheid/UOL Marcela Scheid/UOL
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Link na bio: a jornada de Clarice é de resistência

Clarice nasceu rompendo barreiras que até hoje são impostas ao sexo feminino, conforme conta seu biógrafo. Sua mãe foi estuprada durante um dos ataques aos judeus na Ucrânia, país de origem da família. Uma das várias consequências foi ter contraído sífilis. Pouco depois, engravidou. Na época, era muito raro que um bebê sobrevivesse à falta de saúde da mãe e, mesmo que conseguisse, o risco de apresentar sequela ou morrer precocemente era altíssimo. Mas Clarice resistiu.

Na chegada ao Brasil, seu pai passou a vender roupas como ambulante em Alagoas, onde a família se baseou. A mãe morreu quando a filha tinha 9 anos. Aos 13, Clarice decidiu que seria escritora e nunca mais abandonou o ofício. Em uma época em que pouquíssimas mulheres frequentavam a universidade, sobretudo aquelas de famílias menos abastadas, ela se formou em direito e trabalhou como jornalista.

Casada com um diplomata, passou mais de dez anos fora do Brasil e rodou o mundo.

Marcela Scheid/UOL Marcela Scheid/UOL

Lute como uma garota: Clarice seria feminista?

Sem precisar ser nominada como feminista, Clarice tem um valor imensurável para nós, mulheres. Suas personagens são majoritariamente femininas e lutam contra concepções ideológicas sobre o lugar da mulher na sociedade.

"Há insatisfações dela quanto ao lugar reservado às mulheres na estrutura familiar e na sociedade daquele momento. Estão presentes também formas através das quais o machismo transpassa sua existência no mundo assim como a existência de suas personagens femininas", acrescenta Larissa Vaz, que se debruçou sobre a correspondência histórica de Clarice para lançar o "Todas as cartas" (ed. Rocco).

E, embora a escritora estivesse muito além de seu tempo, seus romances, contos, crônicas e cartas brotam da vida típica de uma mulher de sua época. Mas não uma mulher qualquer. Ela rompia barreiras.

"Até onde sei Clarice nunca se declarou feminista. Apesar de politizada, não era particularmente ativa no feminismo enquanto movimento social, mas tanto em sua obra quanto em sua correspondência é possível identificar questões de gênero, algo que em certo sentido configura um registro histórico da condição feminina do período", explica Larissa.

Sororidade também não era um termo da época, mas poucas coisas explicam melhor o que ele significa do que as cartas que trocou com as irmãs Elisa e Tânia nesse período. Aliás, se a gente imaginar que cartas são o velho zap, a gente pode dizer que de DM Clarice entendia.

É preciso também lembrar que ela também passou por cima do obstáculo imposto às mulheres no universo da escrita. Como afirma na biografia Bejamin Moser: "Antes de Clarice, uma mulher que escrevesse durante toda a sua vida - e sobre esta vida - era tão rara a ponto de ser inaudito".

Marcela Scheid/UOL Marcela Scheid/UOL
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Não é literatura, é bruxaria

"É muito comum que algumas pessoas criem uma aversão a Clarice porque leram em um momento ruim, por obrigação escolar, por exemplo. Mas a autora merece uma segunda chance. E você também", recomenda a escritora Liliane Prata.

Escreveu sobre moda, culinária, etiqueta e outras amenidades, quando foi colunista de jornais e revistas da época. Com suas palavras, criou donas de casa diante de reflexões existenciais, empregadas domésticas, senhoras idosas desejosas, que se masturbam, que têm fantasias eróticas com o cantor Roberto Carlos.

O encantamento da veterinária Natália Costa com Clarice nasceu na adolescência. Hoje, ela comanda um dos maiores perfis de fãs da escritora no Instagram, o @claricelispectorfrases, que conta com 545 frases da autora para a felicidade dos 73 mil seguidores. "Durante a minha adolescência, comecei a me identificar cada vez mais por Clarice. Essa identificação e admiração perpetuam até hoje, e por isso me sinto na obrigação de manter essa página viva. É como se eu sentisse Clarice perto e quisesse mantê-la assim", conta Natália.

Ela observa que as pessoas interagem mais quando os trechos são pequenos. Uma das frases mais curtidas do perfil é "Liberdade é pouco, o que eu desejo ainda não tem nome". Mas, diz ela, existem muitas outras no ranking de corações recebidos.

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@ClariceLispector, corre aqui!

  • Cinema

    O filme "A Paixão Segundo G.H.", de Luiz Fernando Carvalho, protagonizado por Maria Fernanda Cândido, está pronto. O diretor diz estar à espera da vacina contra a covid-19 para estrear nos cinemas

  • Podcast

    Em comemoração ao centenário, o site da editora Rocco colocou no ar o Podcast da Clarice, com entrevistas com especialistas na obra da escritora

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  • Museu online

    O Instituto Moreira Salles abriga site sobre Clarice. São fotografias, artigos, ensaios, capas de edições antigas, além de imagens dos originais.

    Leia mais
  • Debate

    Nesta sexta, às 18h, a Livraria da Tarde, parceira da Flip, traz o debate "A vida delas daria um livro: Clarice e Ferrante" no Youtube.

    Leia mais
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