Enquanto você não vem

Mulheres tentam engravidar por anos no Sistema Único de Saúde e contam sua saga

Luiza Souto Da Universa Simon Plestenjak/UOL

Rosa, Simoní e Priscila sonham por anos em gerar uma criança. Sofreram abortos, escolheram nomes, perderam trompas e viveram a falta de um diagnóstico que justifique a dificuldade em dar à luz. Sem dinheiro para bancar um tratamento de FIV (Fertilização In Vitro), que pode passar da casa dos 100 mil reais -- mas evita filas --, seguem assistidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde). São mais de 400 pacientes só no Hospital das Clínicas de São Paulo. O número total de pessoas inférteis no Brasil supera dez milhões, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).

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Bem mais que nove meses: como é a fertlização por meio do SUS

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"Perdi um monte de bebês"

A ideia de ser mãe surgiu para a professora Simoní Franca dos Santos, 33 anos, ainda na adolescência. Ela planejou que a maternidade viria aos 24 anos. Há 10 anos, porém, espera pela criança. Foi doadora de óvulos numa clínica particular em troca de um desconto no tratamento de FIV. Sem sucesso e com diagnóstico de endometriose, foi encaminhada para o Hospital das Clínicas de São Paulo em 2015, onde já fez uma inseminação artificial (quando o espermatozoide é injetado no útero da mulher), e duas FIVs. Teve uma gravidez ectópica, quando o feto é gerado nas trompas, e três gestações químicas, ocasião em que o embrião não evolui. 

"É um processo muito doloroso. E quando nada dá certo, você se sente impotente. Parece que Deus olhou para todo mundo, menos para você.

Já cheguei a conseguir engravidar naturalmente depois que perdi uma trompa. Cheguei no consultório crente que ia ver o bebê no ultrassom e saí numa cadeira de rodas direto para a sala de cirurgia. Ele estava na minha outra trompa, que acabei perdendo também. Depois disso, fiz mais duas FIVs em 2018, e nas duas voltei a ter gravidez química. 

Perdi um monte de bebês na minha jornada. Meu objetivo agora é descobrir o que eu tenho. As pessoas falam que se não veio, é porque Deus não quis. Deus não tem nada a ver com isso. Toda a mulher que não consegue engravidar tem um problema. Tem que ter um diagnóstico. E às vezes parece que alguns profissionais não enxergam que ali tem uma pessoa com desejo de ser mãe". 

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A gravidez não é só da mulher, mas do casal, e ser companheiro é estar ao seu lado

André Aparecido dos Santos, pintor, marido de Simoní

Não passo por isso à toa, mas porque é meu sonho

Simoní Franca dos Santos, professora

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"Gestação levou nove anos"

A técnica de enfermagem Rosa Vasconcelos, de 33 anos, sabia que não seria fácil ser mãe, já que o marido, o secretário Carlos Alberto Vasconcelos, de 52, fez vasectomia antes de conhecê-la. Ele tem quatro filhos de outro casamento. Mesmo com o procedimento revertido, seguiu com dificuldade para engravidar. Tratou mioma, um tumor benigno que pode levar à infertilidade, e a SOP (síndrome do ovário policístico), um distúrbio hormonal que também traz essa dificuldade. O Heitor, do grego "aquele que guarda", chegou após nove anos de tentativas, em 2016.

"Foram anos tentando uma vaga no serviço público e o Hospital das Clínicas ainda ficou fechado por causa de um incêndio (de 2007 a 2011). Tinha dias em que falava em desistir. 

Durante esse processo, ainda ouvi um profissional falar para meu marido que quem não podia engravidar era eu, que ele estava melhor que um menino de 18 anos. Foi como um tapa na cara esse comentário machista. Mas meu marido esteve ao meu lado o tempo todo. 

A gravidez aconteceu na terceira transferência. Mas não foi fácil. Tive uma inflamação no cordão umbilical e, por muita sorte, meu bebê não morreu. Meu parto foi difícil, com médicos subindo em mim. Também passei por uma depressão pós-parto.

