Um desafio por dia

Clarissa Garotinho quer incentivar a população a fiscalizar serviços e convidar mulheres para seu governo

Luiza Souto De Universa

Nascida em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, Clarissa Garotinho Barros Assed Matheus de Oliveira foi a primeira mulher num total de nove irmãos, filhos dos ex-governadores Anthony Garotinho e Rosinha Matheus. Jornalista, iniciou a carreira política em 2008, ao se eleger vereadora no Rio. E sem o apoio inicial dos pais políticos, preocupados com a pressão pela qual passaria.

Foi deputada estadual e recebeu o segundo maior número de votos para o cargo de deputada federal em 2014 (335 mil votos), ficando atrás apenas de Jair Bolsonaro, então do PP, e hoje presidente sem partido. A legenda de Clarissa, que faz parte do Centrão, está em franca negociação por cargos com o mandatário.

Seus pais já foram presos algumas vezes sob suspeita de compra de votos e também de participação em esquema de superfaturamento em contratos entre a prefeitura de Campos e a construtora Odebrecht —eles negam. "O meu pai comprou brigas grandes e, por isso mesmo, foi vítima de muitas incompreensões", disse ela em entrevista a Universa.

No Congresso, faz parte da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e a da Reforma Tributária, e é membro da Secretaria da Mulher da Câmara. Tricolor "em cima do muro", por causa do filho flamenguista, é evangélica e tem como hobby cantar em karaokê. "Meu poema que virou filha", declarou o pai em sua rede.

Diego Bresani/UOL Diego Bresani/UOL

As candidatas à prefeitura do Rio firmaram compromisso de manter o respeito mútuo durante a corrida eleitoral, sem agressões. Por que escolheu fazer parte desse acordo?

Pela primeira vez na disputa, vamos ter mais mulheres do que homens concorrendo à Prefeitura do Rio. É um marco importante que demonstra o crescimento da participação das mulheres na política, um movimento que sempre incentivei. É evidente que nossas diferenças programáticas e de trajetória serão pontuadas, até porque, se todas tivéssemos o mesmo pensamento, estaríamos na mesma chapa e não representando projetos diferentes. Marcar nossas diferenças é fundamental, mas também queremos um ambiente de respeito porque entendemos que chegar até aqui é um passo histórico marcante. Quem sabe se, pela primeira vez, o Rio não terá uma prefeita mulher?

Por que esse acordo foi feito apenas entre as candidatas mulheres?

É uma forma de reafirmar nosso entendimento sobre essa conquista tão importante que é o aumento da representatividade feminina.

Apoiaria qualquer outra candidata se ela chegasse ao segundo turno?

Não necessariamente. Porque não basta ser mulher para receber o nosso voto. É preciso que a nossa visão sobre o Rio de Janeiro tenha semelhanças. Eu vejo um Rio de Janeiro que precisa valorizar o cidadão e o contribuinte. Que precisa melhorar o ambiente de negócios, resgatar a confiança dos empreendedores e ter um amplo programa de geração de emprego, potencializando nossas vocações. Enfim, uma cidade mais moderna, justa e solidária.

Acredita que candidatas mulheres à Prefeitura do Rio têm objetivos e entraves comuns, independentemente do partido em que atuam?

Sim. Acredito que todas nós precisamos vencer preconceitos. A política ainda é um ambiente predominantemente masculino. Temos trabalho dobrado sempre! Talvez por isso as mulheres surpreendam tanto. É a missão de superar um desafio por dia.

Quais são suas principais propostas e o que pretende propor especificamente para melhorar a vida das mulheres?

Precisamos resgatar a esperança. O Rio só tem enfrentado más notícias. O nosso estado passou por intervenção federal e está hoje sob um rigoroso regime de recuperação fiscal. Tudo isso traz impactos inevitáveis à nossa capital. Quero modernizar a gestão pública e aumentar a transparência, empoderar o cidadão para que ele seja fiscal do transporte, informatizar o sistema de saúde, estabelecendo o prontuário único, criar um projeto habitacional ousado para reduzir o déficit e terminar obras inacabadas como a da avenida Brasil. Precisamos urgentemente ampliar as vagas em creches para que as mães possam trabalhar e quero convidar muitas mulheres para compor nosso governo e executar políticas públicas. É preciso que a gente abra espaço para o empoderamento de mulheres incríveis e inteligentes que se destacam em várias áreas de atuação.

