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Nova geração de botecos recupera ambientes modestos e drinques clássicos

Bar do Luiz Fernandes - Bolinho de Carne - Divulgação
Bar do Luiz Fernandes - Bolinho de Carne Imagem: Divulgação

Da redação, em São Paulo

15/05/2019 17h46

Qual a primeira coisa que você pede ao entrar em um boteco? Se pensou logo em uma cerveja, uma dose de cachaça ou um petisco, saiba que agora todos eles disputam a liderança com a famigerada senha do wi-fi. A escolha vai da prioridade de cada cliente, conforme o comportamento muda ao longo do tempo. Mas os botecos seguem como um dos principais elementos da cultura noturna paulistana.

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Nem sempre foi assim. A São Paulo dos primeiros séculos de existência era uma cidade provinciana, que dormia sem graça assim que o último raio de sol desaparecia. A primeira transformação veio com as tabernas, que só surgiram para quem precisava comer e dormir antes de seguir viagem. Os primeiros antepassados dos bares de hoje chegaram com os portugueses e sua cultura de tascas.

"A gente pode dizer que as tascas são avós dos nossos botecos, pois elas são lugares de comidas simples, baratas e sempre com o dono presente, algo que remete muito a como esses bares se desenvolveram por aqui", conta o jornalista Miguel Icassatti, autor da coluna Boteclando e curador da Sociedade Paulista da Cultura de Boteco. Icassatti também faz parte da curadoria do Urban Taste Cultura de Boteco, que vai rolar neste fim de semana, 18 e 19 de maio, no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo.

Metamorfose constante

Como quase tudo na cidade, os botecos também passaram por diversas fases. Surgiram muitas vezes por acaso ou pela necessidade, tiveram períodos de decadência, depois seu momento de reverência aos botecos cariocas nos anos 90, e agora passam por uma reinvenção e revitalização.

Na ala dos mais tradicionais e já históricos, um ótimo exemplo é o Bar do Luiz Fernandes, na Zona Norte. "Meus avós tinham um empório originalmente. Mas com a chegada do primeiro supermercado na região, no fim dos anos 1960, o movimento diminuiu muito. Em 1970, meu avô Luiz resolveu transformar a casa em um bar, pois o empório já servia alguns petiscos", conta Catarina Fernandes, neta de Luiz e a terceira geração a trabalhar no bar. No início o lugar se chamava Bar das Batidas, por conta da bebida da moda na época e que foi o carro chefe do primeiro cardápio, servidas até hoje para acompanhar os petiscos.

Catarina vê o sucesso como consequência do carinho da família, comprovação de que o dono presente faz um bom boteco. "Aqui a cerveja é que acompanha os bolinhos, que a gente serve por unidade para o cliente poder provar mais coisas. O mais famoso ainda é o de carne [R$ 5 cada]", conta. Ela explica que a maior mudança ao longo dessas décadas todas foi do público. Antes só ia gente do bairro, e hoje eles recebem "turistas" de outros cantos, de outras cidades e até de fora do país. "É curioso pensar que venha gente de tão longe pra conhecer aqui."

Outro bar que já se tornou patrimônio da cidade, mesmo sendo bem mais jovem, é o Veloso, na Vila Mariana. Com 14 anos de existência, fez fama com as coxinhas e as caipirinhas, em um ambiente tão paulistano quanto o das ruas antigas de paralelepípedos, mas com uma inspiração carioca. Veloso, além de remeter ao endereço do bar, era o nome original do Garota de Ipanema, no Rio de Janeiro, de onde Tom Jobim e Vinícius de Moraes viram a "coisa mais linda, mais cheia de graça" passar.

"Eu soube que o bar ia inaugurar pela imprensa e logo quis conhecer", conta uma cliente assídua do bar que, tímida, prefere não ter seu nome publicado. Chamaram sua atenção a caipirinha de jabuticaba (R$ 20, com cachaça Janaína) e a coxinha (R$ 6 cada ou R$ 33 com 6 unidades) me chamaram atenção e ela foi levando várias turmas de amigos para lá. "Logo fiz amizade. Gosto de sentar no balcão e acho que a qualidade dos petiscos é raramente encontrada nos outros bares. Não tem nada ruim ali, como diz um amigo".

