A história de Jandira é chocante, porém não é única. Desde que ela morreu, Aline dos Reis, Caroline de Souza e Tatiana Camilato foram algumas das mulheres que perderam suas vidas de maneira parecida. Para a antropóloga responsável pela Pesquisa Nacional do Aborto, Débora Diniz, essas mortes são sintomas de uma violação de direitos humanos que acontece no Brasil.
A criminalização do aborto é uma grave violação de direitos humanos, com consequências para a saúde pública e a saúde da mulher. Ela viola direitos fundamentais, como a dignidade, a liberdade e a autonomia."
Somente sendo livre para escolher quando e como ter filhos, a mulher pode ter uma vida digna, segundo a especialista.
No Brasil, o aborto é legal apenas em três casos: estupro, quando a gravidez representa um risco para a mulher ou em caso de anencefalia do feto.
Débora ressalta que, exatamente pela ilegalidade, os dados existentes sobre a prática são poucos e podem subestimar a realidade. Mesmo assim, mostram que o aborto por opção continua sendo feito, independentemente de ser ilegal.
"As verdadeiras vítimas da criminalização do aborto é claro que são as mulheres. No início da gestação, não temos um bebê ainda, mas tem uma mulher ali, que, pelo aborto ser crime, corre o risco de ser presa ou até morrer".
A descriminalização, segundo a especialista, é essencial para oferecer condições seguras para mulheres que já fazem a interrupção da gravidez, além de orientação e acompanhamento médico e psicológico antes e depois do procedimento.
Em março de 2017, Débora entrou com uma ação no Supremo Tribunal pela descriminalização do aborto. "Nós temos a chance de que o STF olhe para a questão do aborto. Mas, ao mesmo tempo, há um processo em curso na Câmara para proibir completamente o aborto". Ela se refere às PEC 29 e 181, que mudariam o artigo 5º da Constituição, propondo o direito à vida desde a concepção.
Ela acredita que é difícil prever qual cenário é mais provável. "O processo de revisão legislativa, para ser mais restritivo, já está em curso, e talvez seja mais rápido do que o do Supremo. São forças paralelas que refletem a disputa política que está acontecendo no país", diz.
Débora usa o vizinho Uruguai como exemplo de legislação sobre o aborto, onde a prática é legal desde 2012 e oferecida pelo sistema público de saúde.
Descriminalizar o aborto não desprotege a crença de ninguém. As pessoas que acham que o aborto não deve ser feito vão poder passar a vida sem fazer um".