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Durante cinco dias, entre 13 e 17 de julho, Universa reuniu 21 mulheres protagonistas do nosso tempo, que atuam diretamente na transformação do mundo, para discutir um tema urgente: a mulher no mercado de trabalho. A segunda edição do Universa Talks, dessa vez totalmente digital, trouxe reflexões sobre os caminhos necessários para a igualdade de gênero.

As mulheres são maioria da população no Brasil. Vivem mais tempo, têm mais educação formal e ocupam 44% das vagas de emprego registradas no país. No entanto, mulheres recebem, em média, 20% menos que os homens. E apesar de sermos 55% das universitárias e 53% do total dos alunos de pós-graduação, ocupamos apenas 13% dos cargos de presidência.

Como alcançar a igualdade de salários e de oportunidades? Como promover a diversidade nas empresas? Como conciliar a maternidade e a carreira? Como vencer o assédio, os estereótipos, os preconceitos?

As questões de sempre agora estão renovadas. Como já era esperado, a crise causada pela pandemia do novo coronavírus tem deixado efeitos mais duros sobre as mulheres. Maiores vítimas dos efeitos diretos e indiretos da pandemia, elas são as que mais perdem empregos desde então e também as que tem a saúde mais afetada, seja por estarem em maioria nas linhas de frente do serviço de saúde ou em funções não essenciais, mas informais, que não puderam parar. No cenário pós crise, combater a desigualdade de gênero no trabalho será ainda mais urgente.

Confira um pouco do que foi discutido ao longo de quase oito horas de conversas e debates.

Ainda que qualquer análise possa vir carregada de incertezas e mesmo em um cenário de lenta retomada para alguns setores, já é possível afirmar que pensar o trabalho num contexto novo passa por observar também as profundas transformações que aconteceram em outros ambientes e na sociedade como um todo.

Junto com a pandemia se instalou, por força de tragédias paralelas e pela vulnerabilidade da população negra e periférica que não teve acesso a políticas específicas de apoio, uma urgente discussão sobre racismo. E esta parece ser também a temática que permeia todas as demais abordagens sobre a condição da mulher como trabalhadora. O assunto foi trazido pela atriz, roteirista e defensora dos direitos das mulheres negras pela ONU Mulheres, Kenia Maria.

Já no painel que se seguiu à abertura da segunda edição de Universa Talks, foram debatidas tendências para o retorno pós pandemia, sobretudo para mulheres no ambiente de trabalho. Uma economia mais colaborativa, a necessidade ainda mais latente de se ter times diversos e atenção às habilidades emocionais - o que incluirá uma boa dose de resiliência.

Daniela Cachich, VP de marketing de alimentos da Pepsico, uma das participantes da mesa virtual e que trouxe o olhar da iniciativa privada, considerou ainda mandatório, a coerência de posicionamento de líderes e das marcas. "Precisamos, mais que nunca, ir além do vender produto para fazer algo que realmente provoque e transforme", afirmou a executiva.

Racismo: o maior desafio da década

Atriz e roteirista, Kenia Maria, que há cinco anos é também defensora dos direitos das negras pela ONU Mulheres Brasil, lembrou em seu discurso de abertura do evento, que há anos o Brasil está entre os dez piores países para mulheres viverem no mundo. Conforme dados da OMS, é o quinto em número de feminicídios e as maiores vítimas — dois terços delas — são negras.

Kenia foi nomeada como defensora pela ONU Mulheres há cinco anos, para apoio a duas iniciativa, a Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024), e o pacto global "Por um Planeta 50-50 em 2030: um passo decisivo pela igualdade de gêneros". Além da luta por espaços igualitários nos ambientes profissionais e na cultura, a atriz atentou para a vulnerabilidade extrema do grupo de mulheres formada também por quilombolas, indígenas e trabalhadoras do campo e outras classes que não puderam parar durante a pandemia.

