Quando o Fórum de Empresas LGBT foi criado, em 2013, era comum um funcionário ser demitido, após fazer a transição, com a desculpa de baixo desempenho. "Mas a chave das empresas virou", afirma Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo da entidade, que tem 66 companhias signatárias. "Elas incluíram o respeito à identidade de gênero em seu código de conduta e, caso haja uma situação de discriminação, o agressor é punido."
Para Márcia Rocha, da ONG Transempregos, companhias têm percebido que há profissionais extremamente capacitados, mas que estão "soltos" em razão do preconceito. "A pessoa tinha uma experiência de 15 anos em tecnologia da informação, duas pós-graduações, mestrado, fez a transição e foi mandada embora. Tenho notado que isso já não acontece como no passado. Hoje, o Brasil está agindo para aumentar contratações e já é um exemplo para outros países."
Leia, abaixo, os relatos de três funcionárias de multinacionais que chegaram em cargos de destaque em suas empresas. Elas contam como resolveram questões envolvendo a identidade de gênero no ambiente de trabalho.
"Eu me afastei da empresa e, quando voltei, já era Érica"
Engenheira de telecomunicações na Petrobras, Érica Alves de Oliveira, 37, entrou na companhia em 2010, mas só passou pela transição sete anos depois, quando tirou uma licença de 20 dias para um procedimento estético. "Quando fui conversar com o RH sobre minha identidade de gênero, estava preparada para os piores cenários." Mas a resposta foi positiva e envolveu uma série de conversas com chefes da empresa.
"Antes de dar ciência à companhia, tentei prever cenários, dos melhores aos piores. Busquei o RH e expliquei que passaria por uma transição de gênero. Recebi apoio integral da empresa. Logo em seguida, tive apoio de uma psicóloga . Pedi que o assunto ficasse o mais restrito possível, pois não queria me expor. Foi criado um grupo multidisciplinar envolvendo RH, área jurídica, área de saúde e chefia. Definimos que eu ficaria fora por 20 dias. Eu me afastei para fazer uma cirurgia facial. Nesse período ocorreu a criação de um conjunto de ações aplicadas a funcionários trans e a implantação do meu nome social. Criaram regras quanto ao uso de áreas comuns internas e adequaram os sistemas, como alteração de e-mail."
"Fui a 1ª trans em cargo de chefia"
Gestora da área de suporte ao cliente da SumUp, multinacional de pagamentos online, Renatha Paiva Dionísio, 36, entrou no mundo corporativo em 2010, como atendente de telemarketing na filial brasileira da empresa francesa Teleperfomance. Três anos depois, subiu de cargo por meio de processos seletivos internos e se tornou supervisora. Foi quando precisou acionar a área jurídica da empresa para resolver problemas envolvendo o nome social.
"Quando me tornei chefe, comecei a usar muito o e-mail para falar com pessoas de outras áreas. Mas o endereço estava registrado com meu nome antigo. Chamei minha gestora e expliquei que não poderia ser assim. Expor o nome de registro é uma situação desconfortável. As pessoas respondiam perguntando: 'Quem é fulano?', e eu tinha que explicar. Conversei com a área jurídica, que autorizou a mudança. Levou dois meses. Meu crachá também mudou. Depois disso, o RH passou a perguntar, no momento da contratação, o nome social para novos funcionários."
"Falei que era trans já na entrevista"
Maria Fernanda, 28, é engenheira biomédica na filial brasileira da BD, empresa americana de tecnologia médica. Foi contratada após a transição e conta que, já na entrevista, quis falar sobre sua transexualidade.
"Sabia que a empresa era norte-americana e tinha um programa de contratação de LGBTs. Quis falar que era trans na entrevista e tentei trazer o tema de uma maneira natural. Acredito que, se a pessoa não se sentir à vontade para falar sobre o tema, não tem porque citar. A empresa é que tem que valorizar o profissional acima de qualquer preconceito. Na minha percepção, o mercado está mais preparado para lidar com pessoas trans."