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Faxina no Everest: "Vimos de bitucas a botas velhas deixadas pelo caminho"

Mariana Britto e Caio Pereira Queiroz, do projeto "Everest Sustentável"  - Divulgação
Mariana Britto e Caio Pereira Queiroz, do projeto "Everest Sustentável"
Imagem: Divulgação

Caio Pereira Queiroz*

Colaboração para o UOL

17/12/2019 04h00

Trabalho na área de sustentabilidade há 21 anos: sou empresário e ambientalista. Costumo dizer que todo lixo que você joga no chão é uma sementinha plantada para incentivar sua destruição aqui neste planeta. Por isso, quando minha amiga Mariana Britto sugeriu fazermos um trekking pelo Sagarmatha National Park, no Nepal, onde fica o monte Everest, eu quis fazer uma viagem que deixasse o menor impacto ambiental possível.

Comecei o planejamento em março, para viajar cerca de seis meses depois. Uma das providências de nosso grupo foi colocar squeeze e camelbak (mochila de hidratação) na bagagem, para não ter que ficar adquirindo água em garrafa plástica no meio do caminho.

Também carregamos tabletes de purificação e, em Katmandu, capital do Nepal, compramos um aparelho com sistema de luz ultravioleta que faz o tratamento até da água da pia, para que fique potável.

Com nosso guia, Carlos Santalena, escalador que já subiu várias vezes o Everest e foi o brasileiro mais jovem a alcançar o topo da montanha, partimos para Katmandu no dia 10 de outubro. Uma semana depois, pegamos o avião para Lukla, de onde sai a trilha pelo vale do Khumbu. Nosso trajeto previa 45 quilômetros de caminhada até o acampamento base do Everest, dormindo em lodges nos vilarejos espalhados pelo percurso.

O ambientalista Caio Pereira Queiroz no campo-base do Everest  - Divulgação - Divulgação
O ambientalista Caio Pereira Queiroz no campo base do Everest
Imagem: Divulgação

Procurei saber se havia coleta seletiva de lixo na região e descobri que existe um comitê não governamental - o Sagarmatha Pollution Control Committee- que está mobilizando recursos para recolher e reciclar resíduos.

Eles instalaram cerca de 100 lixeiras seletivas ao longo das trilhas dos vales, do tamanho de uma casinha de cachorro, feitas de pedra. Mesmo assim, os turistas vão deixando lixo pelo caminho. Vimos de bitucas de cigarro, isqueiros e saquinhos a latas, botas e equipamentos velhos. Atingimos dois cumes a mais de 5.000 metros de altitude e encontrei garrafa plástica até lá em cima.

Há lixeiras de coleta seletiva no Sagarmatha National Park, mas os turistas seguem jogando lixo na trilha - Divulgação - Divulgação
Há lixeiras de coleta seletiva no Sagarmatha National Park, mas os turistas seguem jogando lixo na trilha
Imagem: Divulgação

Nos acampamentos de quem vai escalar o Everest, a situação é ainda pior. Tem gente que deixa o cilindro de oxigênio e outros equipamentos que são resíduos bem pesados. Há pessoas que sobem e não querem gastar tanto dinheiro, então contratam um só sherpa (moradores locais que trabalham como carregadores) para levar tudo, e ele não consegue levar o lixo também. A solução que encontram é desovar essas coisas pelo caminho por causa de peso, praticidade e falta de planejamento. Para se ter uma ideia, uma "expedição de limpeza" realizada este ano tirou cerca de 10 toneladas de lixo do Everest.

Nas trilhas do Sagarmatha National Park, a coleta seletiva organizada pelo comitê é uma boa iniciativa, porém, não funciona direito. Os caminhos têm acesso difícil e ninguém vai retirar o lixo das casinhas. O transporte para abastecer os lodges é feito com burros, iaques ou com os sherpas. Fica muito caro.

O projeto Carry me Back busca reduzir o impacto ambiental na região do Everest - Divulgação - Divulgação
O projeto Carry me Back busca reduzir o impacto ambiental na região do Everest
Imagem: Divulgação
Para potencializar a coleta, eles criaram um programa chamado Carry me Back ("traga-me de volta", em tradução livre), que convida os viajantes que passam pelo vilarejo de Namche Bazaar, no retorno das trilhas, a levar para Lukla pequenas sacolas que pesam cerca de 500 gramas cheias de latinhas de alumínio e garrafas plásticas trituradas - de lá, os resíduos seguem de avião para Katmandu, onde são reciclados.

Os aventureiros reuniram 20 quilos de lixo deixados por turistas - Divulgação - Divulgação
Na volta da trilha pelo campo-base do Everest, os aventureiros trouxeram 20 quilos de lixo recolhidos
Imagem: Divulgação
Nosso grupo bateu o recorde: em quatro pessoas, carregamos 37 sacolinhas. Confesso que foi mais difícil trazer o lixo de volta do que subir os dois cumes. Mas essa era minha missão da viagem: ajudar a reparar o dano causado pelos turistas. Fora que "a equipe brasileira" ficou famosa no local. A ONG tirou fotos, os sherpas nos davam parabéns. Viramos super-heróis e isso valeu a viagem.

Quando fazemos um programa de aventura, em bastante contato com a natureza, sentimos na pele que qualquer coisinha já gera um impacto ambiental grande. Você tem que ter a consciência que é um "convidado" daquele lugar e deve respeitar, sem deixar um ruído negativo para os moradores.

O ambientalista Caio Pereira Queiroz (dir.) com as sacolas de resíduos: recorde do projeto "Carry me Back" - Divulgação - Divulgação
O ambientalista Caio Pereira Queiroz (dir.) com as sacolas de resíduos: recorde do projeto "Carry me Back"
Imagem: Divulgação

Levei uma placa solar na mochila para carregar o celular e os equipamentos conforme ia andando. Apesar daquela região ter matriz energética limpa, alguns lodges só funcionam com energia solar, captada para a iluminação, e fazia sentido eu abastecer meus próprios aparelhos para economizar o que era coletivo.

Toda nossa expedição pelo Nepal vai se transformar no documentário "Everest Sustentável" e um guia sobre viagens responsáveis para ser distribuído pelas agências que exploram a região. Quero que as pessoas tenham acesso fácil às informações ambientais que eu, mesmo trabalhando na área, tive dificuldade para conseguir.

O Everest já foi apelidado de "a lixeira mais alta do mundo", pela quantidade de resíduos deixada pelos aventureiros - iStock - iStock
O Everest já foi apelidado de "a lixeira mais alta do mundo", pela quantidade de resíduos deixada pelos aventureiros
Imagem: iStock

Alguns amigos me perguntaram: e por que você não fez isso aqui, no Brasil? A ideia é também fazer aqui. Mas, quando você fala em Everest, todos param e prestam atenção - e foi isso o que eu procurei nesses meus 21 anos de trabalho. É preciso sensibilizar as pessoas para conseguir informar e fazer com que elas passem a ter uma atitude responsável. Não adianta ficar dando palestra. Quando alguém entende que precisa mudar o comportamento e recebe informações sobre isso, as ações entram no modo automático e você vai fazendo naturalmente. Ir para o Everest, então, foi uma espécie de estratégia para encantar as pessoas.

* Caio Pereira Queiroz, 41 anos, é ambientalista e empresário em São Paulo.