"O Brasil ainda é um país escravocrata. Mais de 60% das trabalhadoras domésticas são mulheres negras, que não deixaram de trabalhar, ainda que seus serviços não sejam considerados essenciais", pontuou Kenia. "Por isso, pensando em chegar a um país 50-50, em que todas as mulheres participem dessa agenda, inclusive as indígenas, é preciso promover o debate dessa pauta com honestidade e atenção."

Para Kenia — e como confirmam as estatísticas sobre populações mais impactadas pelos efeitos diretos e indiretos da pandemia —, a busca pela igualdade de gênero passa invariavelmente pelo fim do racismo. Um inimigo, conforme a ativista, maior que a Covid-19 e a própria pandemia.

Um caminho sem volta

"Vínhamos em um momento de aumento da visibilidade da causa racial, embora ainda existisse dificuldades em converter as intenções em oportunidades", disse Lisiane Lemos, advogada e especialista em transformações digitais, sobre o período que antecedeu a pandemia. Num primeiro momento, sua sensação é de que a diversidade ficaria em segundo plano com a crise instalada, já que em suas vulnerabilidades econômicas, as chamadas minorias primeiro precisaram pensar em como sobreviver. "Hoje, penso que por força de algumas tragédias que nos atingiram como população negra, nos unimos neste momento de dor para a construção de uma nova história bem diferente do antes", completou.

Consciência de privilégio e um olhar coletivo serão exigidos dentro e fora do ambiente profissional. Aliás, é senso comum a percepção de que cada vez mais será difícil separar comportamentos corporativos e pessoais. Como pontou Egnaldo Côrtes, CEO da Côrtes e pioneira no trabalho com influenciadores digitais negros, "tudo passou a acontecer coletivamente e não temos como não nos enxergar em rede a partir de agora".

E o novo normal? Especialista em tendências, Laura Chiavone, sócia da consultoria internacional Sparks&Honey, foi taxativa. "Não haverá volta, teremos um mundo completamente diferente", disse ela, que lembrou ainda que nem a experiência de trabalho remoto vivenciada atualmente pode ser considerada parâmetro.

É provável que a rotina profissional que antes acontecia nos escritórios e hoje ainda está muito concentrada nas casas, venha em um formato híbrido. Mas é preciso regras, cuidados, orientação a colaboradores e gestores. "A tecnologia mostrou que o impossível era possível. Por outro lado, estamos exaustas, as pessoas nunca trabalharam tanto", concorda Daniela.

Estimativas do Instituto Data Favela e Locomotiva contabilizam 13,6 milhões de pessoas vivendo em comunidades no Brasil. Regiões atingidas de forma mais acentuada pela pandemia. Para esta população, o socorro do governo veio somente quase três meses depois que a crise se instalou e quando já havia o rastro incalculável de consequências econômicas e impactos sanitários.

Considerando a grande concentração de informais que vivem nas regiões periféricas -- diaristas, babás, cuidadores de idosos, manicures e outras profissionais autônomas --, a Rede de Pesquisa Solidária realizou uma análise que confirmou: informais foram, de fato, os mais atingidos pela primeira leva de desemprego, representado três quartos dos postos de trabalho perdidos.

A ausência de renda durante o isolamento social e depois dele é mais prejudicial às mulheres, sobretudo negras. Mais de 50% delas são chefes de família e, de acordo com o Instituto Locomotiva, 5,2 milhões são mães vivendo na favela com média de 2,7 filhos cada. Destas 70% afirmaram que a alimentação da família já está prejudicada. E com a possibilidade de fome se sobrepondo à preocupação com o vírus, nesses lugares não há dinheiro para álcool gel e o que resta é higiene com água e sabão.

No Brasil, mais de 15 milhões de pessoas não têm acesso a água tratada, o que representa 14,3% da população do país. O cenário foi esmiuçado por Teresa Vernaglia, presidente da BRK Ambiental, maior empresa privada de saneamento do país.