Novos goles, velhas tradições

O momento da cultura de boteco paulistana é de renovação. "Dá pra dizer que tem uma tendência dos novos estabelecimentos de retomar a coquetelaria tradicional e também aquela coisa do bar pequeno e sem muita firula, sem cardápios extensos", diz Icassatti.

Um dos novos botecos da cidade é a Esquina do Souza, casa do premiado barman que coordenou os coquetéis do Veloso desde a abertura até a metade do ano passado. "Eu tinha esse sonho, de ter o meu bar. Aí fui juntando aos pouquinhos o dinheiro, pra fazer tudo sem atropelos. Gosto de poder escolher a fruta no Ceagesp e decidir se faço uma receita naquele dia com ela, de ter essa flexibilidade e liberdade", diz Deusdete de Souza, que trabalha como barman desde 1992 e é especializado em caipirinhas (as da Esquina custam R$ 22).

Na mesma linha da coquetelaria, o Mano do Céu abriu em setembro do ano passado. O nome paulistano vem da expressão que os sócios usaram quando viram um imóvel ideal vagar: era a chance de tirar do papel o "sonho do boteco próprio" e precisaram tomar a decisão em uma semana. "A gente só tem dois drinques autorais, pois queríamos mesmo um lugar barato e com as bebidas dos bares pé sujo, que a gente ia quando não tinha grana", conta Gianfranco Wis, que toca a operação. Uma dessas bebidas é o Bitter Giuseppe (R$ 22), que leva cynar, vermute, angostura de laranja e suco de limão. "Só digamos que deixamos o pé mais limpo", brinca.

Os clientes, já fiéis, aprovam. "Vi uma foto de hambúrguer no Instagram e quis conhecer, ainda mais por ser em uma rua pacata. Foi maravilhoso! Além de delicioso, me atenderam muito bem, tem um clima de boteco, de estar na casa de amigos. É despojado, se você vai sozinho dá pra conversar, acho isso o mais legal. O preço é justo, cerveja sempre gelada, drinques legais", ressalta o administrador de empresas Thiago Santos de Sousa, 34, que não mora nem trabalha perto do local, mas vai sempre ao bar.

O comerciante Jorge Crede, 52, concorda. "É um custo benefício excelente e tem sempre um dos sócios na casa, isso faz a diferença. Combinado com as músicas e o hambúrguer, me fez virar cliente."

E como em São Paulo pode tudo, nem sofra para escolher: vá de velha guarda em um dia, de bar da nova geração em outro e conheça as novidades sempre que quiser.


Vai lá:

Bar do Luiz Fernandes
Rua Augusto Tolle 610, Mandaqui, São Paulo.
Terça a sexta, das 16h à 0h.
Sábado e domingo, das 11h às 20h30.
Telefone: (11) 2976-3556

Veloso
Rua Conceição Veloso, 54, Vila Mariana, São Paulo.
Terça a sexta, das 17h30 à 0h30.
Sábado, das 12h30 à 0h30.
Domingo, das 16h às 22h30.
Telefone: (11) 5572-0524

Mano do Céu
Rua Ferreira de Araújo, 1007, Pinheiros, São Paulo.
Segunda a sexta, das 12h às 14h30 e das 18h às 23h30.
Sábado, das 13h às 23h30.
Telefone: (11) 98277-0009

Esquina do Souza
Rua Coronel Melo de Oliveira, 1066, Pompeia, São Paulo.
Terça a sexta, das 17h30 às 23h30.
Sábados, das 12h30 às 12h30.
Domingo, das 12h30 às 19h30.
Telefone: (11) 2538-1861

Urban Taste Cultura de Boteco
Museu da Casa Brasileira - Faria Lima, 2705, Jardim Paulistano, São Paulo.
Sábado, 18, das 12h às 22. Domingo, 19, das 12h às 20h.
Grátis.

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