Jornada dupla

Como a chegada dos gêmeos fez Fabiula Nascimento ressignificar o sentido de culpa, amor, fragilidade e afeto

Luiza Souto De Universa, do Rio de Janeiro Maria Toscano/UOL

"Não quero fazer parecer que a maternidade é um mar de rosas, porque não é. Estou começando agora essa nova carreira, esse papel de mãe. Estou descobrindo as curvas dessa história", avisa Fabiula Nascimento. Aos 43 anos, ela é mãe dos gêmeos Raul e Roque, de 4 meses, frutos de seu relacionamento com o também ator Emílio Dantas.

Vivendo o puerpério, a atriz conversou com Universa de sua casa, no Rio de Janeiro, e contou que a maternidade sempre foi um plano de vida. Convicta de que um dia colocaria esse desejo em prática, mesmo que fosse realizá-lo de forma independente, aos 37 anos optou pelo congelamento de óvulos. No mesmo ano, conheceu seu atual marido e, um tempo depois, os dois começaram a tentar engravidar por vias naturais.

Não funcionou. Nesse processo, sentiu a pressão recair muito mais em si do que no companheiro. "A culpa de não engravidar é sempre da mulher. As pessoas diziam que eu tinha que relaxar, que iria dar certo, mas nunca falaram isso para o Emílio."

O casal, então, partiu para o processo de fertilização e teve êxito na segunda tentativa. Hoje, Fabiula diz que ainda se vê descobrindo essa nova relação. "É um amor construído, não é um amor absoluto, de você sair [da maternidade] amando. Você vai amando com a convivência. É nisso que eu acredito. O amor é convivência", ressalta.

Em meio à nova rotina de sentimentos, desafios, descobertas e exaustão, a mãe de Roque e Raul vai fortalecendo os laços com seu companheiro. "Tem dias em que a libido é alta, tem dias em que estou exausta. É uma barriga que ainda não voltou para o lugar, a sensação de que os órgãos estão balançando, os peitos cheios de leite, tem o ressecamento vaginal... E até isso voltar é preciso ter paciência."

Maria Toscano/UOL Maria Toscano/UOL

Maternidade real

Dizer que a maternidade é uma caixinha de surpresas é tão clichê quanto verdade. No caso de Fabiula, a primeira surpresa veio com a notícia da gestação gemelar. Embora tenha histórico na família —sua bisavó materna teve três delas—, de acordo com seu médico, as chances de acontecer eram de 2%. Inclusive, o casal optou por usar apenas um embrião na fertilização, mas o material genético se multiplicou por conta própria. "Era para ser esses dois meninos na nossa vida, comemoramos muito."

A segunda mudança de planos veio durante o parto. Fabiula queria ter os bebês de maneira natural, mas eles não estavam encaixados da forma que deveriam, e a opção mais segura foi uma cesárea. A intervenção, no entanto, correu bem e, três dias depois, estavam em casa. As maiores dificuldades surgiram nas duas semanas seguintes.

"Ninguém fala, mas, por causa da pressão sanguínea, é muito comum ter hemorroida na gestação. Meus 15 dias de pós-parto foram muito difíceis, porque a recuperação de cesárea é absurda. Minha cicatriz fez uma ceroma, abriu e vazava. Tive uma pré-eclampsia tardia e minha pressão explodiu. Perdi muito sangue, porque foram dois bebês. Passamos a primeira noite sozinhos na volta para casa, pois a pessoa que me ajuda estava com covid. Foi enlouquecedor", relembra.

Por outro lado, nas palavras de Fabiula, as crianças foram compreensivas. Entenderam o processo e mamaram sem mais complicações.

Culpa, jamais

Há quatro meses entendendo que cada maternidade é única e que não pode existir comparações —nem entre mães nem entre bebês—, Fabiula se deu conta de que o amor pelos filhos é uma construção. E que tudo bem ter a dificuldade inicial de conexão. Ela diz que ainda não sabe nomear o que sente. Mas é maior do que tudo o que já conheceu.

