O silêncio da bateria
Como fica a vida das rainhas das escolas de samba em um ano sem Carnaval?
Como fica a vida das rainhas das escolas de samba em um ano sem Carnaval?
Em 2021, a Sapucaí e o Anhembi estarão vazios. Os desfiles das escolas de samba foram cancelados por causa da pandemia do coronavírus. Se os foliões já estão decepcionados com a notícia, imagina para aquelas que têm no samba a maior razão de viver. Universa conversou com quatro rainhas de bateria: Savia David, da Unidos de Vila Maria, e Valeska Reis, da Império de Casa Verde, de São Paulo e Evelyn Bastos, da Mangueira, e Bianca Monteiro, da Portela, do Rio de Janeiro, sobre como isso impactou a vida delas.
Quando a Covid chegou ao Brasil, pouco depois do Carnaval de 2020, Savia, rainha de bateria da Unidos de Vila Maria, acendeu o alerta vermelho. Ela, que desfila pela escola da escola da Zona Norte de São Paulo há quatro carnavais, isolou-se com o marido e os dois filhos em Ilha Grande (RJ) logo no começo do lockdown. Foi lá que descobriu um novo hobby que preencheu a agenda esvaziada: passou a dedicar-se a esportes ao ar livre, entre eles o remo. Isso ajudou a advogada de 33 anos a manter o condicionamento físico.
Savia, que também desfila como musa da Beija-Flor de Nilópolis há 13 anos, é a favor do cancelamento dos desfiles. "Em uma grande manifestação como o carnaval é impossível de se controlar o vírus." Para a noite do próximo sábado, data em estaria na Sapucaí, Savia já tem planos. "Vou olhar vídeos antigos para matar a saudade, botar um sonzinho, sambar e ter na minha mente que, se Deus quiser, em 2022 eu vou estar sambando muito no Anhembi e na Sapucaí junto com as minhas famílias.
À frente da bateria da Império de Casa Verde há 10 anos, Valeska Reis também é assistente de palco do programa "A hora do Faro", da Record. Por isso, não ficou parada: "Tenho meu trabalho paralelo na TV, mas o carnaval sempre foi presente na minha vida. A cada final de semana que chega, eu fico com aquela sensação de 'poxa, hoje eu não vou me arrumar de tarde para ir para o samba, não vou poder dançar, nem ver amigos'. Essa é a hora que o isolamento pega mesmo", desabafa.
Valeska consegue ver, pelo menos, um lado positivo no cancelamento dos desfiles. A paulistana de 32 anos conta que, nesse ano, vai fazer algo que sempre quis, mas nunca conseguiu: ir para a praia durante o feriado. Para o ano que vem, ela tem esperança: "Torço para que voltemos para a avenida. Acho, inclusive, que devemos ter mais dias de festa para tirar o atraso. Vai ser um momento de rever pessoas, extravasar, comemorar a vida... Comemorar a vida vai ser o grande sentido do carnaval de 2022."
A rainha de bateria Evelyn Bastos é um dos nomes mais populares do carnaval carioca. Ela que representa a Estação Primeira de Mangueira desde 2014 e desfila pela Sapucaí há 23 anos, diz que o isolamento em si não foi algo que a afetou diretamente, já que, enquanto educadora física, costumava trabalhar de casa com consultorias online. "O que mais sinto é a ausência dos ensaios e da preparação para o carnaval", comenta.
Para Evelyn, a situação é triste. "A sensação de não ter desfile afeta diretamente o meu emocional. Desde que eu me dou conta por gente o carnaval existe na minha vida, então isso me causou um vazio. Quando confirmaram que não teria o evento, eu busquei ver da melhor forma possível. Acredito que o carnaval de 2022 será o melhor das nossas vidas", diz a rainha de 27 anos.
Fora isso, Evelyn fala que desde o começo das medidas de segurança adaptou a rotina de treinos e exercícios ao que se chama de "novo normal". A parte física não foi afetada e agora dedica-se a ter um contato maior com a natureza e à meditação. "Busquei fazer atividades em nome da minha saúde mental", diz.
Filha de um diretor de harmonia da Portela, Bianca Monteiro, rainha da Portela há 4 anos, se criou na escola de samba e tem música no sangue. A dança, inclusive, é a sua principal companhia durante o isolamento social. "Minha atividade física tem sido dançar. Perdi uma tia com Covid, estou com outra com câncer. Estou me dedicando a cuidar dela. O exercício físico não tem importância nesse momento", diz.
Consciente dos riscos da pandemia, a bailarina tem um posicionamento crítico sobre a volta do carnaval antes da vacinação em massa. "A Portela é uma escola com muitos idosos, é uma escola com uma Velha Guarda presente, forte, é a nossa raiz. Como faríamos sem eles?", questiona.
Ela, assim como Savia, Valeska e Evelyn, está se guardando para quando o carnaval de 2022 chegar. "Carnaval é amor, empatia, igualdade e respeito. A gente vai colocar isso em prática em 2022. Acho que vai ser um carnaval da renovação. Por agora, só precisamos de paciência", comenta emocionada.
Publicado em 12 de fevereiro de 2021.
Edição: Bárbara dos Anjos Lima
Edição de Imagem: Lucas Lima
Reportagem: Júlia Flores
Retratos: Pryscilla K (Valeska Reis) e Ricardo Borges (no Rio de Janeiro)