Sem garantias de retorno ao trabalho, o empreendedorismo provavelmente aparecerá como única alternativa para essas mulheres. E, aliás, esta já é uma porta de entrada comum às 24 milhões que lideram pequenos e micro negócios, segundo dados do Sebrae. Dificuldades para retornar à formalidade após ter filhos, perda do emprego e até a romantização do sonho do negócio próprio estão entre as principais razões que levam mulheres a empreender. Numa trajetória, como mostraram Ana Fontes, da Rede Mulher Empreendedora, Gal Barradas, da Gal Barradas Brand&Ventures, e Verônica Oliveira, do Faxina Boa, recheada de percalços e hoje bastante atingida pela pandemia.

A mulher na maior crise sanitária da história

O volume de esgotos públicos despejado diariamente em mares e rios equivale a seis piscinas olímpicas. Metade da população brasileira não tem acesso a coleta e tratamento de esgoto. E outros 35 milhões não têm acesso a água potável. Para efeito de comparação, esse número equivale a toda população do Canadá.

Esses números foram apresentados por Teresa Vernaglia, presidente da BRK Ambiental que tem intimidade com as pautas de infra-estrutura, em função de suas passagens por grandes companhias de energia e telecomunicações. "O saneamento é, de longe, o setor mais atrasado no país, considerando que estamos entre as dez maiores economias mundiais", disse a executiva, em seu speech sobre como esta crise sanitária sem precedentes afeta sobretudo, mulheres.

Essa constatação se baseia em um amplo estudo anterior à Covid-19 que a BRK realizou cruzando informações dos Ministérios da Saúde e da Educação, com recorte específico sobre mulheres. Os números impressionam: 1,5 milhão de mulheres não tem banheiro em casa e, vivendo nesta condição, elas têm renda 74% menor e nota 25% menor no ENEM em comparação àquelas que têm acesso ao banheiro. O que compromete todas as perspectivas profissionais. Outras 12 milhões -- 68% das quais pardas ou negras -- não contam com abastecimento regular em casa.

"Muitas brasileiras, dependendo de onde vivem, ainda caminham quilômetros com lata d´água na cabeça em pleno século 21. E ainda convivem com doenças como a dengue e chikungunya", conta ela, lembrando que o acesso a água e esgoto poderia tirar 635 mil mulheres da linha da pobreza.

Apoio ao caminho empreendedor

Empreendedora e colunista de Universa, Cris Guterres trouxe luz às questões relacionadas às mulheres que lideram micros e pequenos negócios. Por sua experiência como proprietária de um restaurante, Cris lembrou que mais de 70% dos empreendedores não conseguiram auxílios financeiros anunciados por bancos e governo. No Brasil, mulheres lideram quase metade das pequenas empresas e o número cresce todo ano, conforme explicou Ana Fontes, presidente da Rede Mulher Empreendedora (RME).

Muitas das que enveredam por este caminho, o fazem a partir de habilidades caseiras e comercializam seus produtos e serviços localmente, nas comunidades onde vivem. Foi essa a classe de empresárias mais afetada na pandemia. "Considerando que 40% sustentam a casa e têm em seus negócios a única fonte de renda, a crise veio como um tsunami", disse Ana. Conforme pesquisa realizada pela RME, alertou que 85% das empreendedoras sofreram perda total do faturamento.

Para essas mulheres, a possibilidade de distanciamento não existe. O trabalho já acontecia dentro de casa. Na falta de políticas públicas anteriores à pandemia, medidas anunciadas não foram suficientes para minimizar impactos. A publicitária e empreendedora Gal Barradas credita o cenário à falta de representantes mulheres na política e chama atenção ainda para a ausência de formação das empreendedoras. Da noite para o dia, elas precisaram se adaptar a um ambiente digital, sem ter educação básica de negócios. A falta de letramento digital se converteu em uma dificuldade adicional.

