Mais disposição para ouvir

Glória Heloiza quer economia criativa para mulheres, mais turismo no Rio e tecnologia para controlar orçamento

Luiza Souto Universa

Carioca de Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, Glória Heloiza Lima da Silva é filha de uma costureira e de um mestre de obras. Atuou como juíza de 1996 até março deste ano, quando pediu exoneração para disputar a prefeitura da cidade, pelo PSC, o mesmo partido do governador, Wilson Witzel. Ele, que é ex-juiz federal, se aproximou publicamente da pré-candidata no fim do ano passado.

Passou por diversos juizados e, desde 2015, era titular da 2ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da capital. Enquanto esteve no posto, recebeu reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça, proposta pelo Ministério Público do Rio de Janeiro —o julgamento foi suspenso após seu pedido de exoneração— por supostamente dificultar a participação do MP nos processos de adoção de crianças acolhidas, privilegiar os depoimentos das famílias biológicas em detrimento dos demais sujeitos do processo, entre outras.

Se eleita, quer incentivar a mulher vítima de violência a denunciar a agressão, além de incluir idosos, crianças, pessoas com deficiência e os demais vulneráveis em seu plano de segurança. "A rede de proteção e apoio tem que funcionar para todas as vítimas, e a população precisa se envolver diretamente nesse processo."

Evangélica, ela frequenta a Igreja Comunidade Batista Rio, é flamenguista e surfa nas horas vagas. "A doutora Glória Heloiza tem experiência na Vara da Infância, já fez vários casamentos comunitários. É uma pessoa empolgada com o Rio de Janeiro. Pessoa que gosta de carnaval. É religiosa. É um bom perfil", declarou o governador à "Exame" em dezembro último.

As candidatas à prefeitura do Rio firmaram compromisso de manter o respeito mútuo durante a corrida eleitoral, sem agressões. Por que escolheu fazer parte desse acordo?

Porque a política é um espaço de debate de ideias, não de ataques pessoais. O cidadão não aguenta mais brigas e trocas de acusação. As pessoas querem segurança nas ruas, criança na escola, transporte digno, médico no posto de saúde, leito no hospital. Encerrei um ciclo de 23 anos como juíza porque acredito que posso continuar a fazer justiça social na política, com diálogo, ética e respeito à lei e às pessoas, que são premissas básicas da democracia.

Por que esse acordo foi feito apenas entre as pré-candidatas mulheres?

É uma ótima pergunta para os pré-candidatos homens. Como mulher, posso garantir que é natural nossa disposição para ouvir e, principalmente, para ter empatia, se colocar no lugar do outro, algo fundamental na política.

Apoiaria qualquer outra candidata se ela chegasse ao segundo turno?

Como estarei no segundo turno, aceitarei o apoio de qualquer candidatura que abrace o meu projeto por um Rio mais humano. Quero construir o Rio do futuro, uma cidade sustentável e que funcione para atender o cidadão, que olhe pelas famílias, crianças, jovens e idosos.

Acredita que candidatas mulheres à prefeitura do Rio têm objetivos e entraves comuns, independentemente do partido em que atuam?

As diferenças programáticas são naturais, fazem parte do processo. Vejo com bons olhos a maior participação feminina na disputa por cargos eletivos, uma vez que as mulheres são maioria na população. Essa maior representatividade enriquece o debate democrático.

Quais são suas principais propostas e o que pretende propor especificamente para melhorar a vida das mulheres?

Recuperar a economia e a força de trabalho dos cariocas. Esse, sem dúvida, será o principal desafio do Rio a partir de 2021. Apoiar o empreendedorismo das famílias, principalmente as de renda média e baixa, será uma saída para gerar emprego e renda e estimular o consumo nos bairros. E a economia criativa será um dos focos da estratégia. São mais de 10 mil trabalhadores no setor na cidade do Rio, muitos deles mulheres, muitas delas chefes de família.

O fato de haver cinco pré-candidatas mulheres é louvável, mas você não teme que isso possa pulverizar o voto das mulheres e acabar ajudando a eleger um homem?

A união em torno do meu projeto para a cidade, que está sendo construído com foco total nas necessidades reais da população, sem planos mirabolantes, fará o Rio eleger a primeira prefeita de sua história: uma mulher que nasceu no subúrbio, estudou em escola pública e venceu na vida.

Como pretende colocar as contas da cidade em dia, caso seja eleita?

A Prefeitura vai precisar de criatividade para otimizar os gastos públicos. Isso se dará, por exemplo, com o uso da tecnologia para ampliar o controle sobre o orçamento e com o aumento ou mesmo a manutenção da arrecadação, sem reajustar ou criar impostos. Projetos técnicos, eficientes e sustentáveis também são uma alternativa para obter investimentos e firmar parcerias com o setor privado e organismos nacionais e internacionais, de acordo com os objetivos sustentáveis da ONU.

Como acredita que a crise do coronavírus pode vir a afetar um futuro governo seu?

Os efeitos dela já são concretos. Se eu for eleita, terei um foco: fazer mais com menos. O dinheiro será curto, mas isso não será desculpa. Vou recuperar a aprendizagem dos alunos da rede municipal, fazer a estrutura de saúde existente funcionar, incentivar o turismo, enfrentar os problemas de mobilidade urbana, zelar pela sustentabilidade e ampliar a atuação da prefeitura na segurança pública. O Rio precisa se tornar uma cidade inteligente para se recuperar dos efeitos da pandemia.

Vai ter Carnaval em 2021?

Defendo que haja Carnaval quando houver uma vacina contra o novo coronavírus acessível a todos. Porém, mais que uma questão de calendário ou de saúde pública, o Carnaval é um traço forte da cultura carioca e, principalmente, é fundamental para nossa economia. Emprega milhares de pessoas, movimenta bilhões de reais, traz milhões de turistas para a cidade. Se eu for eleita, o Carnaval terá meu total apoio, com diálogo e transparência.

Como pretende tirar a cidade do domínio de milícias?

A força do poder público é maior do que a do crime. É preciso união de todas as esferas —União, Estado e Município, Ministério Público, Poder Judiciário— para combater as organizações criminosas. A prefeitura deve implementar o conceito de segurança cidadã, assumindo o protagonismo no segmento primário e preventivo.

Como pretende diminuir os altos índices de violência contra a mulher?

Incentivando a mulher vítima de violência a romper a barreira do silêncio. Vamos fortalecer a rede de proteção a essas vítimas, junto com a Polícia Militar e o Ministério Público. Investir em educação também é uma forma de transformar a realidade dessas mulheres. Agora, é importante ressaltar que idosos, crianças, deficientes e outras pessoas mais vulneráveis também sofrem violência. A rede de proteção e apoio tem que funcionar para todas as vítimas, e a população precisa se envolver diretamente nesse processo, multiplicando canais de informação e denunciando os casos de violência às autoridades.

A mulher que mais marcou a política carioca nos anos recentes foi a vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018. Você teme por sua segurança?

Como cidadã, claro que a violência assusta. Mas esse é um problema complexo que precisa ser enfrentado pela União entre os governos federal, estadual e municipal. Como agente política, não temo, pois defendo um projeto que vai fazer o carioca voltar a sentir orgulho da sua cidade, que eu vou resgatar do abandono. O Rio vai voltar a sorrir. Isso me dá esperança.

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