"Quando eles nasceram, pensei: 'E agora? Tenho que amá-los. Como vai ser?'. Olhava e falava: 'Não posso deixar morrer. Tenho que alimentar e cuidar'. Eles são muito frágeis, e a gente vai se conectar em algum momento. Já existe uma conexão física. Senti na sua barriga, estava tudo perfeito, e um dia você vê uma linguinha para fora e fica completamente apaixonada. Não tem nada mais belo do que você ver a evolução de um ser humano. Nessa evolução a gente vai se amando."

Em conversa com uma amiga, a pesquisadora Rosane Borges, Fabiula aprendeu a trocar a palavra culpa por um sinônimo mais acolhedor para a mulher:

"A culpa é uma palavra muito ruim. Ela fica pairando na maternidade, e as mulheres sentem muita culpa. O mundo faz tudo para que a mulher se sinta culpada. A gente tem que tirá-la do caminho. A Rosane Borges me ensinou a trocar a culpa pela responsabilidade".

Ser mãe aos 40 anos é muito legal, porque me preparei para isso tudo e, querendo ou não, a minha cabeça também está melhor do que quando eu tinha 20.

Fabiula Nascimento

Corpo de mãe também sente prazer

Um pouco antes dos 30 anos, quando chegou a São Paulo vinda de Curitiba, Fabiula já compreendia que não deveria priorizar os desejos e caprichos de homens, e, sim, o próprio prazer.

Sempre achou importante, por exemplo, o uso de vibradores para ajudar na descoberta de seu corpo e saber exatamente quais pontos lhe satisfaziam. "A gente tem que tomar esse lugar dos nossos desejos e prazeres, saber com quem queremos estar, conhecer o sexo para ver se desejamos seguir com aquela pessoa", diz.

Mas ela agora tem outro corpo. O corpo de uma mãe, que não deixou de ser mulher, mas precisa de tempo e cuidado para se redescobrir. Um corpo que, ela conta, alterna-se entre dias de libido alta e momentos de exaustão. Com uma barriga que ainda não voltou ao que era antes da gestação, mais a sensação de que "os órgãos estão balançando" e os peitos cheios de leite.

Com tantas mudanças, a atriz exalta a importância de ter um parceiro disposto a passar por isso junto. "Eu tenho vontade do corpo dele no meu e, ao mesmo tempo, os meus peitos e o meu colo são dos meus filhos. Mas eles são bacanas, eles dormem, e posso namorar meu marido, rir e dividir todas as angústias. Porque ele é meu parceiro. Essa é a diferença. Posso contar com ele para qualquer coisa. Esse cara me faz desejá-lo e amá-lo cada vez mais, então, meu corpo não nega ele. Meu corpo aceita."

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De calcinha e sutiã

"...e tinha eu e tinha você e tinha vontade", postou Emílio Dantas no Instagram ao anunciar a espera dos gêmeos, em agosto do ano passado. É desse desejo do "nós", declamado na poesia que escreveu para a família, que vem a cumplicidade, a parceria, o acolhimento que ajudam uma mulher no puerpério a superar os hormônios gritando, os pontos saindo, o peito alimentando.

"Meu parceiro é meu parceiro. Ele está comigo para tudo. Todos os dias eu ouço: 'Como você está linda. Eu te amo. Obrigada pelos filhos que você me deu. Olha só o que a gente fez'. E eu ali, cansada, com sutiã de amamentação, de calcinha. Esse é meu parceiro, que jamais disse uma grosseria ou forçou alguma coisa."

Maria Toscano/UOL Maria Toscano/UOL

Acho que pai e mãe têm que estar conectados, porque a gente é o pilar dessa família. Um vai tirando força no outro.

Fabiula Nascimento

Como acolher uma puérpera

  • Deixe a mãe conhecer seus filhos

    "As pessoas falam: 'Você precisa ter x babás'. Calma, gente. Deixa conhecer esses bebês que estão vindo, não tenho problema nenhum em pedir ajuda. E tem a minha rede de apoio. Está tudo certo."