Criadora do Faxina Boa, Verônica Oliveira, lembrou das quase 40% de diaristas que ficaram sem renda, dispensadas sobretudo por empregadores das classes AB, que não mantiveram os pagamentos das diárias. "Empreendi no trabalho doméstico usando um celular dado por um amigo e com o wifi da padaria, onde parava depois da faxina. Para nós, as dificuldades sempre foram muitas", lembra ela. O negócio deu certo graças ao apoio de outras pessoas que entendiam de aspectos do negócio que ela desconhecia. E essa rede de compartilhamento de informações e ideias, que inclui esforços individuais na sociedade, pode ser a semente da solução para empreendedoras e trabalhadoras informais conseguirem passar pela crise.

O ano é 2020, mas a equação maternidade e carreira ainda parece não fechar. Uma análise da McKinsey sobre a curva de carreira feminina constatou que as mulheres entram no mercado de trabalho em uma proporção semelhante a dos homens. Mas essa participação vai sendo reduzida na medida em que crescem os graus hierárquicos. Uma outra pesquisa, realizada pela Fundação Getúlio Vargas, apontou que metade das mulheres abandonam o emprego em até dois anos após a licença-maternidade. Como empresas e sociedade podem interferir nesse cenário?

Os receios são tantos que impactam até o número de profissionais que aceita, por exemplo, a extensão da licença maternidade, política adotada em algumas corporações supostamente como forma de incentivar as mães a se manterem no mercado. Um estudo realizado este ano pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Universidade de Chicago verificou que, entre mulheres com formação universitária, somente 47% optaram pela licença estendida. Entre trabalhadoras que não se formaram no ensino médio, esse número foi de 30%. E no recorte de raça, enquanto 43% das brancas, indígenas e amarelas aceitaram ficar mais tempo em casa, somente 29% das negras e pardas usaram o benefício. Uma outra questão coloca em xeque a efetividade desta política, visto que cerca de 20% das profissionais que tiveram esse direito, foram desligadas ou saíram por conta própria.

No contexto de pandemia, as executivas Solange Sobral, VP de operações da CI&T e Josie Romero, VP de operações e logísticas da Natura&Co, refletiram sobre como as responsabilidades das mães que agora trabalham em home office se sobrepuseram à já pesada carga mental -- tarefas da rotina doméstica, cujo exercício para mulheres é quatro vezes maior que para homens. Assim como as dificuldades em conciliar a agenda profissional, da família e da educação dos filhos.

Educação aliás é, depois de alimentação, a maior preocupação de mães que vivem nas periferias. A desigualdade digital é o alerta para mais um potencial efeito colateral da pandemia: o aumento da evasão escolar quando a crise passar. A educadora social Bel Santos Mayer, que atua em Parelheiros, reflete sobre o papel fundamental que as mães terão ante ao cenário de imprevisibilidade na retomada nas escolas, sobretudo públicas, e com as dificuldades que passam desde falta de dispositivos até acesso a internet.

Mães, força mobilizadora

O Brasil tem aproximadamente 11 milhões de mães solteiras. Metade delas já vivia abaixo da linha da pobreza, com renda inferior a R$500 por mês, bem antes da pandemia. Conforme pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva em abril deste ano, com a chegada da Covid-19, cerca de 92% já perderam renda e 72% estão com problemas para se alimentar.

Bel Santos Mayer, educadora social, conhece bem esta realidade. Ela não é mãe, mas é filha, neta, irmã e alguém que há muitos anos acolhe as mães e jovens mulheres da comunidade de Parelheiros, no extremo da zona Sul de São Paulo. A paixão por educação, ela conta, começou aos 14 anos, quando já se dedicava à alfabetização e os estudos foram estimulado pela família.

