A vida fora do Instagram

Os posts de milhões escondiam suas fraquezas, mas Viih Tube aprendeu a ver o lado bom da vulnerabilidade

Júlia Flores De Universa

Símbolo de uma geração que cresceu compartilhando com o público tudo o que vivia, mas pouco do que sentia, Viih Tube mal tinha deixado de ser criança quando lançou seu canal de vídeos tal como é hoje. Nascida no interior paulista e criada em uma família religiosa —mãe evangélica e pai católico—, o sonho de estudar medicina foi deixado pelo talento que logo cedo aflorou: o da comunicação. Aos 8 anos, Vitória Felício Moraes já frequentava o curso de apresentadora mirim para aprimorar esse dom.

Foi natural, então, que sua desenvoltura frente às telas se revelasse muito cedo, ainda que produzir conteúdo para o YouTube não fosse tão bem visto na época. "Sofria bullying na escola. Naquela época, era vergonhoso se nomear como influenciadora digital. Eu só queria ter um hobby, me divertir", relembra. Mas nada comparado ao que ela enfrentaria poucos anos depois: o cancelamento nas redes sociais —e não só uma vez. Ela descobriu rápido que o tribunal da internet —e o comportamento imediatista da sua geração— não deixa passar uma falha, um nude, um vacilo sequer.

Teve uma foto íntima vazada aos 14 anos; sofreu linchamento virtual por um vídeo politicamente incorreto; enfrentou um episódio grave de agressão física, além de julgamentos alheios e situações de abuso. Tudo isso levou Viih Tube a entrar, como ela mesma diz, em uma caixinha do medo, um lugar escuro e solitário onde em muitos momentos não enxergava a saída. Dali, por duas vezes tentou não mais voltar.

Esses e outros dramas de quem escolheu se expor desde menina nunca entraram no roteiro de seus vídeos e lhe custaram sua saúde mental. Agora, aos 21 anos, Vitória se sente pronta para falar. "Hoje entendo que mostrar minhas fraquezas e reconhecer que sou vulnerável ajuda outras mulheres a perceberem que é comum e que elas também podem precisar de ajuda."

Sem frescura

Na manhã em que recebeu a equipe de Universa em sua casa, Viih Tube estava visivelmente ansiosa. O motivo parecia ser um só: ao fim da entrevista, o irmão e familiares de Rodrigo Mussi chegariam para um almoço. O ex-BBB, que foi fotografado beijando a influencer em um festival de música no mês passado, segue se recuperando do traumatismo craniano que sofreu em decorrência de um acidente de carro. Na cozinha da cobertura localizada em um prédio da zona sul de São Paulo, Paula, funcionária da casa, preparava estrogonofe de carne a pedido de Viih. "Ela é simples, come de tudo, não tem frescura. Se eu fizer arroz hoje, ela come a semana inteira", diz.

Naquela semana, a influenciadora estava às voltas com o buzz gerado depois que ela assumiu as redes sociais de Rodrigo para informar o estado de saúde dele aos seguidores. As críticas logo vieram, e Viih foi acusada de se aproveitar do momento. "Me chamaram de 'emocionada' e 'intrometida', e fui atacada por fazer minha parte como amiga. Sei que ele faria o mesmo por mim", desabafa.

O contato entre os dois começou quando Rodrigo deixou a casa do "BBB". "Me identifiquei com muita coisa que ele fez no jogo. Quando saiu, mandei mensagem dizendo para não ligar para as críticas", conta. "Ele respondeu falando que precisava de ajuda na gestão de carreira. Nessa acabamos ficando próximos e as pessoas acham que é sobre isso, mas não tem nada a ver. A gente ter 'ficado' representa 1% do que ele importa para mim."

Quando apareço feliz pelas melhoras dele, as pessoas vêm dizer que estou me achando a namorada. Não sabem da nossa amizade.

Viih Tube

Nude para poucos

As críticas e os cancelamentos já são velhos conhecidos dela. No estúdio de gravação que montou em seu apartamento duplex —que ainda tem sala de cinema, piscina, bar e elevador panorâmico—, um neon rosa enfeita a parede com a palavra "cancelada", a mesma que dá nome à rede wi-fi da casa.

