Valdirene Ambiel só tinha visto pessoas mortas em velórios. Eram familiares e estavam devidamente preparados para o sepultamento, dentro de um caixão, com flores em volta do corpo. Mas lidar com o cadáver de um desconhecido, sobre uma mesa, aquilo nunca tinha lhe acontecido. Por isso, estava com medo. "Talvez eu saia correndo", disse ao colega de trabalho.
"Pensa que é um livro", sussurrou o homem, ao chegar à sala do Museu de Arte Sacra, em São Paulo, onde avistaram um corpo preservado. Ela gostou da frase. Abstraiu o caráter possivelmente mórbido da cena e se empenhou em "ler" as informações fornecidas pelo morto. "Alguém que já teve uma vida como a minha e não está mais aqui para se defender", narraria, 15 anos depois, ao relembrar os primeiros dias de sua bem-sucedida carreira de cientista.
Reconhecida internacionalmente pelo trabalho de aproximação facial do imperador dom Pedro I e das imperatrizes Leopoldina e Amélia --resultado da tese de doutorado defendida na Faculdade de Medicina da USP-- Valdirene Ambiel tem uma trajetória incomum na ciência, em que proliferam as histórias de prodígios precoces. Ela abandonou os estudos aos 16, na oitava série, e só conseguiu concluir a faculdade perto dos 40, após enfrentar uma depressão e realizar trabalhos variados para pagar as contas, de guarda-costas a faxineira.