Fera de batom

Milionária, pansexual, ex-cancelada e agora, mãe. Bianca Andrade, o cérebro por trás do império Boca Rosa

Isabella Marinelli Editora-assistente de Universa Julia Rodrigues/UOL

Nos corredores do colégio estadual Júlia Kubitschek, no centro do Rio de Janeiro, uma menina arteira chamava a atenção da coordenação. Sempre usava um batom de cor vibrante nos lábios — uma mistura que fazia de um tom vermelho com lápis branco. Por causa da maquiagem, ficou conhecida como a "maluca da boca rosa".

Aos 16 anos, quando decidiu também tentar cavar um espaço como youtuber dando dicas de maquiagem, Bianca Andrade não teve dúvida: usaria o apelido da escola. "Pensei: 'boto maluca da boca rosa? Acho que só Boca Rosa pega mais'. Era a minha veia marqueteira quando eu nem fazia ideia do que era isso", conta a Universa, em entrevista por videochamada da casa onde vive em São Paulo.

A adolescente de origem simples, nascida e criada na comunidade da Maré, no Rio, que passava horas procurando barganhas nas perfumarias e ensinava truques de maquiagem usando uma colher para curvar os cílios, mal podia imaginar que dez anos depois seu rosto e nome se tornariam um império. A marca Boca Rosa Beauty faturou R$ 120 milhões só em 2020 e a própria Bianca é um fenômeno das redes sociais: são 15 milhões de seguidores no Instagram e seus vídeos no YouTube chegam a 390 milhões de visualizações.

Hoje, aos 26, é diretora criativa de sua marca de maquiagem, também assina uma linha de produtos para cabelo, a Boca Rosa Hair, e é CEO da Boca Rosa Produções, empresa de conteúdo audiovisual, que já produziu o Boca a Boca, um programa de entrevistas apresentado por ela mesma na internet. "Loja onde tem a minha linha de beleza na prateleira, ela é a mais vendida", diz.

Mas quem constrói uma carreira baseada em presença digital sabe que não está imune às polêmicas. Bianca já foi cancelada inúmeras vezes — em uma delas, por ter creditado o corpão à reeducação alimentar, quando na verdade, havia feito uma lipoaspiração. As pedradas só aumentaram após ganhar projeção nacional participando do "Big Brother Brasil" (Globo) em 2020.

Houve uma época em que era moda falar mal da Boca Rosa, isso 'dava cliques'. Passei por isso em 2017 e continuei vivendo um ano estressante em 2018. A partir dali, aprendi a me posicionar

Grávida de oito meses de seu primeiro filho, do casamento com o ex-jogador de futsal e youtuber Fred, do canal Desimpedidos, diz que aprendeu a lidar com o "hate" da internet. E conta que, na gestação, lida com bom humor diante dos altos e baixos da autoestima e o ideal de beleza. "Apareceu uma espinha? Eu taco reboco na minha cara mesmo e vamos embora", ri.

"Saí da favela para ir tomar café da manhã com a Ana Maria Braga"

Inspirada pela maquiadora Andreza Goulart, que produzia tutoriais para o YouTube, Bianca gravou os primeiros vídeos de maneira totalmente caseira. Na época, em 2011, tinha apenas uma câmera filmadora digital, que arrematou juntando o que ganhava como garçonete no bufê de festas da mãe, Mônica.

"Quando a gente não tem tantos recursos, precisa de inteligência e criatividade. Pintei meu quarto, compramos alguns enfeites para o fundo", conta.

Para fazer os vídeos, eu colocava uma tábua de passar roupas como tripé para apoiar a câmera. Montava a minha luz, gravava e editava. Sempre fui autodidata. A minha mãe me chamava de MacGyver

À época, a profissão de criadora de conteúdo digital sequer era consolidada. "Não tinha cachê, era só um hobby feito com amor. O primeiro dinheiro que caiu na minha conta veio da plataforma. Olhei e pensei: 'Ué? Dá para fazer dinheiro com isso? Vou gastar tudo em maquiagem'", lembra. E gastou então R$ 500 com itens importados da M.A.C, marca canadense de maquiagem.

Dois anos depois, Bianca já era uma blogueira conhecida quando foi chamada a participar do "Mais Você" (Globo). "Fui a primeira influenciadora convidada para ir ao programa... Saí da favela para tomar café da manhã com a Ana Maria Braga. Não tinha nem celular com câmera para fotografar e postar!"

A partir dali, conta, passou a ser conhecida também por um outro público que não apenas o dos fãs de maquiagem. Com a notoriedade, aprendeu que poderia fazer do passatempo uma carreira. E passou a negociar valores e negar contratos baseados em permutas de produtos.

Com alta produção e participação de marcas, o canal foi ganhando espectadores e rendendo lucros. Aos 21 anos, Bianca comprava o primeiro apartamento à vista.

Julia Rodrigues/UOL Julia Rodrigues/UOL

Corpão não era reeducação alimentar, mas lipoaspiração

Com a pouca maturidade adolescente e um alcance grande, a carioca aprendeu a duras penas que era responsável por tudo o que falava no ambiente digital e que não tinha como controlar a reação do público.

Em 2017, durante uma live no Facebook de uma rádio, Bianca não sabia que estava sendo gravada e perguntou à mãe o que deveria responder caso falassem "da lipoaspiração". Até então, ela exibia nas redes sociais sua nova forma física creditando a mudança à reeducação alimentar, e não à cirurgia. Após muitas críticas, ela decidiu dar uma explicação a seus seguidores.

