Olá, Ceciliers
"Até coloquei um look bem Santa Cecília", diz a produtora de conteúdo Naetê Andreo, 25, ao abrir a porta do apartamento onde mora, na rua da Consolação. Ela veste uma camiseta listrada "bem colorida" e meias altas. Da sua varanda tem-se uma vista privilegiada da área que abrange Vila Buarque e Santa Cecília e concentra, no centro de São Paulo, uma geração de jovens "Cecíliers".
No som, muita música brasileira. No piso, o taco de madeira indica algumas décadas já vividas pelo imóvel. A roupa, acrescenta Naetê, foi comprada no brechó.
Para fechar a lista de itens essenciais, tem ela: uma samambaia. (Ou tinha, porque elas insistem em morrer). Para refletir a alma do bairro, também é de bom gosto conversar sobre temas como feminismo, masculinidade, questionar a monogamia, discutir acesso à cidade, arquitetura e música brasileira. Troque a cerveja artesanal pelo custo-benefício do litrão. Compre roupas no brechó. Resista ao cardápio "gourmet" enfiado goela abaixo por áreas nobres da cidade e o substitua por um prato vegetariano. Se puder, orgânico. Tudo muito diferente daquela outra reportagem.
Naetê é influenciadora digital e criou um perfil no Instagram para alugar a própria casa para ensaios fotográficos. Entre os atrativos da vizinhança, ela apelidou de Tinder a feira de domingo na rua, em frente à Igreja de Santa Cecília, uma construção do final do século 19. "Mas ainda não dei nenhum match, acho que estou usando esse Tinder errado", brinca ela e já acrescenta a classificação: os homens da sua região são "esquerdomachos".
'Me encontra no Largo?'
Nos últimos cinco anos, os novos moradores da região -delimitada de um lado por Higienópolis e por outro pelo Minhocão- seguem mais ou menos a essa cartilha. São jornalistas, publicitários, designers, atores, arquitetos, músicos e quem não quer ou já desistiu de ter uma carteira assinada para bancar o aluguel — que, aliás, só sobe.
O bairro permite que se ande a pé entre construções históricas e prédios antigos e, com um pouco de fôlego, se chegue ao vizinho e refinado Higienópolis. Conta ainda com facilidades como duas estações de metrô e avenidas de fácil acesso a pontos centrais da capital, além de respirar um clima boêmio com charme antigo. E tem um polêmico Minhocão.
Os Santa Ceciliers, ou, pela junção dos bairros, "Cecibus" como preferem ser chamados, moram em apartamentos construídos desde a década de 50. O chão de taco de madeira é não só resistência, mas um amuleto contra a frieza do mercado imobiliário da capital com seus pisos de porcelanato.
Por dentro, esses apartamentos abrigam, além dos Cecibus, plantas, geralmente penduradas nas paredes, e gatos. Durante o dia, dezenas deles dormem nos alpendres das janelas, escorados nas redes de proteção e desinteressados sobre as mudanças que seus donos promovem no bairro abaixo.
Em 2017, a Santa Cecília possuía 90 mil pessoas. A prefeitura paulistana projeta que 115 mil pessoas vivam no bairro em 2040, o maior crescimento proporcional entre todos os oito distritos que formam o centro de São Paulo.