lugar de mulher é todo lugar

Única a comandar a polícia do Rio, Martha Rocha quer projetos específicos contra violência de gênero

Luiza Souto De Universa

Filha do meio numa família de pais portugueses, Martha Mesquita da Rocha foi criada com vista para a igreja da Penha, na zona norte, famosa pelos 382 degraus da escadaria principal, e é devota de Nossa Senhora.

Professora e formada em direito, trabalhou por 30 anos na polícia civil e foi a única mulher a comandar a corporação no Rio de Janeiro, de 2011 a 2014. Acumula pelo menos 10 ameaças de morte, desde 2007, quando era titular da 28ª DP (Campinho), área de atuação da milícia. Em janeiro de 2019, o carro blindado que levava ela e sua mãe, de 88 anos, à missa foi alvejado com tiros de fuzil, e o motorista acabou atingido na perna.

Participou do projeto de criação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), enquanto delegada, e, em seu segundo mandato como deputada estadual, já foi presidente da Comissão de Segurança Pública, do Conselho de Ética da Alerj e da CPI do Feminicídio. Tem como vice o ex-presidente do Flamengo Eduardo Bandeira de Mello (Rede), indiciado pela Polícia Civil como um dos responsáveis pelo incêndio no Ninho do Urubu, que matou dez adolescentes das categorias de base do Flamengo em fevereiro de 2019. Entretanto, o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) devolveu o processo à delegacia responsável para que inconsistências na investigação fossem sanadas.

Vascaína e católica praticante, a deputada costuma cozinhar para amigos e familiares. "Ela já prendeu muito bandido, é dura como beira de sino e ilumina os olhos quando fala do nosso povo", descreve o vice-presidente do PDT Ciro Gomes, numa conversa com a pré-candidata publicada em seu Twitter.

As candidatas à prefeitura do Rio firmaram compromisso de manter o respeito mútuo durante a corrida eleitoral, sem agressões. Por que escolheu fazer parte desse acordo?

Esse compromisso foi naturalmente construído com todas as candidatas porque temos o objetivo em comum de fortalecer a cidadania feminina. Está na hora de demonstrar que política pode ser feita com diálogo e respeito apesar das diferenças ideológicas.

Por que esse acordo foi feito apenas entre as candidatas mulheres?

Pela própria natureza, as mulheres desde sempre foram treinadas para cuidar. Então é possível que mulheres candidatas tenham divergências, mas conduzam suas campanhas apenas no campo das ideias.

Apoiaria qualquer outra candidata se ela chegasse ao segundo turno?

Digo sempre que não busco o voto apenas por ser mulher. Sou mulher, mas estou preparada para conduzir a cidade do Rio de Janeiro. Se, no segundo turno, houver uma mulher que tenha compromisso com educação, saúde e queira uma cidade sustentável, com enfrentamento das desigualdades sociais, entre outros compromissos, terá o meu voto.

Acredita que candidatas mulheres à prefeitura do Rio têm objetivos e entraves comuns, independentemente do partido em que atuam?

Somos mais de 50% do eleitorado brasileiro e menos de 20% de mulheres eleitas. Isso demonstra que é preciso fortalecer as candidaturas femininas, abolindo a figura da candidata laranja que, além de ser uma prática ilegal, serve para perpetuar o poder masculino. Lugar de mulher também é na política.

Quais são suas principais propostas? E o que pretende propor especificamente para melhorar a vida das mulheres?

Queremos construir uma cidade mais humana, com oferta de serviços públicos de qualidade. E também uma cidade mais segura, com o direito de caminhar por nossas ruas com mais tranquilidade. Queremos, ainda, uma cidade mais equilibrada, onde os direitos e as oportunidades estejam acessíveis a todas e todos. É importante pensar numa cidade mais criativa, que aproveite todas as possibilidades abertas pela sociedade do conhecimento na busca por um modelo de desenvolvimento contemporâneo e inclusivo. Nossa plataforma para a melhoria das condições de vida das mulheres cariocas passa pela oferta qualificada e especializada de serviços em saúde da mulher, com a adoção de projetos específicos de combate à violência sexista e atendimento humanizado pelos órgãos de segurança. Vamos investir também na abertura de oportunidades econômicas visando a redução das disparidades entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Queremos, ainda, estimular a formação profissional e a ampliação das oportunidades educacionais e culturais para as mulheres, de modo a afirmar que, na cidade do Rio, cada vez mais, lugar de mulher é em todo lugar.