"Fui cancelada quando isso nem era moda. No passado, eu tinha muita dificuldade para me posicionar. É difícil fazê-lo quando você está sendo atacada, porque dói, mexe com o psicológico", fala.

Tomei essa porrada na época. Depois entendi que, se um público te segue e você tem influência sobre ele, precisa de responsabilidade

A partir das justificativas, conta que decidiu seguir em frente. Aprendeu a ignorar comentários quando eles já não faziam sentido.

Julia Rodrigues/UOL Julia Rodrigues/UOL

Falta de sororidade no BBB: menos 200 mil seguidores

No fim de 2019, quando a Globo se preparava para fazer pela primeira vez uma edição do "Big Brother Brasil" com pessoas famosas, Bianca, com a força de seus milhões de seguidores, foi convidada a integrar o elenco do reality. Topou participar, conta, porque enxergou no programa a maior vitrine que poderia ter para sua linha de maquiagem.

Antes de ser confinada com os outros participantes do BBB20, esquematizou postagens simultâneas nas redes sociais, pensou nos looks e desenvolveu embalagens sem logotipo para que a produção não aplicasse fita adesiva por cima.

No desenrolar do programa, se viu, mais uma vez, "cancelada". Seu erro perante o público: ter se posicionado a favor do grupo de homens, acusados de atitudes machistas pelas outras sisters. A suposta falta de sororidade a fez perder mais de 200 mil seguidores. Nas redes sociais, suas atitudes no BBB, como a de chorar bastante, foram consideradas jogadas de marketing para vender seus produtos.

Desde o primeiro momento no BBB, entrei como empresária. Muita gente pergunta se eu chorava de propósito para mostrar que a minha maquiagem é resistente

Ela conta que aprendeu muito participando do reality, mas que sofreu ao sair e encarar, mais uma vez, o tribunal da internet. "Sou outra pessoa após o BBB. O programa me apresentou questões que eu não tive acesso na minha época de colégio e percebi que estava mais do que tarde para entender. Hoje não toparia ir, mas, se fosse, teria outro posicionamento."

Julia Rodrigues/UOL Julia Rodrigues/UOL

Mãe pansexual à espera do "baby Cris"

Poucos meses depois de sair do BBB, Bianca, que já havia se relacionado também com mulheres, revelou ser pansexual, alguém que tem atração por todos os gêneros.

"Nem eu sabia o que eu era. Quando eu fui responder uma entrevista, perguntaram 'Você é bi, como descobriu?' E comecei a lembrar como eu descobri. E aí pensei: 'pera', não é pelo gênero, não é por ser homem ou mulher, é pela pessoa", recorda.

Quando fui estudar um pouco sobre isso, vi que pansexual é o que me caracterizava mais

Nesse mesmo período, enquanto entendia sua sexualidade e mantinha uma agenda de compromissos após o reality, a empresária reencontrou um amor antigo, o youtuber e jornalista esportivo Bruno Carneiro Nunes, o Fred do canal Desimpedidos. Os dois se conheciam havia quatro anos e eram amigos.

"Sempre gostei muito dele, mas não assumia. Mantinha uma postura de 'sou uma mulher independente, eu não preciso de homem para nada, eu nem gosto de homem." Mas o amor e as experiências de ambos, afirma, falaram mais alto. "Entendemos que estávamos completamente apaixonados e fazendo planos — essas coisas de filme, que hoje pago a língua. Foi tão sincero que temos uma casa, animais e posts com selfiezinha apaixonados."

Da união dos dois, veio o "baby Cris", apelido do bebê que deve nascer em meados de julho e que já é conhecido nas redes, como os pais. Bianca e Fred fizeram o "chá revelação" do sexo do bebê em pleno estádio do Maracanã, no Rio — momento obviamente registrado e compartilhado nas redes sociais.

Mas a intenção do casal, segundo ela, é manter o trabalho na internet longe dos momentos a dois. "Quando pinta uma publicidade, a gente faz com o maior prazer, mas isso vem em segundo plano na nossa vida. Sempre conversamos que em primeiro lugar vem quem somos sem câmera, nem nada. Só depois entram o Fred homem de negócios e a Bianca mulher de negócios", diz.

A maturidade que Bianca vem tecendo há anos só ganha força com a maternidade.

Vivo uma fase leve, muito feliz, porque eu estou escolhendo o que mostrar para as pessoas. Ao mesmo tempo, elas também entenderam o meu espaço. Cada vez mais tenho sentido paz na minha vida, que é minha prioridade, principalmente agora com meu bebê

Julia Rodrigues/UOL Julia Rodrigues/UOL

Leia também:

Rodolfo Magalhães/Divulgação

"Agora sou inspiração"

Ludmilla se reconhece como ícone para pretas e lésbicas e fala de encontro com Deus

Ler mais
Lucas Seixas/UOL

Meu escritório é na praia

Criadora dos biquínis e das festas mais badaladas do Rio, Lenny Niemeyer conta como um aneurisma deixou boas sequelas

Ler mais
Julia Rodrigues/UOL

Simplesmente Angélica

Aos 46, ela diz que marca namoro na agenda --com vibrador como aliado-- e jura que política não é tema em casa

Ler mais
Topo