"Minha mãe cuidou da casa e dos filhos de outras pessoas. E o fez da melhor maneira que pôde. Mas quis que suas filhas, por meio da educação, tivessem outras escolhas", lembra ela que, formada em matemática e que, com uma bolsa conquistada em função de seus esforços de levar educação às periferias, cursou também Metodologias Pedagógicas com especialização em Pedagogia Social na Itália.

Foi na Itália que se aprofundou no pensamento do filósofo e educador pernambucano Paulo Freire, para quem a "leitura do mundo precede a leitura da palavra". De volta ao Brasil, partiu de vez para o trabalho social. A atuação em Parelheiros foi marcada pela construção de uma biblioteca que acabou instalada no cemitério da região, quando a sala que ela ocupava foi cedida para um dentista.

Pensada para aqueles que estão na escola, mas também para quem não está e até para os que não sabem ler, a biblioteca é hoje um ponto de encontro e estudo de jovens. E também, de mães: as mães mobilizadoras em Parelheiros que, como Bel é testemunha, são o motor que empurra e incentiva os filhos a seguirem e continuarem apostando na educação.

Não é justo ter que escolher

Um conhecido provérbio africano diz ser preciso uma aldeia para criar uma criança. E esta parece ser a regra de ouro também para que as mães perseverem em seus planos de carreira. Rede de apoio somada à preparação da saída, que inclui a negociação da volta, são ingredientes que deram certo na receita para as duas executivas que debateram o tema usando das próprias experiências como mãe.

Solange Sobral, VP de operações da CI&T, companhia de tecnologia, é mãe um rapaz e duas adolescentes. Fez carreira na CI&T, sendo a quinta funcionária contratada quando a empresa estava começando. Em sua primeira gestação, acumulou junto ao dia a dia profissional, a rotina acadêmica do mestrado que cursava na época. "A decisão de ser mãe foi tomada com muita consciência. E trouxe benefícios para minha maturidade profissional também. Mas não foi fácil", contou ela, para quem ter a volta já planejada, com novos desafios previstos, fez muita diferença.

O mesmo se passou com Josie Romero, VP de logísticas e operações da Natura&Co, para quem maternidade e carreira sempre foram objetivos que caminhariam juntos. "Nunca considerei abrir mão de uma coisa ou de outra". Mãe de duas, ela atentou porém, que mesmo o planejamento funcionou até certo ponto. "Nos primeiros anos de vida da minha primeira filha, pensei em desistir muitas vezes. Ela vivia doente, e eu me sentia culpada", conta. E que outro aspecto fundamental para dar conta foi a empatia dos colegas quando retornou de sua licença.

Ambas reconheceram, porém, que falam de um lugar de privilégio. Mesmo com a consciência de que o trabalho é parte importante da vida, o peso da culpa e da carga mental -- fatalmente maiores para mulheres --, são fatores que levam muitas a desistir. É consenso também que o sucesso de políticas como extensão de licença e licença paternidade (que na Natura, já de 40 dias, e em algumas multinacionais chegam a quatro meses), precisam ser suportadas por uma mudança cultural também por parte dos homens. "Enquanto as licenças forem tão desiguais, será difícil atingir a igualdade de condições dentro de uma empresa", diz Solange.

As decisões de maternar ainda pesam muito para as mães. "Por isso ela não pode se ver em mais uma encruzilhada onde tenha que optar por ser mãe ou trabalhar", afirmou Solange, que vê como responsabilidade das empresas ter esta sensibilidade e gestão mais humanizada.

Diversidade não é assunto novo nas pautas empresariais. Em grandes companhias, sobretudo multinacionais, essa passou a ser inclusive meta atrelada a bônus executivos. Além de equipes mais engajadas e redução de riscos a partir de olhares mais plurais, as empresas que apostam verdadeiramente em diversificar seus times alcançam resultados financeiros melhores.