Foi aos 14 anos que enfrentou o primeiro cancelamento, quando uma foto íntima foi parar na internet. "Eu nunca mandei nudes, não gosto de me expor assim nem hoje em dia. Aquela foto foi de um momento com meu então namorado, não sabemos como vazou. Mas uma coisa é fato: ele teve uma exposição íntima maior do que a minha", diz.

Na época, ela conta, ainda era virgem. "Quando minha família soube, meu mundo caiu." Apesar de ter uma relação aberta com a mãe, Viviane, a menina precisou encarar as críticas do lado evangélico da família. O nude, porém, acabou trazendo visibilidade e mais seguidores para seus canais. Com isso, novos ataques. Dali em diante, Vitória se transformou e assumiu uma postura "rebelde".

Em 2016, um novo cancelamento. Na época, ela publicou um vídeo em que aparecia babando na boca de um gato. A internet não perdoou e até uma hashtag foi criada: "#ViihTubeVoltaProÚtero", sem falar nas ameaças de morte que recebeu.

A culpa, sempre ela

As perseguições não ficaram restritas ao mundo virtual e partiram para fora das telas. Viih Tube relata ter sido agredida a chutes e empurrões por um seguidor em uma rua de Sorocaba, sua cidade natal. O episódio foi estopim para que a influencer tentasse tirar a própria vida duas vezes no intervalo de uma semana. "Na época achava que não tinha como melhorar, como sair da depressão."

Não foi fácil superar o trauma. "Depois que fui agredida, mal conseguia conversar com qualquer homem. Ao final das minhas peças de teatro, quando tinha fila para cumprimentar, eu não conseguia abraçar, recuava." Apesar da gravidade do episódio, ela não prestou queixa contra o agressor.

Se eu não tivesse sentido tanta culpa e vergonha pelo meu cancelamento, com certeza teria denunciado. Ninguém merece passar por aquilo.

Espelho

Três mulheres com as quais Viih Tube se identifica

Cléo

"Ela é uma inspiração em tudo. Primeiro, porque temos uma relação muito boa, ela me abraçou em momentos em que ninguém fez isso e acreditou em mim como atriz, que é o meu maior sonho. E no quesito prazer ela é uma mulher totalmente livre, verdadeira, realista e sem medo. Ela fala mesmo!"

Larissa Manoela

"Desde pequena ela está na internet, estuda muito e, mesmo assim, ouve críticas. Admiro a paciência dela. A Lari passou por fake news e superexposição, situações que também já enfrentei. Ela sempre reagiu de maneira calma, madura e com uma educação que eu não teria."

Maísa

"A Maísa é muito ela... Não tem como definir. Ela tem um jeito próprio, ideias, expressões. Ela é muito focada, fora da curva, admiro tamanha espontaneidade. Gosto de dar exemplos de meninas da minha idade, porque as pessoas que se inspiram em mim podem se inspirar nelas também."

"Falsa, manipuladora, jogadora"

Essas situações, contudo, treinaram Viih para o maior cancelamento de sua vida: a eliminação do "BBB 21", com 96% de taxa de rejeição do público. "O reality foi um jogo. Eu, aqui fora, faria a mesma coisa que todo o mundo fez: ia me arrancar de lá. Ouvir que era falsa, manipuladora, jogadora representou 1% do que já tinha escutado na internet", diz.

Para Viih Tube, ganhar o prêmio de R$ 1,5 milhão não era o objetivo principal com o reality. "Eu queria entrar medrosa e sair livre. E consegui. As pessoas ficaram chocadas com a chavinha que eu virei quando saí de lá. Claro que fruto de muita terapia, antes e depois, para manter esse foco e não levar muito a sério as críticas."

Sua estratégia era reposicionar a própria imagem e, de quebra, conquistar um novo público —hoje ela soma 23 milhões no Instagram, 11 milhões de inscritos em seu canal do YouTube e 13 milhões no TikTok.