  • Nada de comparações

    "Fico muito incomodada quando as pessoas dizem: 'Quem é o mais preguiçoso?', 'Esse tem cara de...'. Eles não têm cara de nada, são bebês. Já tão cedo você rotula e diz a que seu filho veio fazer na terra, sabe?"

  • Ofereça ajuda

    "Uma forma bacana de acolher é o que minhas amigas fazem: ligam e perguntam: 'O que você está precisando?'. 'Quer que lave a louça?'. São gentilezas, frases acolhedoras, e se ela tiver intimidade, vai dizer."

  • Cuidado com o que fala

    "Uma amiga tinha acabado de parir e estava muito triste. E eu falei: 'Não fica assim que o bebê sente tudo'. Isso é de uma ignorância enorme, porque é como se a infelicidade, um choro daquele bebê fosse por culpa da mãe. As pessoas falam muita coisa sem maldade, sem pensar."

'Ninguém fala para o homem relaxar'

Em 2016, com o término das gravações da novela "Velho Chico" (Globo) e mergulhada em um ano sabático depois de emendar trabalhos, Fabiula decidiu congelar óvulos para usar quando surgisse a oportunidade. Estava solteira e "tinha dinheiro e tempo". E foi nesse mesmo ano que engatou um relacionamento com o ator Emílio Dantas, a quem admirava desde 2011, quando assistiu ao longa-metragem "Teus Olhos Meus", de Caio Sóh, protagonizado por ele.

Durante um ano, Fabiula e o parceiro tentaram engravidar naturalmente. Nesse meio tempo, veio a frustração. "Eu me cobrava, pensava: 'O que está acontecendo?'." Adepta da terapia holística há sete anos, entendeu de forma serena que não tinha nenhuma culpa por isso. "Eu ouvia muito das pessoas que eu tinha que relaxar, Mas ninguém nunca disse para o Emílio relaxar. Se você não engravida, é culpa da mulher. É sempre a mulher que não engravida, não o homem que não engravida a mulher."

"E nem sempre é coisa da sua cabeça. Às vezes, é uma coisa que se chama infertilidade, ou reserva ovariana baixa ou espermatozoide lento, que não dá match. Tem milhões de outros nomes", afirma.

"No nosso caso, a minha reserva ovariana estava caindo, e o esperma do Emílio, aglutinado, morria rápido. A melhor possibilidade era usar os congelados. Deu certo, e estamos muito realizados."

'Cresci em um ambiente machista'

Ainda grávida, Fabiula conversava muitos com as amigas que também têm filhos gêmeos, como as atrizes Martha Nowill e Nanda Costa, além da jornalista Andréia Sadi, sobre cuidados e educação das crianças. No Instagram, segue páginas como Dicas Maternas e Eu Verônica Linder para ajudá-la a desempenhar seu novo papel.

Dessa colcha de retalhos que vem costurando para construir a própria família, não emendou o que viveu na infância. Diz que é "outra parte da história" e que ela e o pai de Roque e Raul serão o referencial das crianças.

"Cresci em um ambiente machista, não existia conversa. Vejo amigos da minha faixa etária contando a mesma coisa. Era uma educação violenta, as pessoas batiam, a criança só existia. Nunca era acolhida, nunca tinha um desejo. Se não gostava de comer alguma comida, a criança era mimada. Lembro que era tudo muito ao pé da letra. Se errou, apanhou. Fez coisa errada, puxão de orelha."

Começando a pavimentar o caminho dos filhos em um mundo que repensa e questiona cada vez mais a parentalidade, Fabiula escolheu seguir seu coração, seu instinto e seus valores. "Acredito na educação respeitosa, na conversa, na verdade e no amor. Assim que se constrói um ser humano legal. Vamos educar homens respeitosos, num mundo que já disse que eles podem tudo."

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