A zona portuária carioca agora é cool e pode ser a nova Lapa
Rolou muita expectativa em torno da zona portuária do Rio com as obras para a Olimpíada. O projeto Porto Maravilha teve como objetivo revitalizar a região formada pelos bairros da Gamboa, Saúde e Santo Cristo. E, com a derrubada do viaduto da perimetral e criação do Boulevard Olímpico — parte da Avenida Rodrigues Alves transformada em uma via para pedestres —, o carioca redescobriu a orla da região e ganhou uma nova área de lazer.
Além disso, chegar lá ficou mais fácil com a inauguração do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). Mas passada a euforia dos jogos, o estado foi surpreendido por uma grave crise. Sim, as obras foram interrompidas, mas os arredores do porto mostraram que têm fôlego para a cultura e o entretenimento, e hoje guardam points que caíram no gosto de um público mais descolado e aberto a novidades.
Os galpões do cais do porto recebem grandes eventos, e o Armazém da Utopia é o único que tem ocupação constante: desde 2010, ele é a sede da companhia de teatro Ensaio Aberto. No finzinho do Boulevard Olímpico, o lugar sentiu diretamente o impacto da revitalização. "Comecei a trabalhar aqui em 2013, bem na época das obras. Isso aqui era um cenário de guerra", lembra João Raphael Alves, ator e coordenador do projeto Ciência do Novo Público, que faz parte dos trabalhos da companhia. "Antes disso, eu já tinha vindo, como espectador, e dava medo de ficar esperando táxi, por exemplo. Era muito abandonado. Hoje, a rua está sempre iluminada, a gente vê gente correndo, andando de skate, de patins, passeando com cachorro", comemora.
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Além dos espetáculos teatrais, o galpão histórico já sediou eventos, como o Festival do Rio (de cinema), o Rio H2K (de dança) e o Tudo é Jazz no Porto. A proximidade com o AquaRio, o Aquário Marinho do Rio de Janeiro, também ajuda o espaço, acredita Alves. "As pessoas se interessam em conhecer o lugar pela arquitetura, já que a estrutura é original", conta. Em outubro do ano passado, um milhão de pessoas já tinham passado por lá desde a inauguração. "Na época da Olimpíada, era muita gente. Depois, caiu. Hoje, percebo que deu uma estabilizada, e nas férias sempre aumenta um pouco."
Dono da Casa Porto, na Gamboa, a poucos minutos do Boulevard Olímpico, Raphael Vidal concorda com a análise. "Acho que a região portuária deu uma levantada entre 2012 e 2016, depois caiu de novo. Agora, há uma média entre aquele boom e a decaída", explica. Mas na Casa Porto a coisa não foi tão simples assim. Aberta em 2013 como espaço para eventos culturais, passou por maus bocados ano passado e só ganhou novo fôlego quando se tornou um bar, com foco nas comidas de botequim. "Hoje mais ou menos 80% do nosso público é de fora, 10% daqui e 10% de trabalhadores do local", completa Vidal.
Fábrica Bhering
Mais distante da Praça Mauá, o Santo Cristo não chegou a se beneficiar diretamente das obras na região. Mas, pouco a pouco, o bairro vem ganhando mais atrações. A mais antiga é a Fábrica Bhering, que acomoda cerca de 80 diferentes negócios, com fotógrafos, artistas plásticos, lojas de móveis e decoração, marcas de moda e uma livraria, entre outros que ocupam seus espaços. "A Bhering já se estabeleceu como um ponto de cultura. Sentimos o impacto da crise em geral, mas não da interrupção das obras do porto", comenta Ruy Barreto Filho, diretor do lugar.
No número 28 da rua Orestes, está o imponente edifício erguido nos anos 1930, de 15 mil metros quadrados, que durante décadas foi sede da Fábrica Bhering. Entre outras coisas, produzia as icônicas balas Toffee e Boneco. Chegou a ser uma das maiores indústrias do país, principalmente pela produção e exportação de café. Em 1995, o processo migrou para Minas Gerais, e o espaço foi desativado. Começou a ser ocupado por ateliês a partir de 2006. O maquinário original agora fica no quarto andar do prédio e está aberto à visitação. Além disso, do terraço dá para se ter uma vista privilegiada da zona portuária.
No primeiro sábado de cada mês, os ateliês abrem as portas para o Circuito Interno, evento com exposições, oficinas, música, marcas convidadas e gastronomia. Quando começou, há seis anos, se chamava Fábrica Aberta e não tinha periodicidade fixa. Hoje é sucesso total: ano passado passaram pelo Circuito, em média, 800 a mil pessoas; na última edição, em agosto, eles receberam 3.800 pessoas. Com isso, Barreto Filho planeja fazer mais um sábado aberto a todos, dedicado aos ateliês de artistas plásticos.