A moda de Viih Tube em 3 looks

Antes de entrar no reality, a youtuber investiu pesado na imagem e se submeteu a plásticas: silicone nos seios, preenchimento labial, lipo LAD (lipoaspiração de alta definição) e bichectomia (cirurgia que afina o rosto) foram alguns dos procedimentos estéticos realizados. Ela, que no passado se orgulhava das cirurgias, hoje já olha diferente para essa questão.

Eu quis acreditar que era por mim, mas foi uma pressão estética. Sentia que precisava emagrecer e que só ficaria bonita magra.

"Quando olho para as fotos do meu corpo antes até gosto de algumas coisas que não gostava na época. Isso mostra como a minha cabeça mudou. Talvez se eu tivesse a cabeça de hoje, iria fazer uma academia ou voltar a me alimentar melhor. Fiz a lipo e continuei comendo tranqueira, então, o que mudou? Agora mudei totalmente minha alimentação."

Dentro do casulo

No ano passado, ela também revelou ter enfrentado um abuso sexual quando tinha 15 anos. E só tornou o caso público quando escreveu seu livro autobiográfico, chamado "Cancelada".

Na época, eu não entendia o que tinha acontecido. Não sabia que só de não querer e falar 'não' era um estupro. Me culpei muito. Por ter dado a liberdade de me beijar, achei que ele poderia fazer o que quisesse.

Hoje, ela diz que tem consciência do que sofreu. "Aprendi na internet, de tanto as mulheres se unirem e começarem a falar sobre o assunto", desabafa.

Viih conta que recebeu ameaças do abusador caso ela o expusesse. "Eu não tive medo, ele teve. E quero mais é que tenha mesmo. A parte mais difícil foi eu ter passado por isso e ter superado." Seis anos depois, ela ainda prefere não revelar a identidade dele. Diz apenas que é uma pessoa que ainda faz parte de seu convívio social. "Publicamente, eu não digo quem é, mas faço questão de conversar e expor a situação com todas as mulheres que se envolvem com ele. Falo mesmo."

Se tudo tivesse acontecido hoje, ela afirma que teria feito diferente.

Sempre tive um problema muito grave com culpa, de realmente entrar em um casulo. Sempre senti que estava forte, mas, no fundo, não estava. Hoje entendo que mostrar minhas fraquezas e ser vulnerável ajuda outras mulheres a perceberem que isso é normal e que podem precisar de ajuda.

Emocionada do rolê

Diante dos milhões de seguidores, Viih Tube não tem vergonha de expor sua vida amorosa e fala sobre os perrengues da vida de solteira sem inibição. "Quando fui corna, terminei meu relacionamento. Eu já estava a fim de pegar todo o mundo, por que não? Foi uma fase em que entrei e estou curtindo. Se chegar alguém, e eu me apaixonar, vou falar também, porque sou a emocionada do rolê", diz.

E esse alguém pode ser do gênero feminino? "Já beijei algumas amigas, mas não diria que tive atração ou cultivei sentimento por alguma mulher. Não tenho rótulos, se sentir vontade eu vou fazer."

Em dezembro de 2021, durante a festa de aniversário da influenciadora Gessica Kayane, que durou três dias e ficou conhecida como "Farofa da Gkay", Viih Tube surpreendeu ao afirmar ter beijado 46 pessoas.

Dali em diante, o público passou a enxergar outra faceta de Viih Tube, que tinha terminado o namoro com o também influencer Bruno Magri depois de ter sido traída por ele. Ela começou a ser vista como uma mulher autoproclamada livre, empoderada e gostosa.

Ser uma mulher gostosa não tem nada a ver com a sua estética ou aparência. Tem a ver com a forma como você empodera a si mesma. Ser mulher, principalmente no Brasil, tem muito a ver com coragem de fazer o que quer, falar o que quer e decidir com quem você quer se relacionar.

Sem medo de enfrentar seus traumas, haters e os desafios que virão, Viih Tube continua, em essência, a mesma, mas é capaz de mostrar o lado negativo da fama. Ela não quer mais ser a garota perfeita.

É também uma Viih Tube mais feminista.

Não estão acostumados a ver a mulher fazer o que quer, ser independente, não ser apegada em alguém e precisar estar só com uma pessoa. Se os homens podem, por que eu não posso?

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