Deborah está chamando...

Direto de sua casa, Deborah Secco fala como o isolamento social tem mudado seus dias

Bárbara dos Anjos Lima da Universa, via Zoom Jorge Bispo/UOL

Alexia, a atriz um tanto perua rebatizada de Josimara depois de presenciar um crime na novela Salve-me Quem Puder, ficaria chocada em saber, mas seus longos cabelos estão em uma gaveta na casa de Deborah Secco. Os fios do aplique foram cortados por sua intérprete com a ajuda de Hugo Moura, marido de Deborah — e estão bem guardados esperando o cronograma de gravações da novela voltarem ao normal.

Dia 17 de março, Deborah Secco estava no Projac trabalhando quando a Globo interrompeu as atividades do núcleo de teledramaturgia por causa da pandemia do coronavirus. Desde então, Deborah praticamente não sai de casa. Passa os dias alternando com o marido os cuidados da casa e a atenção à filha Maria Flor, de 4 anos. Na verdade, a parte dos cuidados da casa tem ficado mais com Hugo. "Ele manda muito melhor do que eu nessas coisas de limpeza. Parece que meu corpo não obedece as ordens da minha cabeça. Em dois minutos já estou derrubando, quebrando, estragando alguma coisa. Então fico mais com a parte de acompanhar a Maria, dar banho, auxiliar nas lições da escola."

A família tem se dividido entre o apartamento na Barra da Tijuca e uma casa na praia, mas Deborah só sai de casa para entrar no carro — é o marido quem vai ao supermercado e à farmácia. "A quarentena serviu pra uma coisa: eu tenho certeza absoluta e agradeço todos os dias por ter escolhido o Hugo para dividir essa vida comigo."

No dia em que conversou com Universa, o Brasil tinha acabado de ultrapassar as 23 mil mortes por conta da Covid-19 e Deborah estava atenta as notícias, muito preocupada com o futuro do país. Os trechos da conversa com Deborah que você lê a seguir marca a volta da seção Sem Filtro, um espaço dedicado a grandes entrevistas, redesenhada para os tempos de isolamento social. A entrevista foi feita pelo zoom (veja a íntegra no Youtube de Universa) e a sessão de fotos clicada por Jorge Bispo via videochamada.

Nada expressa a dor desse momento

"Esse período será marcado em mim pra sempre, mas alguma coisa faz com que a gente continue"

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Sem tempo, irmão

Deborah não se encaixa no perfil dos "hiperativos da quarentena". Praticar exercícios físicos está longe da lista de prioridades. No máximo, procura roteiros para uma futura personagem — sua meta é voltar a trabalhar com cinema quando a filha completar 5 anos —, mas a verdade é que não tem conseguido se dedicar a nada que não seja a Maria. "Eu entendo que quem não tem filhos está usando esse momento para se autoconhecer. Mas a Maria exige atenção 24 horas por dia. Ok, 14 horas, porque ela dorme dez. Mas quando está acordada ela pede atenção absoluta."

Maria Flor está adorando esse período de quarentena. Em tempos normais, Deborah cumpre uma agenda puxada de trabalho. Como protagonista de novela, dedica cerca de 11 horas por dia às gravações — sem contar campanhas publicitárias e eventos. "Chego em casa a tempo apenas de ler uma historinha e a colocar para dormir. Então, agora ela está muito feliz em estar com a gente. Mesmo sentindo um pouco de tédio, ela tem a mãe e o pai só pra ela."

Deborah e o marido fazem combinados nos momentos em que o outro precisa se isolar. Durante esta entrevista, por exemplo, pai e filha desceram para andar de patinete na área comum do condomínio. Ela também se isola da família durante as sessões semanais de terapia via FaceTime. "Fora isso, é muito difícil. A gente de fato não tem tempo sobrando, porque um segundo que se tira o olho da criança é um desastre que acontece", diz, rindo.

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Amor de quarentena

Deborah e Hugo, que também é ator, estão juntos há 5 anos. Faça as contas e verá que no relacionamento deles tudo aconteceu muito rápido. Dois meses depois de começarem a namorar, ela já estava grávida.

E aí veio o período mais difícil que viveram até hoje. "Minha vida virou um inferno. Eu tive depressão durante a gravidez." Quando descobriu que esperava Maria, Deborah estava gravando Verdades Secretas (2015) e teve que abandonar a produção. Com isso, pela primeira vez em muitos anos, passou um longo período sem trabalhar.

"Eu me sentia feia, ciumenta, insegura. Achava que ele iria me largar por alguém mais nova." Hugo é 11 anos mais novo que Deborah, mas aquele foi o único momento em que a diferença de idade a incomodou. "O Hugo conta que ficou na dúvida sobre quem era a 'verdadeira Deborah': se a de antes de engravidar ou se aquela grávida chatíssima", conta, aos risos. Mas as dúvidas desapareceram assim que Maria nasceu. "Quando cheguei no quarto após o parto eu já era outra mulher. Mas foram nove meses bem difíceis pra gente."

Puerpério, noites mal dormidas, filha pequena. Nada, depois disso, abalou a vida do casal. Nem a quarentena. "Eu tenho me apaixonado mais. A gente combina muito, ele me traz muita paz. E também acho ele lindo, gostoso, delicioso, tenho um puta tesão nele", diz. O tempo de isolamento só serviu para reforçar a parceria. "Eu agradeço todos os dias por ter escolhido o Hugo para dividir essa vida comigo. Se eu estivesse aqui com qualquer outro cara, de todos que que me relacionei antes dele, isso aqui seria um inferno."