O fato de haver seis pré-candidatas mulheres é louvável, mas você não teme que isso possa pulverizar o voto das mulheres e acabar ajudando a eleger um homem?

Não acredito nisso. A pulverização não se dá em função do gênero, mas sim do estrato político que cada concorrente representa na disputa. Se temos muitos candidatos de esquerda ou direita, de centro ou de base popular, isso sim gera pulverização.

Como pretende colocar as contas da cidade em dia, caso seja eleita?

Esse é o maior desafio da próxima gestão. Crivella passou o governo pagando os empréstimos bilionários do [ex-prefeito] Eduardo Paes, que fez obras no crediário, gerando um endividamento absurdo para a cidade [Paes contratou 22 empréstimos em oito anos à frente da prefeitura. Nove deles só começaram a ser pagos a partir de 2017, ou seja, depois que Crivella assumiu]. Por outro lado, Crivella foi incapaz, do ponto de vista fiscal, e demorou para amortizar dívidas, para renegociar taxas e, ao final do governo, está pagando juros da dívida que equivalem a mais do que o dobro da amortização [os dados foram levantados pela pré-candidata]. Além da incompetência fiscal, também não soube fazer sequer o papel de um síndico da cidade. O Rio de Janeiro está largado. Precisamos enxugar a máquina, estancar os ralos do desperdício e da corrupção, fazer auditoria em alguns contratos e renegociar a dívida da cidade para melhorar nossa capacidade de investimento.

Como acredita que a crise do coronavírus pode vir a afetar um futuro governo seu?

A recuperação da economia é fundamental. Muitos setores sofreram perdas irreparáveis, vários negócios foram encerrados definitivamente. Precisamos gerar um ambiente de confiança para novos investidores, propor alternativas fiscais para quem quer uma segunda chance e fazer um amplo programa de cooperativas, nas favelas e comunidades do Rio, para gerar trabalho. O desemprego será uma realidade que precisaremos combater. A cidade também precisa ser repensada e reinventada. O teletrabalho pode ser instituído definitivamente com escalas em alguns setores. Isso traz qualidade de vida, melhora o trânsito e é uma adequação aos novos tempos. Assim como soluções na educação. Lidar com as tecnologias e ter acesso à internet têm que fazer parte da rotina escolar dos nossos alunos. O que vimos nesse período de pandemia foi uma tragédia que deixou ainda mais evidenciada a distância entre as escolas particulares e a maioria das escolas públicas.

Vai ter Carnaval em 2021?

Ainda é cedo para avaliar. Até outubro, acho que isso ficará mais claro. Mas, no formato atual, com tantos blocos, desfiles e camarotes que geram aglomerações, será difícil se ainda não tiver uma vacina disponível para a população.

Como pretende tirar a cidade do domínio de milícias?

A segurança é uma questão sensível para o Rio de Janeiro. O combate aos grupos criminosos organizados é papel dos governos federal e estadual, que comandam as polícias e têm a responsabilidade legal sobre armas e drogas. Mas isso não significa que a prefeitura não possa fazer o seu papel no combate à criminalidade e na proteção da população. Nesse sentido, queremos armar grupamentos da Guarda Municipal, para que ela cumpra o papel que lhe cabe no Sistema Único de Segurança Pública. Queremos melhorar a iluminação da cidade, ampliar o investimento em câmeras de segurança e integrar a rede que já existe na cidade. Precisamos fortalecer programas como o Rio Mais Seguro ou Segurança Presente [programas de prevenção à desordem urbana e criminalidade] e atuar de maneira firme no acolhimento da população de rua, dando destinação adequada para cada realidade.

Como pretende diminuir os altos índices de violência contra a mulher?

Com campanhas publicitárias e disseminação de informações sobre os direitos das mulheres, sobre como fugir das amarras, além da criação de projetos que possam apoiar aquelas que precisam recomeçar suas vidas. A dependência financeira ainda é um grande entrave para muitas mulheres.

A mulher que mais marcou a política carioca nos anos recentes foi a vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018. Você teme por sua segurança?

Marielle foi assassinada, Bolsonaro levou uma facada que podia ter lhe tirado a vida. A política tem se tornado caso de polícia. Então, é claro que todos tememos. Sigo o meu trabalho, tomo os cuidados possíveis e peço a Deus que proteja a minha a vida e a da minha família. Acho que, de certa forma, esse é o sentimento mais comum a todos os cariocas.

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