O relatório "Delivering through diversity", mais recente publicação da consultoria Mckinsey, mostrou que corporações com um quadro de funcionários mais diverso tendem a obter 21% mais lucro quando há equidade de gênero e 35% mais lucro quando há inclusão racial. O ganho também é refletido em imagem. Investir em diversidade é visto também como compromisso social das marcas, principalmente quando há uma contribuição real para as causas de racismo e homofobia. A questão é, políticas inclusivas estavam de fato acontecendo e funcionando?

Como profissional negra e nascida no estado de Rondônia, a publicitária Joana Mendes contou sua história para cavar espaços no masculino e fechado território da publicidade. Ela se mudou aos 21 anos para São Paulo, trabalhou como freelancer durante boa parte da carreira e conseguiu, com muito esforço, atingir suas metas pessoas. A falta de visibilidade fez com que ela criasse, junto a outras colegas negras, o primeiro banco de imagens feito inteiros por mulheres brasileiras e pretas.

Nas corporações, a jornada vem acontecendo, mas será ainda longa. Em um painel que reuniu Andreia Dutra, presidente da Sodexo On-Site no Brasil, Andréa Cruz, fundadora da consultoria de transformação e desenvolvimento humano SERH1, e Maitê Schneider, co-fundadora da Transempregos, houve o consenso de que ainda há dificuldade em promover a diversidade e não somente contratar perfis diferentes.

Hackeando o mercado da publicidade

A história de Joana Mendes começou com um enredo muito comum às jovens negras brasileiras. Natural de Sergipe, a avó da publicitária estudou apenas até os onze anos e trabalhou por toda a vida em casas de família. Mal remunerada e muitas vezes constrangida pelos empregadores, ela decidiu que a filha teria destino diferente. E foi assim que os capítulos seguintes ganharam um desfecho melhor. Carioca, a mãe de Joana concluiu os estudos e se tornou especialista em saúde pública. Assim como a irmã, desde cedo a publicitária foi estimulada a estudar. A família torcia por medicina, mas ela escolheu a comunicação. Saiu de Rondônia, onde percebeu que a evolução da carreira na forma como ela desejava não seria possível.

Aos 34 anos, apesar de se reconhecer em uma situação de privilégio comparada a outras mulheres negras, Joana trilhou um longo caminho. Conseguiu com a ajuda de um colega, a entrevista na agência onde sempre quis trabalhar. Aberta a porta de entrada, permanecer se tornou mais um desafio. "Era difícil batalhar por uma vaga com uma pessoa que fez faculdade em um lugar famoso. Passei por falta de dinheiro, cheguei a ter R$ 15 para passar a semana. Em um determinado momento, pensei: vou usar essa falta de espaço para me articular e ver o que acontece", lembra ela.

E então, Joana fez muito acontecer. Foi premiada com um Young Lions, que reconhece jovens publicitários no Festival Cannes. Em 2019, criou junto com outras profissionais negras, o banco de imagens o Young Gifted and Black, viabilizado por um financiamento coletivo. E por seu ativismo contra a falta de diversidade no meio publicitário, foi reconhecida como uma das jovens que lutam para mudar a comunicação. "Tudo o que eu queria quando sai de Rondônia era ser uma boa redatora", lembra. Há poucas semanas, Joana se tornou a primeira diretora de criação negra em uma grande agência, a FBiz.

A diversidade estava mesmo acontecendo?

Promover a diversidade pede coragem. Liderando uma empresa que é referência em práticas de inclusão e equidade internacionalmente, Andreia Dutra, presidente da Sodexo On-Site deu o recado. "É preciso começar, ainda que por uma causa apenas. As dúvidas e os erros podem vir, mas ao começar, aprendemos e seguimos", contou ela, ao lembrar os primeiros esforços da companhia no Brasil para incluir profissionais trans no time.

Empresária transexual e co-fundadora da Transempregos, plataforma criada para apoiar profissionais trans na conquista de trabalhos formais, Maite Schneider se dedica também a auxiliar companhias, como fez com a própria Sodexo. E atentou para o fato de muitas corporações ainda olharem para diversidade e inclusão como se este fosse um pacote único. "É um erro comum. Pois você pode trazer diversidade, mas ela precisa ser escutada", disse. "Empresas inteligentes fortalecem as individualidades de seus colaboradores e somam essas diferenças para um bom resultado final."

