Se chegasse hoje no Brasil, Maria das Graças Carvalho Dantas, 50, poderia se passar por uma espanhola, apesar de ser sergipana de Aracaju. Depois de 25 anos no exterior, a única brasileira da história eleita deputada para o Congresso da Espanha, ela completa o primeiro ano de mandato neste mês, em meio à eleição de um novo governo, crise do coronavírus e situação dos imigrantes na Europa.
Maria Dantas, como é conhecida pela comunidade brasileira, é fluente em castelhano e catalão e, mantendo o sotaque nordestino, já incorporou no ritmo da fala o bilinguismo de Barcelona, onde mora com o companheiro Alex, 50, e sua filha caçula, de 23.
Não são só as expressões idiomáticas em português e espanhol que se misturam, como também o modo de ser latino-europeu. A deputada hispano-brasileira - que se elegeu pelo quase centenário e ainda pequeno partido Esquerra Republicana da Catalunya (ERC) - ouve tanto a cirandeira Lia de Itamaracá quanto canta de cor e no microfone "Bella Ciao", canção italiana que se tornou hino de movimentos comunistas e anarquistas.
Ela gosta de usar camisetas com mensagens de inspiração anarquista, acompanhadas de casaco e calça jeans para ir trabalhar usando o sistema de transporte público de Madri. Não tem assessor de imprensa ou parlamentar, o que rende, segundo ela, horas diárias gerindo contatos, pedidos e redes sociais. Quando está em Madri para as atividades do Congresso, se hospeda ou em um albergue "com banheiro limpo" recomendado por amigos do partido ou no apartamento de amigos "da militância do PT".
Os finais de semana são em Barcelona, onde vive com a família em um apartamento hipotecado em um bairro de classe média, enfeitado com quadros de Pierre Verger, Carmen Miranda e cartaz da vereadora carioca assassinada, Marielle Franco.
Ela é capaz de falar por muitos minutos, sem se perder, sobre a situação dos refugiados enquanto toma café na caneca ilustrada com "Fora Bolsonaro". Mas quando o assunto é ela, a ativista que completa este mês seu primeiro ano como deputada fica ressabiada. Com os movimentos sociais, cujo trabalho lhe permitiu a posição de candidata ao Legislativo, a atuação política também tem sido de cautela. "Ainda estou na fase de não saber se devo ter protagonismo ou não."
Durante manifestações, ela evitou pegar o microfone, ação que lhe foi comum durante décadas. "Já não pego, a não ser que me peçam. Vou, como dizemos aqui, a pies de plomo [a pés de chumbo]. Como estive do outro lado, e reclamávamos que existia ingerência de políticos nos movimentos sociais, não quero ser aquela política de que eu tanto falava mal", afirma.
Nas redes sociais, Maria demonstra publicamente o apoio à liderança de esquerdas no Brasil e se considera um "instrumento" para que venham para a Espanha mostrar parte da realidade tupiniquim. Mônica Benício, viúva de Marielle, Manuela D'Ávila e Sônia Guajajara foram algumas das mulheres que a procuraram quando pisaram em solo europeu.
Ela afirma que tenta se acostumar. Diz que algumas pessoas passaram a tratá-la melhor depois de eleita. Outras nem tanto. Segundo ela, foi o partido que propôs para que se candidatasse e, depois de algumas recusas, aceitou. O gatilho foi a eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a quem faz oposição pública, e o crescimento eleitoral do partido de extrema-direita Vox, na Espanha.
"Eu tenho um pé ainda nos movimentos sociais, mas sei perfeitamente que agora estou jogando em um outro time. Como dizemos aqui, outra liga, outro campeonato. Os movimentos sociais são imprescindíveis e essa foi a minha luta por 20 anos. Mas, sem o pé nas instituições, infelizmente, a gente não vai conseguir muita coisa."
A reportagem de Universa acompanhou Maria em diversos momentos ao longo desse primeiro ano e traz no vídeo abaixo o que viu.