Passados quase dois anos, resolvemos tentar novamente, porque sobraram cinco embriões. Já tive dois negativos e estou me preparando para fazer uma transferência. Também entrei na fila para adoção há três anos. O coração já está gerando. Ser mãe é inacreditável".

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Foram nove anos de luta, nove anos de choro, mas valeu muito a pena

Rosa Vasconcelos, técnica de enfermagem

Foi uma luta, e o Heitor é nosso milagre

Carlos Alberto da Silva Vasconcelos, secretário, marido de Rosa

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"Existe um limite para tudo"

A professora Priscila Borges Alves, 35, deu início ao tratamento para engravidar em 2017, após perder duas gestações e uma das trompas. Logo na primeira coleta dos óvulos, teve a bexiga perfurada. Recebeu a notícia da segunda gravidez química no dia em que conversou com a Universa. Ainda com o olhar distante, desabafa: "não sei se vou continuar".

"Cheguei na primeira consulta com a data do nascimento do meu filho na cabeça, mas é algo muito além do que a gente espera. É um processo demorado, porque as consultas dependem do ciclo menstrual, de uma bateria de exames, e da agenda cheia do hospital. Você tem que comparecer quando eles marcam.

Antes de iniciar o tratamento mesmo, se estiver acima do peso, ainda tem que emagrecer. Perdi 15 quilos em dois meses, e quando comecei a tomar hormônio, ganhei quatro em uma semana. É uma dedicação de 100% das suas energias. Muitos até perdem emprego. 

É uma montanha russa de sentimentos: quando vê o resultado positivo, se anima, começa a falar para algumas pessoas, faz toda uma projeção. Aí perde em seguida. Passa na sua cabeça cada minuto do que aconteceu nesse período para tentar achar uma explicação: se comeu direito, se não tomou o remédio na hora. É um sentimento de culpa. Então tem que fazer o que o médico mandar, porque quando não der certo, você vai olhar para trás e falar: 'a culpa não é minha. Estou em paz'. 

Ainda tem a possibilidade de fazer o segundo ciclo, mas não sei se estamos dispostos. Existe um limite para tudo. A maternidade sempre foi algo que projetamos, mas não é isso a nossa vida. Se a gente fica nessa busca infindável, se torna uma pessoa amarga, que não consegue ver beleza em nada, nem na sua amiga que está linda grávida, ou mesmo nas crianças que chegam perto de você. É complicado".

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Toda busca precisa ter um fim

Priscila Borges Alves, professora

É muito desgastante todo esse processo, e toda família tem que acolher

Diego Francisco Alves, soldador, marido de Priscila

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Onde procurar ajuda

A pessoa é considerada infértil após um ano de tentativa sem sucesso para engravidar. No caso da mulher com mais de 35 anos, depois de 6 meses. Para ser encaminhada para tratamento no SUS, a paciente deve ter até 40 anos, sem diagnóstico de doenças crônicas graves como diabetes descompensada, nem ter feito três ou mais cesáreas anteriores.

São 12 os hospitais vinculados ao SUS que trabalham com a Reprodução Humana Assistida. Cada um tem seu critério quanto aos cuidados, técnicas e procedimentos, como número de tentativas as quais cada paciente tem direito. O ministério da Saúde banca os exames como sorologia. Outros procedimentos ficam sob responsabilidade do Estado ou Município, e podem ter um custo.

Em São Paulo, por exemplo, para conseguir uma vaga, deve-se procurar uma UBS (Unidade Básica de Saúde) antes de entrar no Cross (Central de Regulação de Ofertas e Serviços de Saúde). Na cidade, são duas as unidades que atendem a esse público: o Pérola Byington e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, ambos na região central. Elas realizam, anualmente, cerca de 250 ciclos de FIV. Um ciclo vai desde a indução da ovulação até a transferência de embriões. 

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