"Papai, o tio me machuca."
Foi com essa frase que Henry Borel, 4 anos, tentou contar ao pai que era vítima de violência pelas mãos do padrasto, o médico e vereador cassado Jairo Souza Santos Júnior, conhecido como Dr. Jairinho. A rotina de agressões que a criança viveu no apartamento onde morava com sua mãe, Monique Medeiros, e Jairinho, no Rio de Janeiro, teve fim com a morte do garoto, em 8 de março, com um laudo indicando "23 lesões produzidas mediante ação violenta".
Jairinho e Monique estão presos acusados de homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, impossibilidade de defesa da vítima e meio cruel), tortura, fraude processual, falsidade ideológica e coação. Em entrevista a Universa, Monique disse que a morte do filho foi resultado de um "plano diabólico" do ex-namorado para que Henry não atrapalhasse o relacionamento dos dois.
Apesar de o caso ter chocado o país, a tragédia de Henry não é isolada. Só em 2020, o Brasil contabilizou 95.247 denúncias de agressões contra crianças e adolescentes no Disque 100, serviço do MMFDH (Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos). É uma média de 260 meninos e meninas agredidos por dia — 70% deles, assim como Henry, vivem o horror dentro de casa. (Leia ao final desta reportagem artigo sobre o tema enviado a Universa pela ministra Damares Alves)
Segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 15 de julho, 6.122 crianças e adolescentes, entre 0 e 19 anos, foram mortos de forma violenta em 2020, ante 5.912 em 2019. Deste total, 67 tinham entre 0 e 11 anos, sendo 17 deles com até 4 anos. O Anuário aponta que 47% dos assassinatos de crianças da mesma faixa etária de Henry Borel, de 0 a 4 anos, se deram por meio de agressão (22%) e "outros instrumentos" (25%), como por exemplo "atear de fogo".
Nicole* é uma das vítimas de violência infantil no Brasil — e mais uma a acusar Dr. Jairinho, então namorado de sua mãe, de agressão. A hoje adolescente conta que quando tinha cinco anos de idade foi afogada e teve o braço torcido por ele.
À história dela se somam as de Pedro*, que aos quatro anos teve a cabeça batida contra a parede várias vezes pela mãe e pelo padrasto, e a dos irmãos gêmeos João e José*, 11, torturados pelo pai. Não fosse um adulto para detectar os sinais de que algo errado acontecia, essas crianças poderiam ter tido o mesmo destino de Henry.
E elas só foram ouvidas pela Justiça de forma adequada graças à Lei da Escuta Protegida. Em vigor desde 2018, a legislação determina que o depoimento de crianças e adolescentes vítimas de violência só pode ser prestado a profissionais capacitados, já que os menores na maioria das vezes mal sabem falar e têm necessidades específicas de comunicação.
Todo caso na Justiça envolvendo criança corre sob segredo, para proteger a identidade da vítima, mas Universa teve acesso aos depoimentos transcritos de Nicole, Pedro e dos irmãos João e José, que você confere ao longo desta reportagem, com nomes fictícios para preservá-los.
* Aviso de gatilho: os relatos a seguir descrevem cenas de violência e podem gerar desconforto ao leitor.