A cinco minutos a pé da Fábrica Bhering, no bucólico Morro do Pinto, está o Bar do Omar, em uma laje que também tem uma boa vista da região portuária. Omar Monteiro e sua família abriram a casa em 2000, mas só viram o movimento crescer a partir de 2012, com a participação no festival Comida di Buteco. "Sábado e domingo é sempre muito cheio, principalmente quando tem samba. As pessoas brincam que a gente bota um sábado no domingo delas", Monteiro se diverte. “Em dia do evento da Bhering, aumenta bastante o movimento do bar. São pessoas que buscam programas alternativos", completa.
A revitalização tem seu tempo
O produtor executivo e curador Daniel Kraichete frequenta a região há 15 anos. Ele é um dos sócios do Núcleo da Ativação Urbana (NAU), por trás da programação do Gamboa 345 e do Festival de Ativação Urbana (FAU), que rola no Passeio Ernesto Nazareth. Há seis anos, Kraichete levou para lá seu escritório e, em meados de 2015, criou o Rua City Lab, mais tarde rebatizado de NAU (no espaço que hoje abriga o HUB RJ).
Atualmente em busca de uma nova sede pelas redondezas, ele viveu o processo de ascensão e queda das expectativas em torno da zona portuária. "No mundo inteiro a economia criativa revitaliza espaços, e esses projetos têm de médio a longo prazo para se consolidar", explica o produtor. "Ainda temos um cenário muito difícil e imprevisível de como vai ser a revitalização. Estamos começando esse processo pela noite e pelo entretenimento, para ir trazendo cultura, inovação, eventos de empreendedorismo", conta.
Bruno Souza, sócio do HUB RJ, fundado há um ano no Santo Cristo, também acredita no potencial da vizinhança. Este ano, 90 mil pessoas passaram pelo HUB em shows, festas e eventos corporativos. Essa rede de negócios e economia compartilhada também dá cursos, mentorias e capacitações. "Usamos essa ferramenta para movimentar a área e provamos que o pessoal da Zona Sul viria aqui. Pouco a pouco, pequenas empresas estão chegando, querendo se instalar num lugar considerado meio cool. Não fazemos propaganda, tudo está sendo gerado organicamente", diz.
Os dois veem uma oportunidade de que aconteça na região uma revitalização que não seja predatória. "Morei em cidades portuárias fora do Brasil, como Nantes, na França, e Hamburgo, na Alemanha, e vi o crescimento acontecendo de forma mais sustentável. Você não precisa demolir um galpão para construir um prédio enorme. É uma ruína histórica", comenta Souza. Nessa pegada sustentável (que não é só de meio ambiente, mas também de preocupação social), a segurança é toda feita por pessoas do Morro da Providência, do Pinto e do Santo Cristo. Eles também recolhem alimentos em alguns eventos e tudo isso vai para a associação de moradores do bairro.
A "nova Lapa"
Outra prova da tendência da região é que, em maio, ela ganhou mais uma iniciativa: o PortoLab, que faz shows e festas no espaço da Escola de Samba Flor da Mina. A cantora angolana Titica, por exemplo, já se apresentou lá. "Tanto pela questão histórica como pela localização, a zona portuária tem grande potencial turístico e econômico para a cidade. Podemos entender essa região como 'a nova Lapa', só que mais organizada", defende o produtor Penna Firme, do Porto Lab. Firme diz isso pela soma de atividades culturais da região, como o AquaRio e o MAR (Museu de Arte do Rio, na Praça Mauá), entre outros empreendimentos recentes — feiras, festas e festivais — que têm acontecido por lá.
Ele também enxerga com bons olhos o desenvolvimento gradual da área. "Vejo muitas atividades acontecendo e uma ocupação cada vez mais real do porto, mesmo sem os mega investimentos estrangeiros e nacionais. Com essa microeconomia que existe hoje em dia, acredito que movimentamos muito mais do que eventos sazonais, tanto pela constância como pelo volume ao longo do tempo", acredita.
Vai lá
Armazém da Utopia. Avenida Rodrigues Alves, armazém 6, Santo Cristo. Telefone: (21) 2516-4857
Bar do Omar. Rua Sara, 114, Santo Cristo. Quinta e sexta, das 17h às 23h. Sábado, das 13h à 0h. Domingo, das 13h às 22h. Telefone: (21) 98289-3050
Casa Porto. Largo São Francisco da Prainha, 5 - sobrado, Saúde. Segunda a sexta, das 15h ao último cliente. Sábado, das 12h às 18h. Telefone: (21) 98472-1040
Fábrica Bhering. Rua Orestes, 28, Santo Cristo. Segunda a sábado, das 9h às 19h. Circuito Interno Bhering: primeiro sábado de cada mês, das 13h às 20h. Grátis. Telefone: (21) 2137-0014
NAU - Núcleo de Ativação Urbana. Passeio Ernesto Nazareth, Santo Cristo. Mais informações no Facebook.
Gamboa 345. Rua da Gamboa, 345, Gamboa. Mais informações no Facebook.
HUB RJ. Avenida Professor Pereira Reis, 50, Santo Cristo. Telefone: (21) 97173-1502
Porto Lab. Rua Equador, 310, Santo Cristo. Mais informações no Facebook.
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