As dificuldades de inclusão estão além do ambiente empresarial. Um levantamento divulgado pelo Instituto Locomotiva no início de julho apontou que três a cada quatro mulheres, negros e pessoas das periferias, das classes C, D e E, já sofreram discriminação e constrangimento em comércios. Juntos, porém, esse contingente representa 80% das intenções de compra no Brasil. "É uma população que consome mais de 1 trilhão de reais ao ano", afirmou Andrea Cruz, com base no mesmo levantamento. Por isso, segundo ela, inserir as pessoas na economia é também o caminho mais fácil para abraçar a diversidade.

No Brasil, 52% da população brasileira é de mulheres, 55,8% é composta por negros e 7% são pessoas com deficiência. Juntos, esses grupos ainda são minoria no mercado de trabalho. Para Maite, ainda é necessário que todos percebem a diversidade como um compromisso individual também. "Somos, como humanos, uma construção de diversidades", apontou. Adicionalmente, como ponderou Andrea Cruz, é preciso rever os critérios de contratação para ampliar as chances desta maioria ainda minorizada.

Falta clareza ao futuro da sociedade como um todo e principalmente para mulheres, mas sobram certezas do que precisa ficar no passado. Conforme estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mulheres vivem mais: em média, 79,9 anos, enquanto homens alcançam aproximadamente 72,8 anos de vida. Elas também estudam mais. Segundo o Censo 2018, levantamento mais atual do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), 71,3% das matrículas em cursos de graduação é de mulheres.

Que caminhos então serão possíveis para essas tantas mulheres, que hoje possuem potencial produtivo muito maior, mas encontrarão um mercado saturado e ainda carregado de preconceitos? Estes e outros questionamentos foram tema de painel em que trouxeram suas próprias vivências, Joice Berth, 44, arquiteta e urbanista, Vera Iaconelli, 53, psicanalista e diretora do Instituto Gerar, e Patrícia Parenza, 48, jornalista e comunicadora.

Com um precioso relato sobre passar por situações limite e como isso reverberou na vida profissional, a executiva Deborah Telesio contou sua história de sobrevivente do maior tsunami que já ocorreu na Indonésia. Patricia Audi, VP marketing, relações institucionais e sustentabilidade do Santander, propôs na sequência uma reflexão sobre a urgência de ações no agora, nas esferas públicas e privadas, para conter o cenário. E Ana Carolina da Hora, a Nina, jovem negra da periferia do Rio de Janeiro, trouxe a esperança no futuro que queremos.

Passado, presente, futuro

Uma crise sem precedentes, inimaginável para muitas gerações, em que alguns estão mais vulneráveis, mas ninguém está totalmente protegido. Nesses quase cinco meses de distanciamento social, independente da expectativa coletiva, muitos se perguntam como estarão individualmente quando a pandemia passar.

"Eu sobrevivi a um tsunami", contou Deborah Telesio, VP da Elekta, multinacional sueca de tecnologia médica, ao trazer uma lição do passado que diz muito sobre o que se vive agora. Há dezesseis anos, ela fez a viagem dos sonhos com uma amiga. Enquanto mergulhava sozinha em uma das ilhas paradisíacas da Indonésia, o maior tsunami da história atingiu o arquipélago. Medo, raiva, inconformismo, ânimo - foram várias ondas e muitas sensações antes de ser resgatada. Da experiência, ficaram muitas marcas. Mas, sobretudo, um olhar positivo e a certeza dos recomeços.