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Conto de fadas adaptado

Deborah já havia se casado duas vezes: com o diretor global Rogério Gomes, o Papinha (de 1997 a 2001), e com o ex jogador de futebol Roger Flores (de 2007 a 2013). A atriz sempre foi muito aberta a falar de seus relacionamentos e estampou diversas capas de revista contando sobre sua vida amorosa.

Entre erros, acertos e muitos anos de terapia, ela garante que vive em paz com suas escolhas. "Nunca fiz nada para agradar ninguém. Sigo em frente, aprendendo e tentando ser melhor."

Com Hugo, acredita que encontrou um relacionamento equilibrado, mas, por via das dúvidas, adapta o final de alguns contos de fada que lê para Maria: "'A princesa acordou e ela e o príncipe ficaram amigos para sempre'. Pô, se não se casar não é feliz? É uma lavagem cerebral. Eu passei a vida inteira querendo casar e só me ferrei com esse negócio", diz.

A quarentena me serviu pra uma coisa: eu tenho certeza absoluta e agradeço todos os dias por ter escolhido o Hugo para dividir essa vida comigo

Deborah Secco

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"Eu falo do que me toca"

Mesmo sem militar, Deborah está criando Maria Flor em um ambiente feminista — bem mais feminista do que o mundo em que foi criada. "Eu tento viver de maneira feminista, mas ainda sou uma pessoa criada numa sociedade extremamente machista. Até por isso, não quero estar na capa de uma revista levantando essa bandeira porque sei que ainda não sou a pessoa mais apta a palestrar sobre isso."

Assim como outros artistas, Deborah tem usado as redes sociais para se posicionar. Nas eleições, fez um post com o marido e filha segurando livros — código adotado por quem iria votar em Fernando Haddad (PT) no segundo turno. Recentemente compatilhou com seus cercas de 18,5 milhões de seguidores no Instagram posts falando sobre racismo e homofobia. São causas que, segundo ela, tocam seu coração. "Eu falo o que me toca, o que me dói e não como uma tentativa de fazer com que as pessoas sintam minha dor, mas porque é tão grande que não cabe em mim."

Seu tom é emotivo, mas não raivoso, combativo, muito menos lacrador. "Eu quero ser um ser humano melhor para as pessoas que convivem comigo, para as que não me conhecem mas me veem e até para as que não me veem. Porque eu acho que sendo melhor eu construo uma realidade melhor para minha filha, para os seus filhos, para os nossos filhos."

A notícia do assassinato do menino João Pedro, morto durante uma operação da polícia, aos 14 anos, no complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, tocou forte em Deborah. "Saber que mais um jovem negro foi assassinado, que mais uma mãe, como eu, está sentindo uma dor imensurável. Isso me toca e me dá vontade de falar e usar minha voz sobre a causa racial."

O processo de entendimento do racismo começou para a atriz cerca de cinco anos atrás quando leu "Um Defeito de Cor". O romance de Ana Maria Gonçalves conta a história de uma senhora negra que relembra sua trajetória desde a chegada ao Brasil, ainda criança, em um navio negreiro. "Dali em diante fiquei interessada pelo tema", lembra. "A gente tem uma dívida enorme, impagável com essas pessoas. E para entender o racismo e a dor dos negros é preciso ouvi-los. Então, eu, como mulher branca, escuto, leio, anoto dúvidas e ligo, converso com amigas negras que podem me esclarecer. Quero aprender."

Com a homofobia, a relação é de indignação. "Alguém agredir o amor é algo que me choca. Como você está agredindo um desejo? Como não consegue ver beleza em duas pessoas que se amam e que vivem uma pela outra?"

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Trabalho não é sinônimo de dinheiro

Aos 40 anos de idade e 32 de profissão, Deborah não se arrepende de ter começado a carreira tão jovem, os 8 anos. "Uma das maiores riquezas da minha vida foi ter descoberto cedo o que eu queria ser, porque você não gasta energia para o lado errado. Faço até hoje com todo o prazer do mundo. Falo para Maria que trabalhar, pra mim, nunca foi sinônimo de ganhar dinheiro, sempre foi sinônimo de diversão e realização."

Atriz veterana, ela agora se arrisca como empreendedora: além de ser garota propaganda de 11 marcas, ela recentemente se tornou sócia de um aplicativo de serviços de beleza. "Eu ainda estou descobrindo essa lado. E tenho muitas pessoas que me ajudam, como minha empresária e minha irmã, que é advogada."

Mas Deborah segue no coerente no propósito de estar sempre disposta a aprender e ser gentil com seus erros. "Eu ainda peno um pouco. Faço algumas escolhas erradas, mas sigo minha intuição."

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Ensaio à distância

As fotos do ensaio com Deborah Secco foram feitas remotamente. A ideia vem sendo executada pelo fotógrafo Jorge Bispo desde o começo do quarentena. Longe de seus modelos por conta do isolamento social, ele faz videochamadas e dá instruções de posicionamento do celular, da pose, da iluminação. E faz fotos das telas da chamada de vídeo.

Deborah Secco, que já havia sido fotografa presencialmente por Bispo diversas vezes, adorou a nova experiência. "Eu achei incrível essa nova possibilidade. Conseguimos fazer fotos lindas de uma forma simples. O Bispo é muito talentoso: a direção dele, o olhar dele são sempre um acerto. Mas eu não achei que as fotos fossem ficar tão incríveis", contou a atriz.

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Eu quero ser um ser humano melhor para as pessoas que convivem comigo. Por que eu acho que sendo melhor eu construo uma realidade melhor para minha filha, para os seus filhos, para os nossos filhos

Deborah Secco

Na casa de Deborah

Ouça a íntegra da conversa com Deborah Secco, também disponível no podcast UOL Entrevista

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