O fato de haver seis pré-candidatas mulheres é louvável, mas você não teme que isso possa pulverizar o voto das mulheres e acabar ajudando a eleger um homem?

Toda candidatura é legítima. Não me parece ser possível unificar essas candidaturas, até porque a impossibilidade de coligação nas candidaturas proporcionais impõe que os partidos busquem uma candidatura própria para impulsionar a eleição de vereadores. Acho positiva a presença de diversas mulheres na condição de candidatas majoritárias.

Como pretende colocar as contas da cidade em dia, caso seja eleita?

A situação financeira do Rio demanda uma gestão responsável e equilibrada, capacidade de articulação junto aos governos estadual e federal, racionalização dos gastos e adoção de ações e estratégias ousadas que contribuam para a recuperação econômica da cidade no pós-pandemia. Devemos ainda adotar medidas realistas de aperfeiçoamento da arrecadação, sem aumento de impostos, e buscar um modelo de gestão transversal, que evite a sobreposição de esforços, aumente a eficiência da máquina pública e promova a colaboração entre os diversos órgãos responsáveis pelas políticas públicas.

Como acredita que a crise do coronavírus pode vir a afetar um futuro governo seu?

O novo normal é algo ainda desconhecido por todos nós. O futuro pós-pandemia será um difícil desafio para todos os gestores. Sendo assim, mais do que nunca, políticas públicas eficientes e objetivas são fundamentais.

Vai ter Carnaval em 2021?

O Carnaval é a cara do Rio. Mas, neste momento, a saúde e a preservação da vida são os fatores mais importantes. Sem vacina, não seria prudente a realização do Carnaval.

Como pretende tirar a cidade do domínio de milícias?

A milícia deixou para trás o kit gás, o gato ou a venda de segurança. Hoje, ela é empreendedora. O combate às milícias pressupõe uma ação coordenada entre os três níveis de governo, a mobilização das polícias civil, militar e federal, o uso de inteligência e a adoção do policiamento de proximidade nas regiões dominadas pelo medo imposto pelas milícias. E a prefeitura precisa desempenhar um papel ativo nesta articulação, oferecendo suporte às ações policiais, ampliando a fiscalização de obras e serviços prestados por grupos criminosos. É preciso assegurar o ordenamento urbano e inibir a prática de condutas ilícitas nos espaços públicos da cidade, contribuindo para a asfixia financeira destes grupos criminosos que atuam contando, muitas vezes, com a omissão dos órgãos municipais.

Como pretende diminuir os altos índices de violência contra a mulher?

A redução dos índices de violência contra a mulher passa pela ampliação da capacidade de resposta do poder público, que envolve o incremento das ações de prevenção e repressão qualificada a condutas violentas, o aperfeiçoamento do atendimento à mulher vítima de violência, o uso de inteligência e a garantia de medidas protetivas e de acolhimento. É preciso ainda capacitar agentes públicos nas áreas de saúde, educação e assistência social para a pronta identificação de situações de violência doméstica e familiar e garantia de atendimento adequado em todas as portas de entrada da administração municipal. Parcerias com as polícias civil e militar são fundamentais, visando a melhoria do policiamento em áreas estratégicas e a investigação em situações críticas de ameaças e agressões.

A mulher que mais marcou a política carioca nos anos recentes foi a vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018. Você teme por sua segurança?

Já fui vítima de um atentado, em 2019, quando ia para a missa com a minha mãe. Meu carro foi alvejado por vários tiros, e o motorista, ferido. Desde então, vivo com escolta oficializada. Aprendi a conviver com isso, já são mais de dez denúncias de ameaça de morte.

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