Era pandemia. Eu morava na Colômbia e estava profundamente deprimida —tinha pintado todo o meu apartamento de preto, o teto, as paredes, tudo. Sentia como se estivesse em um umbral [no espiritismo, lugar escuro onde ficam os que ainda não foram encaminhados para o paraíso ou o inferno].
Mas naquele dia em especial decidi vestir algumas roupas femininas que havia tomado emprestadas de um amigo, drag queen. Então comecei a me sentir bem. Eu me senti eu mesma. Eu me senti acolhida. Naquele exato momento, decidi começar a transição.
Durante minha vida, nunca havia tido experiências com mulheres trans. Não conhecia, não tinha acesso a elas. Era algo desconhecido. Mesmo sentindo que eu era uma mulher trans, não sabia me expressar.
Isso mudou numa ocasião em que fiz amigas trans e fui à casa de uma delas. Acompanhei o momento em que se arrumavam para ir a uma festa. Aquilo me encheu de alegria, meus olhos brilharam. No mesmo instante, pensei: "Meu Deus, era somente isso que eu precisava saber. Existem pessoas assim. Eu também posso". Então entendi quem eu era.
Esse entendimento se consolidou naquele dia na Colômbia, espremida entre as paredes e o teto preto, diante de parte do guarda-roupa do meu amigo —camisas, croppeds, diversas perucas. Primeiro vesti uma saia. Depois, fui acrescentando as demais peças. Me montei como uma drag, algo que nunca tinha feito. Pelo menos, não daquela maneira. Porque, no fundo, só repeti um comportamento meu de criança, quando colocava um pano na cabeça e me sentia mulher.