Para que essa seja uma possibilidade para muitas outras, se fazem necessárias ações urgentes e conjuntas entre governo e iniciativa privada. Patrícia Audi, VP de marketing, relações institucionais e sustentabilidade do Santander, falou sobre sua trajetória profissional -- que incluiu preconceitos, o medo depois da maternidade, a consciência do privilégio -- e, ainda, das ações que a instituição que representa tem desenvolvido para apoiar os mais vulneráveis e hospitais, por exemplo.

Nas mãos de lideranças como Patrícia está ainda parte da responsabilidade de apoiar e pensar como mulheres poderão ajudar outras mulheres, considerando que são elas -- em sua maioria negras, periféricas -- as principais vítimas da pandemia. Para elas, o futuro que se espera é parecido com o de Nina da Hora. Negra, moradora da Baixada Fluminense no Rio de Janeiro, criada por cinco mulheres que sempre apostaram em seu sonho de ser cientista. "Abriram portas para mim e seguraram. Agora eu abro e seguro. E esse é um ciclo que não pode se quebrar", conta a cientista, que aos 25 anos, já foi convidada para eventos internacionais de tecnologia de gigantes como a Apple e foi recebida por Malala Yousafzai para falar de projetos tecnológicos de educação quando a paquistanesa esteve no Brasil.

Com a palavra, as perennials

A discriminação contra profissionais mais velhos no mercado de trabalho não é exatamente novidade para líderes de recursos humanos e especialistas em envelhecimento populacional. Com a pandemia, veio um fator adicional: a demanda por conhecimentos de tecnologia que muitas pessoas mais velhas não têm. E esses preconceitos são maximizados quando se trata de mulheres e negros.

Joice Berth, arquiteta e urbanista que, aos 44 anos é mãe de quatro filhos, conta que a maturidade foi o que trouxe inteligência emocional. O que se reverberou em mais qualidade no que ela produz. "Fazer um milhão de coisas não significa que você o faz com qualidade. Mas a juventude ainda é muito conectada com velocidade, com a demanda de produzir muito e rápido", pontuou.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), pessoas com até 35 anos são mais suscetíveis a desenvolver ansiedade. O que pode significar que estejam menos propensas a encarar desafios novos ou se arriscar. Mas a bagagem e a estabilidade emocional de profissionais com mais de 40 anos não são garantias contra o etarismo -- nome dado a toda forma de preconceitos relacionados a idade. Algo similar à ditadura de beleza e juventude, que atinge sobretudo e de novo, mulheres.

"Mulheres ainda são vistas como seres puramente reprodutores", pontuou a psicanalista Vera Iaconelli, 54, em uma alusão aos estereótipos que analisam a mulher de acordo com a primeira menstruação ou a chegada da menopausa. Para Joice, entre mulheres negras há um agravante, a chamada questão do preterimento. "Crescemos mais propensas a querer a viver adivinhando a expectativa do outro, para caber naquele modelo", refletiu, contando que ela mesma já passou por situações na juventude, em que se sentiu desta forma.

A boa notícia é que há alguns anos, mais mulheres maduras têm combatido a discriminação etária, se posicionando com mais confiança. Patricia Parenza, 48, jornalista e comunicadora digital especializada em mulheres 45+, é uma delas. Há alguns anos se dedica a falar de moda e auto estima para mulheres mais velhas. E acredita: "existe um contraponto entre uma cognição mais lenta e um emocional mais preparado para a vida e o trabalho."

O que se espera portanto, neste mundo em que muito será diferente no pós-pandemia e que já se sabe que inteligência emocional será um diferencial, é que o etarismo tenha mais lugar. É algo a se considerar até nas discussões sobre inclusão.

Veja na íntegra

Acesse a página de Universa Talks para ler a cobertura completa do evento e conhecer a história das mulheres inspiradoras mostradas durante essa semana. A íntegra dos debates pode ser assistida no Youtube de Universa. Você também pode ouvir o Universa Talks na versão podcast: todos os dias de evento estão disponíveis em distribuidores como Spotify, Apple Podcasts e Deezer.

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