Foram 40 anos escondendo o desejo. A jornada já seria severa se fosse "só" isso. Mas, em paralelas diversas, Laerte se tornou a mais famosa e produtiva cartunista do país. Casou-se três vezes, com ônus emocionais para todas as envolvidas. Perdeu um filho; o mais temido dos mergulhos no abismo. E declarou-se mulher. Uma mulher transexual.
O mais recente capítulo da vida de Laerte Coutinho, paulistana, de 68 anos, é o mais escandaloso e, por isso, para os desavisados, pode enevoar a carreira dessa chargista, algumas vezes já chamada de "gênio". Laerte participou de publicações históricas como O Pasquim, fez colaborações para a Veja, cobriu três Copas do Mundo, publicou na underground Chiclete com Banana, criou os personagens Piratas do Tietê e Overman e desenha diariamente para a Folha de S.Paulo.
Seu trabalho mais lembrado, por razões auspiciosas mas também hostis, são as tiras de Los Três Amigos. Junto com Angeli, Glauco (este, morto, com o filho, em 2010, por um dos integrantes do centro de Santo Daime que ele fundara --outra brutal perda para Laerte) e Adão Iturrusgarai, publicou por dez anos historinhas dos tais amigos --alter egos dos autores --que faziam troça de política e mazelas sociais, mas, especialmente, de violência, sexo, drogas e perversões.
Nesta entrevista, de pouco menos de quatro horas e ungida com a mesma quantidade de garrafas de vinho, Laerte, de maneira corajosa e saliente, revisita o passado familiar -- a mãe que nunca usou maquiagem e a agressividade com a qual, por vezes, tratou as ex-mulheres, por exemplo, analisa sua produção --ela assume ter feito piadas com estupro feminino e, hoje, passar por uma crise --e revela andanças afetivas/sexuais --este, um dos temas mais apetitosos da conversa.
Ele envolve orgasmos múltiplos, homens casados, Tinder e alguns (des) amores. "É uma coisa quase divina; cheia de graça", diz Laerte, sobre alguém que você só saberá quem é, se a nudez da Laerte, apresentada aqui, não te deixar sem gracinha.